ISA
Autor: Melissa Oliveira
28 de Mar de 2008
Durante três dias, alunos, professores, pais, mães, lideranças, velhos conhecedores e convidados participaram de diversos eventos na maloca de Pirõ Sekarõ para festejar a formatura da primeira turma da escola.
Cerca de 150 pessoas acompanharam, entre 21 e 23 de março, os festejos que marcaram a formatura da primeira turma de ensino fundamental da Escola Tukano Yupuri, na maloca de Pirõ Sekarõ (que em português significa Cavado de Cobra), localizada no Médio Rio Tiquié, na TI Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM). Eram 21 formandos - 15 meninos e 6 meninas - das etnias Tukano, Desana, Tuyuka, Siriano e Yuhupde, oriundos de dez comunidades do Médio Tiquié e do Igarapé Castanha. Os três dias de evento foram marcados pela realização de diversas atividades solenes e comemorativas que revelam o jeito peculiar do ensino e da aprendizagem da escola.
Na abertura da festa, os formandos saudaram os convidados com cantos de boas vindas na língua tukano, dança de cariço, e cantos de hãdeku (canto das mulheres). Os alunos de 1o e 2o ciclo (da 1ª a 4ª série) da Escola Uremiri, comunidade Buhkurã Batha, que faz parte da Escola Tukano Yupuri, realizaram a brincadeira tradicional da cutia, a dança do mawako e ñasa bahsa (dança do maracá). A família siriano da comunidade Bohtariya pito, apresentou a dança do japurutu.
Entre os convidados estavam representantes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e de associações indígenas locais como a Aeit¡ - Associação Escola Indígena Utapinopona Tuyuka; Atriart- Associação das Tribos Indígenas do Alto Tiquié; Aeytipp- Associação Escola Indígena Tukano Yepapirõporã; Acirc- Associação das Comunidades Indígenas do Rio Castanha; Acimet- Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Tiquié; e 3TIC- Três Tribos Indígenas do Igarapé Cucura. Também estiveram representantes do Instituto Socioambiental (ISA), do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Rio Negro, a secretária de educação do município, Edilúcia de Freitas, a jornalista da prefeitura, Angélica Florentino e o vereador indígena Tukano Ernani Vaz de Abreu. À noite, os desana do Rio Castanha dançaram o Kapiwaia- dança dos velhos, Yuku bahsa e Yuyu bahsa. As atividades se encerraram com dança de cariço e dramatizações dos formandos.
Danças, histórias e presentes
Na manhã do dia 22, a abertura foi feita por alunos e professores de 1o, 2o e 3o ciclo da Escola Ñahuri, comunidade Mhawi Tuhkuro, que dançaram o mawako e ofertaram alimentos e bancos tukano aos convidados.
Na parte da tarde, o coordenador da Escola Tukano Yupuri, Hausirõ - Vicente Villas Boas Azevedo, contou a história, os desafios e as conquistas da Associação Escola Indígena Tukano Yupuri (AEITY), que esteve à frente dessa experiência escolar específica desde o ano 2000. Ele enfatizou a importância da participação das comunidades nesse processo e destacou a educação e o manejo como eixos de fortalecimento e melhoria da vida nas comunidades.
Como resultados positivos ele citou, entre outros, a instituição de uma escola de Ensino Fundamental completa com sede, seis salas de extensão (pequenas escolas em outras comunidades), a aprovação do Projeto Político-Pedagógico (PPP), a formação de um quadro de gestão de professores e de qualidade, a produção de material didático na língua tukano, o processo de formação e atuação dos Agentes Indígenas de Manejo do Médio Tiquié e a construção do Plano de Manejo do Médio Tiquié, em andamento. Apontou como desafio a implantação do Ensino Médio Indígena na região, que está em discussão e deve ter início ainda este ano.
