VOLTAR

Como é determinada a área de uma terra indígena?

Galileu n. 209, dez. 2008, p. 40-41
31 de Dez de 2008

Como é determinada a área de uma terra indígena?

Rodolfo Ribeiro de Moura, por e-mail

Se você vem acompanhando a pendenga para decidir quem tem razão na disputa entre índios e arrozeiros na reserva Raposa Serra do Sol, já notou o quanto é complicada essa questão de terra indígena. E põe complicada nisso, principalmente quando o assunto é a delimitação da área que cabe aos nossos nativos. "O antropólogo não vai lá passear, dar uma olhada nos índios e determinar a área que eles devem habitar aleatoriamente, segundo seus critérios subjetivos", diz o antropólogo Rogério do Pateo, da ONG Instituto Socioambiental (ISA).
O processo é lento e trabalhoso. Para começar, o antropólogo deve ter na ponta da língua o texto de três leis que devem ser cumpridas à risca na demarcação de uma terra indígena. A primeira delas é o artigo 231 da Constituição de 1988, que se refere ao "direito originário da terra". É por conta desse direito, aliás, que o ISA e a Fundação Nacional do índio (Funai) chamam os territórios de terras indígenas, e não de reservas. Essa lei garante que a ocupação tradicional é anterior à existência do Estado. Portanto, a obrigação da nação não é dar terra aos índios, já que a terra é deles. Cabe ao País apenas reconhecer essa posse indígena, fazer sua delimitação e protegê-la.
Quando o respeito ao artigo já estava um tanto frouxo, duas leis de 1996 reendureceram o jogo. A primeira é o Decreto 1.775, no qual consta o processo detalhado de demarcação das terras indígenas. Para não deixar vago o primeiro item desse processo - que determina a elaboração de um relatório à Funai -, foi criada a portaria no 14. Nela estão delineados todos os itens que devem estar presentes no laudo.
(Colaborou: Thaís Sant'Ana)

Entre o todo e a Ilha

Responsável pela última polêmica sobre terras indígenas, a Raposa Serra do Sol foi delimitada pela primeira vez em 1919, mas só em 2005 foi homologada pelo presidente Lula. Isso não bastou para que as 50 famílias de agricultores e os oito grandes produtores de arroz desocupassem a região sem conflitos. Contra a demarcação, os arrozeiros conseguiram uma liminar que impede a Polícia Federal de retirar os não-índios da região.
Os brancos pedem uma demarcação em "ilhas", deixando espaços livres para os arrozais. Já os índios lutam pela demarcação contínua de toda a área. Na última sessão do Supremo Tribunal Federal, no dia 27 de agosto passado, a decisão ficou para novembro. Em 5 de novembro, o presidente do STF decidiu que o julgamento será retomado em dezembro.

A-HA, U-HU, O TERRITÓRIO E NOSSO
O passo-a-passo da demarcação de uma terra indígena

1 Estudos: um grupo técnico especializado e um antropólogo coordenador (nomeados pela Funai) realizam estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiária. Ao fim do estudo, o grupo apresenta o relatório à Funai.
O documento deve seguir todos os pontos da portaria no 14 (veja à direita). Nesse período, a área é considerada "em identificação"

2 Aprovação da Funai: o relatório tem o prazo de 15 dias para ser aprovado pelo presidente da Funai e publicado no "Diário Oficial". Quando aprovada, a terra indígena (TI) passa a ser identificada

3 Contestações: unia vez publicado, o relatório fica aberto por 90 dias para contestações. Ou seja, estados, municípios e outros órgãos podem denunciar erros no relatório. Após analisar as possíveis reclamações, a Funai tem um novo prazo para respondê-las e encaminhar o laudo ao ministro da Justiça

4 Declaração dos limites: quando chega às mãos do ministro, o relatório pode encontrar dois fins. O primeiro é a assinatura, que acontece quando o ministro está de acordo com todos os itens. Nesse caso, a terra indígena passa a ser considerada declarada, e sua demarcação física já pode ser feita. Caso o ministro não concorde, pode pedir novas elaborações

5 Demarcação física: a Funai vai até a TI e define os limites com marcos de concreto, enquanto o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se compromete a reassentar os não-índios que ocupavam a região

6 Homologação: com a assinatura do presidente da República, a TI passa a ser considerada homologada

7 Registro: o cartório responsável pela região deve ter o registro da TI demarcada e homologada até 30 dias após o fim do processo

O que determina a portaria No 14
O relatório é dividido em sete partes

Dados gerais: censo demográfico dos grupos indígenas, distribuição espacial da população etc.
Habitação: descrição das aldeias - localização, construção e permanência
Atividades produtivas: áreas utilizadas, economia desenvolvida pelo grupo, relações com outros grupos
Meio ambiente. áreas destinadas ao bem-estar econômico e cultural do grupo
Reprodução física e cultural: taxas de natalidade e mortalidade, áreas de rituais, cemitérios, lugares sagrados, sítios arqueológicos e áreas para a reprodução física e cultural do grupo
Levantamento fundiário: identificação de eventuais ocupantes não-índios
Conclusão e delimitação: proposta de limites da área demarcada -justificada levando em consideração cada um dos pontos anteriores

Galileu n. 209, dez. 2008, p. 40-41

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.