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Comércio, meio ambiente e biodiversidade

OESP, Economia, p. B2
Autor: LIMA, Rodrigo C. A.
06 de Out de 2010

Comércio, meio ambiente e biodiversidade

Rodrigo C. A. Lima

A relação entre comércio e meio ambiente é conflituosa por natureza. É inquestionável a importância de proteger florestas, animais, água, cultura de povos indígenas e comunidades locais, além de outros recursos da biodiversidade. Em vários casos, a produção e o comércio de alimentos, energia, bens industriais, serviços e novas tecnologias podem ameaçar o meio ambiente, o que reflete a relação nem sempre pacífica.
A 10.ª Reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a COP10, e a 5.ª Reunião do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP5), que ocorrerão em outubro, no Japão, trarão calorosos debates sobre como fomentar a proteção da biodiversidade e, ao mesmo tempo, evitar sua perda, tendo como foco a discussão de um Protocolo de Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de seus Benefícios. No entanto, dois temas "menores" mostram o quão evidente é a relação entre comércio e meio ambiente - e o quanto é preciso negociar esses acordos com cautela para chegar a decisões sensatas.
O primeiro deles, no âmbito da CDB, trata de uma discussão sobre o impacto que a produção e o uso de biocombustíveis pode trazer à biodiversidade. O objetivo é criar salvaguardas que evitem impactos no uso e na conservação da diversidade biológica, considerando uma demanda crescente por energias renováveis. Mas o texto é repleto de parágrafos negativos sobre os efeitos dos biocombustíveis e busca consolidar conceitos como segurança energética, direitos de propriedade da terra e impactos diretos e indiretos da produção de biocombustíveis. O ponto que gostaria de levantar é a proposta de uma moratória contra o uso de leveduras e microrganismos geneticamente modificados para produzir energias renováveis. Parte-se do princípio de que essas tecnologias não são seguras o suficiente e podem trazer danos à biodiversidade, razão por que é importante agir com precaução.
A outra discussão ocorrerá no âmbito do Protocolo de Cartagena, que visa a regular o movimento de organismos vivos modificados (OVMs) - que tenham capacidade de transferir material genético - para evitar danos à biodiversidade. A ideia é exigir do desenvolvedor da tecnologia, do produtor, do exportador, do importador e de traders garantias financeiras ou seguros que permitam reparar eventuais danos à biodiversidade. A medida parece mais exigente que o necessário. Esses OVMs, alimentos (grãos), microrganismos (utilizados para produzir lácteos e bebidas) e sementes, só chegam ao mercado após longos processos de análise de risco, o que significa que não são produtos potencialmente causadores de danos. Apesar de não existir risco zero, é inimaginável pensar que uma empresa colocaria um produto no mercado se não tivesse segurança. Na prática, a proposta de garantias ou seguros traria aumento de custos dos alimentos, de energias renováveis e de uma infinidade de produtos, com o argumento de que isso é essencial para evitar danos à biodiversidade.
Não se trata de preterir o meio ambiente e privilegiar o comércio. É essencial, no entanto, ponderar até que ponto a proposta de garantias financeiras e da moratória à biotecnologia utilizada para produzir biocombustíveis é relevante para proteger a biodiversidade.
Enzimas, bactérias e microrganismos geneticamente modificados são largamente utilizados na produção de alimentos, remédios, vacinas, e serão muito úteis na consolidação do etanol celulósico, o que significará menos emissões de gases de efeito estufa, mais energia com menos área plantada e, naturalmente, benefícios ambientais.
Ambas as propostas não têm fundamentação científica e ultrapassam o objetivo de proteger a biodiversidade, motivo pelo qual não podem ser aceitas pelo Brasil. Defender a biodiversidade e buscar construir uma CDB mais forte é dever do País, mas permitir a adoção de decisões que visivelmente querem obstar o desenvolvimento de novas tecnologias e o comércio de produtos oriundos da biotecnologia, sem que isso seja realmente necessário, não é aceitável.

Advogado, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE)
e-mail: rlima@iconebrasil.org.br

OESP, 06/10/2010, Economia, p. B2

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