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A Conferência de Montreal

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
15 de Nov de 2005

A Conferência de Montreal

José Goldemberg

No começo de dezembro se reunirão na cidade de Montreal, no Canadá, representantes dos mais de 180 países signatários da Convenção do Clima assinada no Rio de Janeiro em 1992. Esta é a 11ª Conferência das Partes, em que os delegados tentam, em negociações diplomáticas, definir o que fazer para evitar as mudanças de clima que a ação do homem está causando.
Em relação a grandes conferências como essa existem posições supostamente "realistas", que acreditam que os grandes problemas não se resolvem em negociações, mas no campo de batalha. Stalin expressou esse sentimento com sua brutalidade usual, ao perguntar, durante a 2ª Guerra Mundial: "Quantas divisões tem o papa?" Já os "idealistas" acreditam que grandes conferências como a de Versalhes em 1919, após a 1ª Guerra Mundial, ou a de Yalta, em 1944, é que decidiram os rumos da História no século 20, e não propriamente o que ocorreu nos campos de batalha.
Por essa razão é difícil prever o que vai acontecer em Montreal: por um lado, estão ocorrendo no mundo todo batalhas localizadas entre os que defendem ações mais enérgicas para evitar mudanças climáticas; por outro, os negociadores nas grandes conferências não representam, necessariamente, de maneira fiel o resultado dessas batalhas, mas interesses particulares ou até de governos pouco esclarecidos sobre a verdadeira natureza do problema.
O que ocorreu nos EUA nos últimos dez anos dá um bom exemplo dessas distorções. Em 1997, quando Clinton era presidente, foi assinado o Protocolo de Kyoto, que deu "dentes" à Convenção do Clima, adotando metas de redução dos gases que provocam o efeito estufa (e, conseqüentemente, as mudanças climáticas) e um calendário para que elas fossem cumpridas (redução de 5,2% abaixo das emissões de 1990 até 2012). Já seu sucessor, o presidente Bush, se opõe frontalmente a cumprir os compromissos assumidos por Clinton. Por outro lado, o primeiro-ministro Blair, da Inglaterra, aliado de Bush na Guerra do Iraque, lidera uma grande campanha para ampliar e dinamizar o Protocolo de Kyoto, cuja implementação já começou a mostrar sinais de uma burocratização excessiva que está afastando o setor privado. Este é o caso do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que necessita urgentemente de reformulação.
No que pode consistir esta ampliação? Ela pode:
Estender os compromissos criados pelo Protocolo de Kyoto além de 2012;
incluir os grandes países em desenvolvimento entre aqueles que aceitam voluntariamente limitar as suas emissões, uma vez que o protocolo não estabeleceu, para eles, nenhum compromisso;
estabelecer reduções ainda maiores que as estabelecidas em 1997 e que foram apenas um primeiro passo, mas não suficiente, para afastar o perigo das mudanças climáticas.
Esta é uma agenda ambiciosa para a Conferência de Montreal, que dificilmente será cumprida, a julgar pelos resultados das dez conferências que a precederam. Contudo, tal conferência não esgota as possibilidades de ação nem reflete com precisão o que está acontecendo em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A União Européia já adotou o seu próprio Protocolo de Kyoto, que está em plena implementação, com mecanismos fortes, como o de atribuir alto valor a cada tonelada emitida de carbono, tão alto que encoraja os industriais a melhorar as tecnologias em uso para reduzi-las. Mesmo Estados importantes dos EUA, como o da Califórnia, estão seguindo esse caminho.
Além disso, mesmo sem nenhum acordo internacional, várias tecnologias de energias renováveis estão evoluindo rapidamente e gerando bons produtos. É o caso do álcool da cana-de-açúcar, que substitui com eficiência e preços competitivos a gasolina, combustível de origem fóssil. Por ser renovável, esse álcool praticamente não redunda em emissões líquidas de carbono para a atmosfera, ao contrário da gasolina. Automóveis elétricos ou híbridos, que consomem menos combustíveis fósseis, constituem outra opção em andamento. O aumento da eficiência no uso do carvão para gerar eletricidade, em vários países, mas especialmente na China e na Índia, está também ocorrendo.
Talvez mais importante que todas estas ações, contudo, é o fato de que alguns países, como a Suíça, já introduziram uma taxa adicional sobre cada tonelada de carbono emitida. O Japão e a Holanda estão considerando essa opção, no preço da eletricidade vendida. A recente proposta do presidente Lula na ONU de cobrar US$ 2 de cada passageiro nos vôos internacionais segue no mesmo sentido.
Quando se trata, porém, dos países em desenvolvimento, tem algum sentido argumentar que reduzir as emissões poderia prejudicar seu crescimento econômico. Há, porém, formas de contornar esse problema, tais como:
Promover o crescimento econômico com novas tecnologias que poluem menos (como está sendo feito no Estado de São Paulo);
utilizar mecanismos privilegiados de financiamento nacionais e internacionais para projetos que compensem medidas setoriais tomadas pelos países em desenvolvimento para reduzir suas emissões (como, por exemplo, os que impliquem reduções de desmatamento), a adoção de transporte coletivo, como metrô, que reduza o uso do automóvel ou a recuperação da cobertura florestal pelo reflorestamento.
A redução do desmatamento, como se sabe, é uma forma eficaz de reduzir as emissões e um esforço nesse sentido, na Amazônia, poderia facilitar a captação de empréstimos que levassem ao desenvolvimento sustentável daquela região.
Em suma, não é só em conferências internacionais que se traça o destino das nações, mas em muitas outras atividades e batalhas. Conferências como a de Montreal podem ajudar, mas não são o único instrumento para fazer avançar a luta por um desenvolvimento sustentável.
O que nos parece inapropriado, porém, é concentrar esforços, como querem alguns países ricos, para nos adaptarmos às mudanças climáticas, quando ainda é possível evitá-las.

José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

OESP, 15/11/2005, Espaço Aberto, p. A2

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