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Comércio criminoso

CB, Brasil, p. 14
04 de Out de 2008

Comércio criminoso
Relatório reservado do Ibama revela enorme devastação em 24 cidades de Goiás, Minas Gerais e Bahia para produção de carvão vegetal ilegal. O negócio movimenta cerca de R$ 60 milhões a cada mês

Leonel Rocha
Da equipe do Correio

Uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), realizada entre maio e julho, identificou o grande centro de produção ilegal de carvão vegetal no Brasil. O que resta dos biomas cerrado e caatinga está sendo derrubado em 24 municípios - 13 do centro-oeste da Bahia, outros nove do norte de Minas Gerais e três de Goiás. O Ibama identificou um grupo - formado por fazendeiros, comerciantes, caminhoneiros e até políticos da região - que derruba e depois queima, em centenas de fornos, florestas inteiras e até pequenas árvores. Relatório de fiscalização reservado obtido pelo Correio constatou que na zona rural dessas cidades são produzidos e vendidos ilegalmente cerca de 210 mil metros cúbicos de carvão a cada mês.
Para movimentar essa carga criminosa, os fiscais do Ibama constataram a circulação mensal de 3 mil caminhões na região. Cada um deles transporta, em média, 100 metros cúbicos de carvão por viagem. Para completar uma carga, os agricultores derrubam um hectare da vegetação natural e demoram apenas cinco dias para queimar a madeira em fornos e transformá-la em carvão. O valor de cada caminhão carregado é estimado em R$ 20 mil. O negócio do carvão ilegal fatura quase R$ 60 milhões mensais, de acordo com as projeções do instituto.
O cálculo foi feito em apenas três locais de passagem de caminhões entre Bahia e Minas: Urandi (BA) e Espinosa (MG), Juvenilha (BA) e Manga e Mantovânia (MG). O terceiro fica entre Cabeceiras, em Goiás, e Arinos, em Minas. Existem outras 17 rotas de carvão na região já identificadas pelo Ibama.
A operação denominada Trevo da Zizinha, em alusão ao ponto de encontro dos caminhoneiros à beira da estrada do município de Feira da Mata, no oeste baiano, foi realizada pela superintendência do Ibama de Brasília, responsável pela fiscalização da região. "Se a devastação continuar nesse ritmo, em menos de cinco anos não restará qualquer vestígio do cerrado ou da caatinga na região", previu o coordenador das equipes de fiscalização, José Ribamar de Lima Araújo. Importante fronteira agrícola desde a década de 1970, o cerrado brasileiro tem quase 193 milhões de hectares de área em 11 estados. Representa quase 23% de todo o território e abriga 22 milhões de moradores. A caatinga tem 736,8 mil km², 10% do território brasileiro, e é um dos cinco maiores biomas - junto com a Amazônia, o pantanal, a Mata Atlântica e o vizinho cerrado.
Sem prisões
Nenhum produtor, caminhoneiro ou intermediário do negócio ilegal foi preso na operação, porque os fiscais do Ibama não estavam acompanhados pela Polícia Federal ou por policiais militares.
Mas várias fazendas foram autuadas e parte das cargas apreendida. Os fiscais identificaram as cidades de Bom Jesus da Lapa e Guanambi, na Bahia, localizadas às margens do Rio São Francisco, como os dois mais importantes entroncamentos de negócios para a venda ilegal de carvão destinado às siderúrgicas de Minas Gerais e Espírito Santo.
Na Lapa, os fiscais do instituto identificaram a produtora rural Ana Célia como suposta controladora do esquema no centro-oeste baiano. Segundo o relatório da fiscalização do Ibama, há cerca de dois anos a comerciante chegou a ser convocada pela CPI da Biopirataria da Câmara dos Deputados para explicar por que mandou construir 3,8 mil fornos em suas terras. Xinha, a Rainha do Carvão, como a comerciante é conhecida, aparece com destaque no relatório da autarquia.
A devastação ilegal do cerrado e da caatinga foi descoberta pelos fiscais depois da apreensão de alguns caminhões carregados de carvão e sem autorização para transportar a carga nem a comprovação do Documento de Origem Florestal (DOF). Emitido exclusivamente pelo Ibama, esse documento só é fornecido com a comprovação de que a madeira cortada para fazer carvão ou destinada a outras utilidades tenha origem em área com manejo florestal e expressamente autorizado. Os fiscais suspeitam que parte do carvão vegetal transportado pela Bahia em direção a Minas Gerais também tem origem no cerrado do sul do Piauí.

Fuga da fiscalização

A quadrilha transporta o produto por estradas vicinais, onde não há balanças de pesagem das cargas e fiscalização estadual. Somente no posto fiscal próximo às cidades de Urandi e Pindaí, na divisa da Bahia com Minas Gerais, por exemplo, foram encontradas nos arquivos 316 notas fiscais emitidas para a compra ou venda de carvão em menos de 60 dias.
Durante os dois meses que durou a operação Trevo da Zizinha, passaram por esse posto 3 mil metros cúbicos de madeira que teoricamente pertenciam à P.J. Agropecuária Ltda. No mesmo período, a BG Reflorestamento Servam Ltda. Transportou pelo mesmo posto 2.850 metros cúbicos de carvão.
Depois de passar por Urandi e Pindaí, na Bahia, os caminhões carvoeiros chegam à cidade de Espinosa, em Minas Gerais, onde há um outro posto de pesagem, controlado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). Os fiscais do Ibama constataram que a autarquia estadual não consegue saber se a carga que está passando pelo posto é legal ou não. É que os funcionários do IEF não possuem senha de acesso ao sistema federal para saber se aquela carga é legal e se pode ser transportada.
No posto de fiscalização estadual de Cabeceira da Mata, em Goiás, a planilha de abril deste ano referente ao controle de tráfego de subprodutos florestais chamou a atenção dos fiscais. Por lá passaram 1.032 caminhões abarrotados de carvão no período. O negócio ilegal do carvão na região é tão aberto que em cidades pequenas e pobres como Baianópolis, por exemplo, existe uma frota registrada de 701 caminhões. Em Morpará são 537 e no minúsculo Riachão das Neves, 361. O relatório registra que no posto de pesagem da cidade mineira de Janaúba, por exemplo, ao longo dos 122 dias entre 2 de abril e 3 de julho deste ano, passaram 2.750 caminhões carregados de carvão vegetal. Um movimento, em média, de quase 30 carregamentos por dia.

Aroeiras derrubadas

O prefeito de Palma de Monte Alto (BA),Manoel Rubens Vicente da Cruz (PSDB),foi multado em R$ 58,6 mil pela fiscalização do Ibama por ter derrubado 293 metros cúbicos de aroeira sem autorização.
Segundo o auto de infração lavrado em 5 de maio,o prefeito é o responsável pelo desmatamento de 750 hectares de floresta - principalmente de aroeiras, árvore considerada em extinção. A multa também foi aplicada porque o prefeito construiu 62 fornos para a queima de madeira para a produção de carvão vegetal e não apresentou a autorização para essa atividade. O prefeito contestou a multa na Justiça Federal e aguarda decisão liminar para tentar vender a madeira e continuar a utilizar os fornos. Ele alega ter autoirzação para a derrubada.(LR)

CB, 04/10/2008, Brasil, p. 14

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