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Comissão Interamericana de Direitos Humanos realiza audiência inédita com lideranças indígenas

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
Autor: Cristiane Fontes
21 de Fev de 2003

Instância da Organização dos Estados Americanos receberá de representantes brasileiros, na terça-feira (25/02), documento detalhando as violações a direitos humanos na Terra Indígena (TI) Raposa/Serra do Sol (RR) e nas TIs dos Cinta Larga (MT e RO). Evento acontece durante a reunião especial do Grupo de Trabalho responsável pelo Projeto de Declaração Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas.

Lideranças indígenas estarão reunidas em Washington (DC), nos Estados Unidos, entre 24 e 28/02 para participar da reunião especial do Grupo de Trabalho (GT) instituído há mais de uma década pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para elaborar o Projeto de Declaração Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas.

Além da participação na reunião, a expectativa gira em torno de um outro evento, da audiência com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, pela primeira vez, se reúne exclusivamente com representantes de povos indígenas das Américas, no dia 25/02. A comissão é a instância da OEA responsável pelo recebimento e investigação de denúncias de violações praticadas por autoridades governamentais aos direitos humanos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que o Brasil, como um dos 35 países membros da OEA, ratificou em 1992.

O grupo dos representantes indígenas brasileiros conta com a presença de Paulo Pankararu, advogado do Warã Instituto Indígena Brasileiro; de Azelene Kaingang, presidente do Warã Instituto Indígena Brasileiro; de Sebastião Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Cuenca Amazônia (Coica); de Vilmar Guarani, da Coordenação Geral da Defesa dos Direitos Indígenas (CGDDI); e de Joênia Wapichana, advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Eles são alguns dos responsáveis pela elaboração do documento intitulado Povos Indígenas no Brasil: violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos na OEA, que relata os conflitos e casos de violência gerados por invasões à TI Raposa/Serra do Sol (RR) e pelos garimpos de diamante nas TIs dos Cinta Larga (MT e RO) e será entregue e apresentado por Joênia Wapichana durante a audiência.

Omissão e violência na TI Raposa/Serra do Sol (RR)

O relatório detalha os problemas causados pela omissão do governo federal em reconhecer oficialmente e homologar a TI Raposa/Serra do Sol, em consequência da forte pressão de uma classe política minoritária em Roraima, que conta com o apoio do governo estadual. Apesar dos interesses anti-indígenas, a advogada Joênia Wapichana declara que não há possibilidade jurídica de revisão ou reversão do processo demarcatório, que já foi devidamente concluído.

O documento narra também a negligência das autoridades locais em averiguar ilegalidades, ameaças, invasões ou crimes ambientais, assim como as situações de conflito entre militares e comunidades indígenas, que incluem desrespeito pelas tradições indígenas e lugares sagrados, abusos sexuais de soldados contra mulheres indígenas, lixões mantidos pelo Exército e as manobras e exercícios militares, que representam uma interferência externa prejudicial à organização social cotidiana das aldeias.

O que ocorre em Roraima não é novidade para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A instância da OEA já esteve no Estado e detalhou no Relatório Sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, aprovado em setembro de 1997, o que ocorre por lá: "A procrastinação e dificuldades no reconhecimento da integridade do povo Macuxi e da plena posse de suas terras, assim como a criação de municípios que se soprepõem às mesmas e que debilitam suas autoridades e estruturas tradicionais, detonam a incapacidade do Estado brasileiro para defender estes povos das invasões, abusos de terceiros e de combater as pressões políticas e de policiais estaduais para reduzir sua plena segurança e gozo de direito".

Entre as recomendações sugeridas à época pela instância da OEA estavam: complementar e homologar as terras dos Macuxi, com pleno respeito a suas propriedades e suas instituições e costumes ancestrais, e paralisar toda a decisão de municipalização que atinja Terras Indígenas, inclusive daquelas em processo de demarcação e homologação, de acordo com os preceitos constitucionais vigentes. Nenhuma delas foi acatada pelo governo brasileiro.

Os Cinta-Larga e os garimpos de diamante

Em relação aos Cinta-Larga, o documento dos povos indígenas destaca o saque e a espoliação econômica de recursos das Terras Indígenas, especialmente os garimpos de diamantes, que, envolvem assassinatos, tortura e semi-escravidão de índios e garimpeiros. Outros pontos importantes são a disseminação de alcoolismo e de prostituição entre as comunidades indígenas e o aumento da ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), desnutrição e mortalidade infantil. Esta grave situação coloca os Cinta-Larga como o único povo cuja população vem diminuído nos últimos anos, em contraposição ao aumento geral da população indígena no Brasil.

Segundo Paulo Pankararu, os índios esperam que, após a audiência, as autoridades brasileiras se dediquem a resolver as violações, tratando com mais seriedade e respeito os direitos dos povos indígenas. Com a riquíssima sociodiversidade brasileira, o advogado indígena defende que o país deveria dar exemplo para as Américas. "Estamos participando desta audiência para fazer com que isso aconteça."

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