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Concessionárias de energia vão localizar famílias carentes para Brasil sem Miséria

OESP, Nacional, p. A4
26 de Jun de 2011

Concessionárias de energia vão localizar famílias carentes para Brasil sem Miséria
Primeira parceria do governo, já acertada, será com Eletropaulo, mas ideia é expandir ação para todas as regiões do País com grande concentração habitacional; para empresas, cadastro é fundamental para identificar beneficiários de tarifa social

Roldão Arruda

A maior dificuldade dos programas de transferência de renda no Brasil tem sido localizar as famílias mais carentes e mais afastadas de serviços públicos. Para viabilizar as ações do Brasil sem Miséria, programa de erradicação da pobreza extrema lançado pela presidente Dilma Rousseff no início do mês, o governo recorrerá a meios pouco convencionais: acionará concessionárias de energia elétrica para ajudar no cadastramento.
Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, funcionários da AES Eletropaulo já estão sendo treinados para entrar em campo e ajudar na busca dessas famílias. A operação será iniciada em agosto.
Representantes dos Ministérios de Desenvolvimento Social e de Minas e Energia, da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica e da agência reguladora do setor, a Aneel, já começaram a discutir a extensão desse mesmo tipo de parceria para outras regiões do País, especialmente aquelas com grande concentração populacional.
O interesse é mútuo. Se, de um lado, o governo federal quer vencer as barreiras que o impedem de chegar aos miseráveis, de outro as concessionárias querem acesso ao cadastro das famílias para cumprir as determinações da Lei 12.212, que dispõe sobre a chamada tarifa social de energia elétrica.
A tarifa social era determinada conforme a escala de consumo da família: quanto menos energia se consumisse, maior o desconto na conta. Pela lei aprovada em janeiro do ano passado, porém, o desconto deve ser dado a famílias de baixa renda, com até meio salário mínimo per capita, independentemente do nível de consumo. Elas podem ter descontos de até 65% na conta.
Segundo estimativas do Ministério do Desenvolvimento Social, existe pelo menos 1 milhão de famílias cujos integrantes se encontram no patamar de maior exposição a riscos sociais decorrentes da miséria e que ainda não foram cadastradas por serviços de assistência social.
Circulação. Segundo a diretora do sistema de cadastro único para programas sociais do governo federal, Letícia Bartholo, a ideia de contar com a Eletropaulo surgiu da constatação de que os funcionários da concessionária, especialmente aqueles que trabalham com a leitura dos indicadores de consumo, circulam por áreas de pobreza nem sempre alcançadas por serviços de assistência social.
"O que a Eletropaulo fará é uma espécie de prestação de serviço para o município, que continua responsável pela manutenção do cadastro dos programas de transferência renda", explica ela. "Os funcionários serão treinados pelo ministério, com apoio da Caixa, da prefeitura e do governo do Estado."
Para a União, a ação da Eletropaulo pode ajudar a resolver um antigo atrito com a Prefeitura de São Paulo. Embora não se comente o assunto explicitamente, nos bastidores os técnicos do Desenvolvimento Social reclamam da precariedade e dificuldades na atualização do cadastro paulistano. A capital tem uma das mais baixas coberturas do Bolsa Família, o principal programa social do governo federal: apenas 41% do total de paulistanos que por seu perfil de renda se enquadram nos critérios do programa recebem o benefício.
Pressão. Os cadastros das empresas concessionárias de energia elétrica estão desatualizados e o governo faz pressão para que a tarifa social seja estendida a todos os que podem ser beneficiados. De acordo com um levantamento da Eletropaulo, 58 mil famílias com direito à tarifa social estariam identificadas até agora na região que atende, englobando a cidade de São Paulo e mais 23 municípios ao redor. Mas a estimativa é de que 250 mil famílias poderiam ser beneficiadas.
"Nós temos pressa no trabalho de atualização desse cadastro. O potencial de famílias que podem se beneficiar é muito maior do que o registrado atualmente", explica o diretor comercial da concessionária paulista, Roberto Di Nardo. "Como as prefeituras enfrentam dificuldades para realizar a atualização em curto prazo, nós procuramos os técnicos do Ministério do Desenvolvimento Social e encontramos muita receptividade."
Segundo Di Nardo, os técnicos do ministério "viram que poderiam pegar carona com a empresa para chegar a lugares que normalmente não alcançam". Além de seus funcionários, a Eletropaulo vai contratar duas empresas para o serviço de atualização do cadastro social. Os seus postos de atendimento funcionarão até nos fins de semana e o pagamento será feito por família cadastrada.

