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Comunidade é símbolo de fé, luta e resistência

Diário do Nordeste
Autor: MELQUÍADES JÚNIOR
05 de Ago de 2007

Comunidade é símbolo de fé, luta e resistência

Iracema. O mito da ausência negra no Ceará "embranqueceu" até o autoconhecimento de quem não quer "ser" negro, só "moreno". Mas sendo local de refúgio de escravos baianos e fluminenses, o Ceará não tem somente negros, mas também ancestrais diretos de escravos fugidos e organizados em quilombos defendendo a negritude. No Vale do Jaguaribe, existe, e resiste, a comunidade quilombola de Bastiões, no município de Iracema. Alvo de estudo antropológico, pelo menos 94 famílias vivem da agricultura, mas já têm o reconhecimento nacional da Fundação Palmares, internacional pelo Banco Mundial, e recebem assistência social dentro das políticas nacionais para quilombolas.

A história "oficial" da origem da comunidade de Bastiões não está necessariamente escrita, mas falada, transmitida pela oralidade de seus descendentes: duas negras escravas, Maria Feliciana e Bribiana, fugidas da exploração que sofriam na Bahia, migraram para o Ceará, mais precisamente para a cidade de Iracema, ou melhor, o alto da serra fria e com mais de oito quilômetros de ladeiras bastante íngremes, a 20km da sede municipal.

Uma das negras teria casado com um "mais clarinho", e a outra, provavelmente Bribiana, com um homem tão negro quanto ela. Tem início uma árvore genealógica mestiça, dado as novas imigrações, que vai dar origem, na comunidade local, às famílias Assis, Rafael, Jacó, Santana, Felício e Sá.

"Isso faz mais de 200 anos", conta a professora Maria Liduína, que há mais de 30 anos convive com a comunidade, desde as atividades religiosas na capela do lugar, que ainda hoje representa a devoção comunitária a Nossa Senhora do Carmo, santa cuja imagem teria sido ofertada por frades pernambucanos como gratidão às negras pela concessão de cavalos para que continuassem a viagem catequisadora interpolada pela comunidade.

O termo Bastiões vem de Sebastião, ou dos muitos "Sebastiões" que carregaram este sobrenome. Na história mais recente, um quilombola que entrou mais facilmente para a historiografia local foi seu Raimundo Assis, que defendeu "o quanto pôde" as terras herdadas pela ancestralidade iniciada com Feliciana e Bribiana. "Ele dizia que nunca sairia daquele local, que aquelas terras eram de seus ancestrais, da comunidade negra", explica a professora Liduína, antes de falar da migração, mais recente, de famílias brancas para o local, atrativo pelo clima ameno e tranqüilo (a altitude possibilita uma temperatura média abaixo de 20 graus celsius).

Mas "Assis" não permitia a fixação permanente dos brancos, o que só aconteceu após sua morte e a conseqüente venda de terras por sua nora, por volta de 1974. Por falta de investimentos governamentais, a comunidade de Bastiões passou por períodos de muita fome e miséria, daí a migração de muitos negros para a sede do município, para a capital cearense ou até mesmo outros estados. Atualmente, são 94 famílias negras e aproximadamente 200 famílias brancas, realidade que revela o impasse junto ao Incra quanto à demarcação de o que é "terra dos negros" e terra dos "não-negros".

Associação

A Associação Assis Crispó, da Comunidade Negra, não tem sede. Com a proibição do padre de reunirem-se na capela local, os associados encontram-se debaixo de uma árvore para debater sobre as necessidades da comunidade. "Mas aqui é um lugar muito bom de se viver. Somos daqui e daqui não pretendemos sair nunca", diz Luzineide Magalhães, que fala com orgulho que "sou negra, sim". Ela mora com o marido e filhos no alto da serra, na entrada da comunidade, e vive da plantação de milho e feijão.

A comunidade quilombola de Bastiões recebe todos os anos, durante os meses de seca, 186 cestas básicas da Companhia Nacional de Abastecimento, por meio do programa Fome Zero. Também o Bird, Banco Mundial, auxiliou nos investimentos alimentícios e de capacitação da comunidade.

MELQUÍADES JÚNIOR
Repórter

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