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Compromisso contra o desmatamento

JB, Outras Opiniões, p. A11
Autor: MINC, Carlos
31 de Mai de 2005

Compromisso contra o desmatamento

Carlos Minc
Deputado estadual (PT-RJ )

A destruição das florestas afeta fortemente a disponibilidade de água; a supressão de matas protetoras de mananciais e de matas ciliares, que como os cílios dos olhos, protegem os corpos hídricos aceleram o assoreamento, diminuindo sua vazão. A destruição da vegetação expõe o solo a processos erosivos e diminui a fixação de umidade, afetando a evaporação, o regime de chuvas, o sistema hídrico e o próprio micro-clima. Foi o que aconteceu no Nordeste em quatro séculos e foi descrito por Josué de Castro em Geografia da fome. O autor mostra como o escravismo colonial, e posteriormente o coronelismo, geraram a seca e o êxodo, e sujeitaram a população à oligarquia. É o que acontece hoje em 14 municípios do Noroeste Fluminense, em torno de Itaocara, onde as queimadas, o desmatamento, agrotóxicos, o mau uso do solo e da água fazem o semi-árido avançar em areais e voçorocas, lagartixas, em processos de desertificação. A região perde agricultura pela deterioração do fundo de fertilidade do solo, perde população, renda e os custos de recuperação são maiores do que a prevenção.
O desmatamento aumentou na Amazônia e relançou um necessário debate nacional sobre o tema. Na verdade o desmatamento recuou consideravelmente em seis estados, como Amazonas, Tocantins e Acre, com reduções superiores a 20% e a 30% , e aumentou em dois, Rondônia e sobretudo no Mato Grosso - onde a área desmatada foi de 48% do total suprimido de toda a Amazônia neste último ano. A questão é identificar os agentes do desmatamento, a lógica de cada um, as medidas para reverter estes processos, sua eficiência e como a opinião pública deve interferir na defesa das florestas, da biodiversidade, das nações indígenas e do futuro do planeta Terra.
Quem desmata a Amazônia são os grandes pecuaristas, os grandes produtores de soja, os madeireiros. Este processo é identificado por satélite como o ''arco do desmatamento'' - traçando a progressão da fronteira agrícola que sobe pelo norte dos estados de Tocantins e do Mato Grosso, pelo sul e sudoeste do Pará, do Maranhão e do Amazonas. Os pequenos também desmatam, atraídos pela abertura de estradas e disponibilidade de terras, expulsos de suas regiões de origem pela concentração fundiária e pelo desemprego, mas em proporção e ritmo menores e induzidos pela demanda da expansão das fazendas. Os grandes grileiros usam os pequenos como ponta de lança de invasão de terras indígenas e de terras públicas e contam com o poder econômico, político e a coerção armada para se apropriarem de tudo e reiniciarem novos ciclos de expansão territorial. A grilagem avançou historicamente com a omissão e conivência de governos estaduais, cartórios e a corrupção em órgãos como o Incra. A significativa diminuição do desmatamento no Tocantins, Acre, Maranhão, Amazonas e no Pará foi obtida com o reforço da fiscalização, com helicópteros do Ibama e parceria com as Forças Armadas, criação de novos parques, áreas protegidas e reservas extrativistas. A queda de braço com madeireiros é pesada, como se viu na recente interdição de rodovias e hidrovias como protesto ao anúncio governamental de recadastramento de todas as propriedades em áreas públicas. O esforço para a homologação de terras indígenas se choca com interesses econômicos locais e com governadores, como a que se verificou na reserva Raposa - Serra do Sol. Estes movimentos são associados às pressões contra os cuidados ambientais exigidos pelo Ibama em relação às grandes obras e estradas, que devem apresentar as alternativas de menor impacto, preservar matas nativas, recursos hídricos e ecossistemas. Este princípio de precaução é por vezes desqualificado como inimigo do progresso, como se desenvolvimento e preservação não devessem caminhar juntos. A pouca presença do poder público favorece a pistolagem na possessão das áreas griladas, onde a vida de irmã Dorothy custou R$ 20 mil; supostos ideólogos nacionalistas bradam que se homologa muita terra para poucos índios. O avanço do desmatamento no Mato Grosso e em Rondônia tem lastro na forte expansão da área plantada com soja, apoiada pelo governador Blairo Maggi (PPS- MT), que de rei da soja se converteu em imperador do desmatamento. O peso que a soja tem nas exportações e nos saldos da balança comercial são inegáveis, mas o ritmo, a direção e os cuidados da expansão devem se compatibilizar com a proteção de rios e de ecossistemas, cujo potencial de biodiversidade é desconhecido, e neste ritmo talvez sequer teremos oportunidade de decifrá-lo. Há que intensificar a defesa da Amazônia, com expansão e apoio às reservas extrativistas, idealizadas por Chico Mendes e multiplicadas pela Ministra Marina Silva e pelo governador Jorge Viana (PT-AC); há que avançar com o zoneamento econômico-ecológico da Amazônia, priorizando atividades em áreas já desmatadas, fornecendo tecnologia não predatória aos agricultores, substituindo as queimadas que contribuem ao aquecimento global do planeta - na contramão das metas de Kioto que o Brasil defende; há que desenvolver uma rede harmônica de cidades, com agro-indústrias limpas, energia não poluente, eco-turismo e desenvolvimento de pesquisa e aplicações da nossa riqueza genética, combatendo a biopirataria internacional; há que garantir saúde, educação e habitação dignas ao povo amazônico, implantar a justiça, desmontar o contrabando, o tráfico e a grilagem com forte apoio dos governos estaduais e do exército. Devemos crescer sem criar desertos, excluir os pobres ou dizimar os índios. Este compromisso planetário depende da ação integrada dos governos e da consciência de toda a cidadania.

Carlos Minc é presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Alerj

JB, 31/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

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