Quatro mulheres e R$ 102 por mês
Sudoeste concentra maiores índices de pobreza

José Maria Tomazela

Os R$ 102 que a estudante Vanessa Rodrigues da Costa, de 11 anos, recebe por mês do Programa Bolsa Família são a única renda da casa em que ela mora com a mãe Rosa Maria, de 35, e as tias Maria Benedita, de 49, e Maria Sueli, de 53, no bairro Alegre de Cima, zona rural de Guapiara, a 263 km da capital paulista.
As três mulheres são lavradoras, mas, doentes, estão impedidas de trabalhar. E já nem se constrangem de serem sustentadas por uma criança. Como o dinheiro é insuficiente, os vizinhos ajudam com doações para evitar que a família passe fome. Na última quarta-feira, elas comeram apenas arroz com feijão no almoço e pinhão cozido no jantar.
As quatro mulheres estão na região com os maiores índices de pobreza de São Paulo, o Estado mais rico da federação. De acordo com o IBGE, 8,5% dos 17.988 moradores de Guapiara vivem abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com renda per capita inferior a R$ 70 por mês. A situação é ainda mais dramática nas vizinhas Itaoca, com 13,7% de miseráveis, Itapirapuã Paulista, com 11,9%, e Barra do Chapéu, com 10,4%, todas no sudoeste do Estado.
A lista é completada pelo município de Iporanga, no Vale do Ribeira, que tem 10,2% da população rural em miséria extrema. O prefeito de Guapiara, Flávio de Lima (PSDB), contesta os dados. "É a herança maldita de um passado em que a região era conhecida como ramal da fome, mas essa miséria aqui não existe mais."
Na casa de Vanessa, arroz e feijão são cozidos em fogo de lenha. Tem fogão a gás, mas o botijão está vazio há meses. Tem energia elétrica, mas a geladeira não funciona. Nas raras vezes em que matam uma galinha, são obrigadas a preparar e comer no mesmo dia. "Sem geladeira não tem onde guardar", diz Maria Sueli.
Elas perderam os pais cedo e ganhavam o sustento na roça, mas o corpo não resistiu ao serviço árduo. "Para amarrar tomate e quebrar milho, tinha de abaixar muito e hoje estou imprestável", diz, conformada, Maria Benedita. A mãe de Vanessa, abandonada pelo pai da menina assim que ela nasceu, passou a ter desmaios no campo. "Ninguém mais dá trabalho para ela", conta a irmã. A esperança da casa passou a ser a garota: ela sai às 5h30 para a escola no ônibus da prefeitura, volta às 13 horas e ajuda no trabalho doméstico. Além de lavar roupa, cuidar da pequena horta e tratar as galinhas, precisa estudar - Vanessa quer ser médica para cuidar da mãe.
O prefeito de Guapiara diz que a região sofre com o descaso do governo. "As rodovias de acesso estão intransitáveis, dificulta o escoamento da produção." Ele garante que os moradores dos 56 bairros rurais têm acesso a escolas com merenda escolar e aos serviços de saúde. "São 15 escolas novas e, onde não tem, a prefeitura dá condução."
Lima fala do esforço para melhorar a renda com programas como a produção de alimentos para a merenda escolar, produção de leite - "compramos um caminhão-tanque e resfriadores" - e artesanato.
A Cooperativa dos Artesãos de Guapiara tem mais de 100 mulheres lavradoras, como Iracema Galdino Cravo, de 54 anos. Além de plantar mandioca, milho, feijão e ervilha para o sustento da família, Iracema ganha cerca de R$ 250 por mês com a venda de artesanato. No pequeno sítio, no bairro Capela do Alto, vive com o marido, cinco filhos e um neto. "Comida não falta", diz.
A coordenadora do programa e responsável pela assistência social no município, Rita de Cássia Lima, não aceita a constatação do IBGE. "Não se pode medir a qualidade de vida apenas pela renda. Muita gente trabalha para si, produz o necessário para comer e para atender necessidades básicas. Quem passa fome aqui?"

Eletropaulo entra em cena após desgaste público

Roldão Arruda

A entrada em cena da AES Eletropaulo para ajudar na ampliação do cadastro dos programas de transferência de renda do governo federal ocorre num momento de desgaste da imagem da empresa. As constantes quedas de energia, especialmente na capital paulista, têm provocado insatisfação e reclamações dos consumidores e já resultaram em atritos com o Procon.
No início do mês, quando um vendaval atingiu a cidade, algumas regiões ficaram cerca de 30 horas sem fornecimento de energia. A empresa chegou a receber 1 milhão de ligações de clientes e quase 100 mil mensagens de SMS. As operações no sistema de transporte coletivo e até no abastecimento de água foram interrompidas em vários pontos, o que irritou o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Ele mobilizou a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), para que solicitasse à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a ampliação na fiscalização dos serviços da concessionária.

OESP, 26/06/2011, Nacional, p. A4

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110626/not_imp737003,0.php
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http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110626/not_imp737002,0.php

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