A secretária de educação do município, Ediluce Freitas, falou sobre a atuação de sua secretaria na multiplicação e consolidação da proposta de educação escolar indígena especifica nas escolas da Rede Municipal de Ensino em São Gabriel da Cachoeira. Entre as ações, ela destacou o Magistério Indígena II, realizado com a secretaria estadual de Educação, os encontros pedagógicos por calha de rio, a formação dos Assessores Pedagógicos Indígenas para atuação por micro-regiões e a recente reformulação do Plano de Ações Articuladas do município. Todas elas, desenvolvidas em estreita parceria com a Foirn e associações locais filiadas, com o ISA, com a Saúde Sem Limites (SSL) e o Instituto de Políticas Lingüísticas (Ipol).
Já a equipe do Dsei (enfermeiros, dentistas, técnicos de enfermagem e Agentes Indígenas de Saúde) abordou a possibilidade de buscar formas de desenvolver projetos que aproximem educação e saúde na escola.
Pesquisas e resultados
No final da tarde, os formandos apresentaram seus trabalhos de conclusão de curso. Desde o 3o ciclo (5ª e 6ª série) a metodologia de ensino da Escola Tukano Yupuri, assim como de outras escolas indígenas da região, é o ensino-aprendizado com pesquisa. Os trabalhos de conclusão de curso são os resultados de pesquisas individuais que os alunos realizam a partir do 4o ciclo (7ª e 8ª série) sobre tema de sua escolha. As pesquisas versaram sobre assuntos relacionados diretamente aos conhecimentos tradicionais. Os velhos conhecedores das comunidades foram a principal fonte para a realização dos trabalhos que abordam:
:: benzimentos de nomeação e para proteção ao longo da vida;
:: benzimento de íngua;
:: benzimento de tumor da mama e história de origem da jararaca;
:: história sobre Gente do Aparecimento (surgimento da humanidade);
:: Hãdeku (cantos das mulheres);
:: medicina tradicional- remédio do mato e do entorno da casa;
:: pinturas faciais e corporais;
:: história da Primeira Menstruação da filha do Jurupari;
:: benzimento para tirar a tristeza do luto;
:: a origem da dança do Kapiwaia;
:: origem e forma de realizar o Dabucuri.
Após os relatos dos alunos, Villas Boas Azevedo lembrou que o conhecimento dos velhos andava ultimamente oculto no espaço, devido a história de contato, e agora vem sendo valorizado, vivenciado e registrado. O professor Uremiri Ramiro Paz Pimentel, que orientou a turma durante dois anos, mediou as apresentações e enfatizou a coragem dos formandos que enfrentaram muitas dificuldades por serem alunos da primeira turma da escola, própria e autônoma, e que mesmo garantida pela legislação resultou de muita luta das comunidades. À noite, houve dança de cariço e concurso dos melhores cantores de hãdeku.
Culto ecumênico e danças tradicionais
No dia 23, a secretária de Educação, Edilúcia Freitas, também missionária católica, conduziu uma missa à qual se seguiu uma cerimônia de benzimento para proteção dos formandos. Os presentes foram benzidos pelo kumu (benzedor) Ñahuri Miguel Azevedo, liderança tradicional de Pirõ Sekarõ.
Depois desse ritual, os formandos, acompanhados dos pais, receberam os certificados de conclusão. O vereador Ernani parabenizou os seus parentes pela experiência da educação escolar indígena diferenciada, ressaltando a diferença entre a educação que tiveram na Missão Católica Salesiana centrada no conhecimento ocidental, e a educação que trata sobre as coisas importantes para a vida dos Tukano e que aproxima os filhos dos seus pais e dos mais velhos.
Para encerrar os festejos, um almoço especial foi oferecido a todos os presentes, com pratos da culinária tradicional. À tarde, os tukano dos clãs Hausirõ Porã, Nãhuri Porã e Uremiri dançaram o Kapiwaia, Ihki bahsa (dança do inajá). Os participantes também dançaram o cariço e os cantores Anísio e Danilson, de São Gabriel da Cachoeira, animaram o encerramento com forró, em homenagem aos formandos.
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