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Confinamento de índios tem consequências nefastas como violência e suicídio, diz procurador

Midiamax - http://www.midiamax.com/view.php?mat_id=557448
Autor: Jacqueline Lopes
20 de Set de 2009

De Corumbá, na fronteira com a Bolívia, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, 41, é hoje uma das peças-chave da demarcação de terras indígenas do Estado. Se de um lado, há a manifestação dos produtores rurais contrários às ações da União, do outro, Almeida faz o enfrentamento.

Ao Midiamax, o procurador não deu prazos sobre o tempo necessário para os estudos antropológicos, mas frisou a importância para a região, hoje um dos centro das atenções internacionais. Almeida garantiu que propriedades de pequeno porte são asseguradas aos assentados mesmo que sejam comprovadas como terras indígenas.

Como procurador do MPF (Ministério Público Federal) em janeiro de 2006 em Altamira (PA), atuou em casos ligados à região amazônica relacionados à grilagem de terras públicas e infrações ambientais. Na área de patrimônio público, investigou o esquema na SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). As fraudes que movimentarm ao menos R$ 40 milhões entre os anos de 1995 e 2002.

O caso SUDAM ainda respingou na morte brutal da freira irmã Dorothy, que chocou o mundo. Neste episódio, um consórcio tinha como integrantes fazendeiros ligados às fraudes cometidas com incentivos fiscais da SUDAM.

Antes de tornar-se procurador, Delfino trabalhou por 13 anos como oficial da Marinha brasileira (1985-1998), em Corumbá e no Rio de Janeiro. Ele também atuou como auditor fiscal da Receita Federal (1998-2006).

Junto com diversas entidades e instituições, o Procurador da República participou das discussões que culminaram na criação de duas Unidades de Conservação federais na região de Altamira (PA).

Mas, o trabalho mais marcante na vida do afrodescentente foi o desenvolvido com as populações indígenas e tradicionais. "A possibilidade de atuar em ampla escala, junto àquelas populações, que padecem de invisibilidade social, é muito recompensador". "É possível mudar o cenário e colocar aquelas pessoas como titulares efetivos dos direitos básicos, como saúde e educação", afirma.

Em entrevista ao Midiamax, o procurador respondeu a algumas indagações sobre o imbróglio das demarcações em Mato Grosso do Sul, onde acompanha o cumprimento do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que determina os estudos antropológicos - raio-x para identificar quais áreas são e quais não são de direito indígena.

Midiamax - Como o MPF pretende garantir os estudos diante dessa avalanche de processos dos produtores rurais na Justiça?

Marco Antônio Delfino de Almeida - Entendemos que a Constituição alberga, de forma expressa, a submissão ao crivo judicial de uma lesão ou ameaça a um direito do cidadão. Entendemos igualmente que a constituição protege os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e que o rito previsto para identificação e delimitação de terras indígenas assegura aos interessados o direito ao contraditório e ampla defesa conforme reiteradas manifestações do Supremo Tribunal Federal. Caberá ao Poder Judiciário ponderar, com a costumeira isenção, este conflito e permitir que os direitos de todos os envolvidos sejam devidamente respeitados.

Midiamax - É verdade que pequenas propriedades cuja produção seja de subsistência estão fora de cogitação para a demarcação ou não? Por que?

Marco Antônio Delfino de Almeida - Em primeiro lugar cabe ressaltar que a maior parte da estrutura fundiária de Mato Grosso do Sul é composta por médias e grandes propriedades rurais. O índice de concentração de terras é o quarto maior entre os estados do país, atrás apenas dos estados do Amazonas, Pará e Bahia. A área média das propriedades do Estado está na casa dos 400 hectares. Em segundo lugar, cabe informar que em relação às pequenas propriedades rurais há previsão expressa de reassentamento conforme redação do artigo 4 do decreto 1775 de 1996 (*). O artigo quarto diz que verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento efetuado pelo grupo técnico, observada a legislação pertinente. Esta é igualmente a meta n 8 do Plano Nacional de Reforma Agrária: garantir o reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas. Os pontos apresentados demonstram que o pequeno produtor tem a garantia de ter o patrimônio preservado caso a sua área incida sobre um terra indígena. Logo, não há fundamento jurídico para exclusão da pequena propriedade das áreas a serem identificadas. Igualmente inexiste fundamentação técnica para tal exclusão, uma vez que os estudos se destinam a identificar os territórios originários dos povos indígenas e não poderiam ter áreas previamente determinadas para exclusão.

Midiamax - De que maneira o senhor acredita que os problemas cuja origem seria a miséria e o confinamento poderão cessar com a devolução das áreas?

Marco Antônio Delfino de Almeida - A miséria é um problema nacional. Vivemos em um país com aproximadamente 35 milhões de miseráveis e com uma população indígena inferior a 500 mil pessoas. No estado de Mato Grosso do Sul, cerca de 300 mil pessoas estão enquadradas como miseráveis. As soluções para a exclusão da miséria passam pela adequada implementação das políticas públicas por parte da União, Estados e Municípios. Em relação ao confinamento, com suas nefastas consequências como desorganização social, violência, suicídios etc, entendemos que o retorno aos territórios originários acarretará uma sensível redução em seus indicadores.

Midiamax - Qual a importância de um estudo antropológico e o tempo que ele deve levar para ficar pronto na região de fronteira com o Paraguai?

Marco Antônio Delfino de Almeida - O estudo antropológico é imprescindível para a identificação da terra indígena. O relatório a ser elaborado deverá conter, nos termos da Constituição Federal e da Portaria 14 de 1996 do Ministério da Justiça, informações que permitam definir em relação às populações indígenas as áreas "por eles habitadas em caráter permanente", as áreas "utilizadas para suas atividades produtivas", as áreas "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar", e as áreas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Não existe correlação entre a fronteira do Paraguai e a duração do estudo a ser efetivada.

Midiamax - Há informações de que existem prefeituras da fronteira que apóiam a demarcação porque esperam investimentos federais. Isso é verdade? Pode citar algumas? Desconheço esta informação.

Midiamax - Há também informações de que os antropólogos precisam de apoio no que diz respeito a segurança para que façam os trabalhos. Por que a PF não pode acompanhar os antropólogos?

Marco Antônio Delfino de Almeida - O apoio policial é necessário em face das ameaças sofridas pelos grupos de trabalho por ocasião dos trabalhos de campo no ano de 2008. Foram instaurados os devidos inquéritos policiais para apuração dos delitos com a propositura de denúncias criminais em face dos envolvidos. Obviamente há necessidade da devida antecedência e planejamento para a adequada proteção dos servidores. Uma vez estabelecido o planejamento deverá ocorrer o devido monitoramento dos grupos de trabalho pelas autoridades policiais.

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