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Conferência do clima ruma ao fracasso

FSP, Ciência, p. A26
Autor: ANGELO, Claudio
15 de Dez de 2007

Conferência do clima ruma ao fracasso
Bloco dos EUA emperra debate, e resolução final pode ignorar até mesmo as recomendações dos cientistas do IPCC
Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, interrompe viagem para ajudar a fazer pressão sobre americanos, canadenses e russos em Bali

Claudio Angelo
Enviado especial a Bali

"Pequenas ilhas: vamos afogar as mágoas antes de nos afogarmos." O cartaz escrito à mão e pendurado num tapume no Centro de Internacional de Convenções de Bali, ontem à noite, convocava para uma festa e resumia o tom de humor negro que tomou conta do último dia da COP-13, a Conferência do Clima da ONU.
Às 2h de sábado (horário local), a reunião de ministros que deveria ter produzido o "mapa do caminho", o plano de negociação do regime de proteção ao clima no futuro, terminou em impasse. Decisões fundamentais, como se o texto fará referência à ciência do IPCC (o painel do clima da ONU) e se os países desenvolvidos terão ou não metas compulsórias de redução a cumprir ainda não haviam sido tomadas, e o texto corria o risco de ficar diluído.
"Estamos muito preocupados", disse Marcelo Furtado, da ONG Greenpeace. "O gato subiu no telhado."
O tom de urgência que deveria ter inspirado diplomatas de 191 países a lançar as negociações para a substituição do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012, cedeu lugar a um racha geral, com EUA e Rússia se opondo a metas de redução de emissões. Como tudo nas Nações Unidas se resolve por consenso, dois países podem bloquear a vontade dos outros 189.
O impasse foi tão grande, e a ameaça de fracasso tão real, que o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, interrompeu uma visita ao Timor Leste para vir à Indonésia na manhã de sábado (noite de sexta no Brasil) tentar salvar de um desvio de rota o "mapa do caminho", o documento-síntese da conferência de Bali.
Espera-se que Ban telefone ao presidente americano, George W. Bush, para pedir-lhe que instrua seus negociadores a parar de atrapalhar.
Ontem as discussões se davam em torno do preâmbulo, ou seja, o texto inicial, do chamado Diálogo para a Implementação da Convenção. Esse documento é uma espécie de lei complementar que define a forma como serão cumpridos os princípios estabelecidos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC. O texto do preâmbulo reconheceria, com base nas evidências científicas apresentadas pelo IPCC, a necessidade de reduzir as emissões globais em 50% até 2050, com um objetivo para os países industrializados de corte de 25% a 40% até 2020.

Bloqueio americano
Os EUA passaram os últimos dias tentando tirar as metas do texto. Na madrugada de sexta-feira, apresentaram uma proposta que falava em "metas nacionais voluntárias", o que para bom entendedor equivale a abandonar a necessidade de um tratado internacional para proteger o clima -já que, nesse caso, cada país faria o que quisesse e quando quisesse para reduzir suas emissões.
O texto foi rejeitado, e os ministros reunidos em Bali passaram o resto do dia tentando acomodar os interesses dos EUA e as necessidades do planeta, a fim de produzir um "mapa do caminho" coerente.
"Ninguém quer ser o país que causou o fracasso deste processo", disse ontem o secretário-executivo da UNFCCC, o holandês Yvo de Boer. Para ele, um fracasso em Bali era possível, mas não aconteceria.
Se acontecer, a humanidade estará em maus lençóis. A falha em produzir e fazer cumprir um objetivo global de corte de emissões pode permitir que a concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera ultrapasse as 450 partes por milhão, fazendo com que a temperatura suba mais de 2C em relação à era pré-industrial. Isso caracterizaria a chamada interferência perigosa da humanidade no clima, com conseqüências desastrosas para boa parte da humanidade -principalmente os países-ilhas, que literalmente se afogariam devido à elevação global do oceano.
A delegação americana, no entanto, parece se importar mais com a competitividade dos setores de petróleo e carvão mineral de seu país do que com o futuro da proteção do clima. Ontem foi seguida pelo Canadá, outra nação petroleira e renitente a Kyoto (apesar de ter ratificado o protocolo).

Coquetel canadense
Os canadenses -cujo principal negociador abandonou ontem a reunião ministerial para ir a um coquetel, levando por isso o troféu "Fóssil do Dia"-, num movimento denunciado por ONGs como combinado com os EUA, resolveram ontem dizer que só aceitariam ampliar suas metas se os países em desenvolvimento também adotassem compromissos.
"Houve pressões e mesmo ameaças a países em desenvolvimento para adotarem metas, o que nós achamos injusto", afirmou um delegado paquistanês em nome do G77, bloco dos países em desenvolvimento.
A decisão final seria tomada por uma plenária na manhã de hoje em Bali.

FSP, 15/12/2007, Ciência, p. A26

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