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Colisão na largada

O Globo, País, p. 3
07 de Jan de 2015

Colisão na largada
Patrus (Desenvolvimento Agrário) e Kátia Abreu (Agricultura) divergem sobre latifúndio e uso da terra

EVANDRO ÉBOLI E CAROLINA BRÍGIDO
opais@ bsb.oglobo.com.br

Os novos ministros Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário) e Kátia Abreu (Agricultura) protagonizaram a primeira divergência pública na Esplanada. Patrus defendeu a "função social da terra" e disse que "não basta derrubar as cercas do latifúndio". Na véspera, Kátia afirmara não haver mais latifúndio no país. O petista declarou ainda que o direito de propriedade não é algo inquestionável. -BRASÍLIA- Menos de uma semana após a posse do novo primeiro escalão do governo Dilma Rousseff, surgem as primeiras divergências na equipe: os ministros Patrus Ananias, do Desenvolvimento Agrário, e Kátia Abreu, da Agricultura, defenderam publicamente posições conflitantes sobre a questão agrária. Patrus destacou ontem, em seu discurso inaugural, o uso social da terra e condenou a existência de latifúndios. Na véspera, Kátia deixara claro que sua prioridade são os produtores rurais. Em entrevista, ela chegou a dizer que latifúndio não existe. Patrus foi à posse de Kátia, que não retribuiu o gesto.
Em seu discurso, o ministro citou cinco vezes a expressão função social da terra e mencionou a necessidade de ampliar a reforma agrária. E afirmou que o latifúndio persiste no país:
- O tema função social da terra desperta polêmica e enfrenta resistências. Ignorar ou negar a permanência da desigualdade e da injustiça é uma forma de perpetuá-las. Por isso, não basta derrubar as cercas do latifúndio. É preciso derrubar também as cercas que nos limitam a uma visão individualista e excludente do processo social - disse Patrus, aplaudido na sequência.
Essa declaração foi entendida como resposta ao que disse Kátia, em entrevista à "Folha de S. Paulo": "Latifúndio não existe mais. Mas isso não acaba com a reforma. Há projetos de colonização maravilhosos que podem ser implementados. Agora, usar discurso velho, antigo, irreal, para justificar reforma agrária? ", disse ela.
Na posse de Patrus, líderes de movimentos sociais levaram faixas de apoio. Vários eram do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que aprovou a indicação do mineiro para o cargo. Na cerimônia de Kátia, representantes do agronegócio marcaram presença.
DIREITO À PROPRIEDADE NO CENTRO DA POLÊMICA
Kátia foi uma porta-voz do setor produtivo. Ela definiu os produtores rurais como a mais importante peça da mais eficiente agropecuária tropical do planeta. Já Patrus defendeu a entrega de terras aos acampados e a atenção aos pobres que estão às margens de bens e direitos.
O ministro associou à Constituição o acesso à terra e afirmou que o direito de propriedade não é algo inquestionável:
- Não se trata de negar o direito de propriedade, uma conquista histórica e civilizatória. Trata-se de adequar o direito de propriedade a outros direitos fundamentais, o interesse público e o desenvolvimento sustentável. O direito de propriedade não pode ser, em nosso tempo, um direito incontrastável, inquestionável e que prevalece sobre todos os demais e sobre o projeto de realização das possibilidades nacionais.
O artigo 5 da Constituição, sobre os direitos fundamentais, prevê a "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". E define que o direito à propriedade deve ser respeitado e, em seguida, que "a propriedade atenderá sua função social". No capítulo que trata da reforma agrária, prevê a desapropriação de terras para esse fim, desde que o imóvel rural não esteja cumprindo sua função social, mediante pagamento de indenização.
Em entrevista, Patrus foi questionado sobre a declaração de Katia, de que não há latifúndios:
- É uma questão técnica. Prefiro trabalhar dizendo que temos no Brasil grandes propriedades, talvez a maioria até esteja sendo corretamente explorada pelo grande produtor, produzindo alimento, produto agropecuário que tem a ver com o agronegócio. Mas tem também as terras improdutivas e sobre as quais devemos estabelecer o princípio da função social da terra, para, nelas implementar corretamente, e de acordo com a lei, as famílias que não têm terra.
Ao assumir a Agricultura, Kátia citou sua relação afetiva com o setor produtivo:
- Quero declarar meu eterno amor a essa categoria que ajudou a formar meu caráter.

O Globo, 07/01/2015, País, p. 3

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