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Coletores discutem desafios e futuro em encontro geral da Rede de Sementes do Xingu

ISA - http://www.socioambiental.org
Autor: Christiane Peres e Fabíola Silva
27 de Ago de 2012

Indígenas, coletores urbanos, extrativistas do Pará e convidados participaram do IX Encontro Geral da Rede de Sementes do Xingu, em São Félix do Araguaia (MT) entre os dias 9 e 11 de agosto. Neste ano, o foco dos debates e apresentações estava voltado à autonomia da rede e às novidades na legislação - discussão do Código Florestal, adequação à nova Instrução Normativa sobre Sementes Florestais e isenção de cobrança do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em Mato Grosso para sementes nativas. Os mais de 80 participantes puderam também trocar experiências para melhorar o trabalho de coleta que é realizado, compartilhando conhecimento com os palestrantes convidados.

Em cinco anos, a Rede de Sementes do Xingu se consolidou na região e vem gerando emprego e renda para vários coletores dos municípios mato-grossenses. A perspectiva é que, em breve, também inclua em sua lista de "beneficiários", os extrativistas da Terra do Meio, no Pará, que pretendem entregar ainda este ano uma lista com as espécies que poderiam ser coletadas nas Reservas Extrativistas (Resex). "A Rede de Sementes é algo muito bom. Em nossa região há várias sementes que não têm aqui e eu gostaria que esse projeto acontecesse lá", diz José Silva, o Zezinho, morador da Resex Riozinho do Anfrísio (PA), que viajou mais de 24 horas para participar do encontro e conhecer a iniciativa realizada na parte mato-grossense da Bacia do Xingu.

Com mais de 300 coletores, a rede já comercializou 71 toneladas de sementes, gerando R$ 777 mil de renda para seus participantes e está presente em 21 municípios, 17 aldeias indígenas e 18 assentamentos do Estado de Mato Grosso.

Configuração jurídica

Na busca por mais autonomia, a Rede de Sementes do Xingu vem buscando alternativas jurídicas para alçar voos maiores. Para isso, elaborou um Plano de Negócios para avaliar sua viabilidade econômica. O estudo apontou que um aumento no preço das sementes comercializadas manteria sua competitividade no mercado e supriria os custos de manutenção. Além disso, mesmo com incremento no valor do insumo, o plantio direto de sementes continuaria mais vantajoso que o plantio de mudas.

Para que isso possa ser feito é necessário também pensar na configuração jurídica da rede, que hoje é gerida pelo ISA. A proposta do diagnóstico realizado é que se mescle uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) com um consórcio de EIS (microempreendedores individuais).

As atividades já como consórcio devem ser iniciadas em 2013, quando cada grupo terá um representante como microempreendedor individual. "A dinâmica de reuniões será similar a encontrada hoje para que todos os grupos sejam representados nas tomadas de decisões, mas organizados como uma produtora de sementes única e com representação institucional unificada", explica Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA.

Microcrédito

Desde 2010, a Rede de Sementes do Xingu conta com um Fundo Rotativo para auxiliar os coletores na melhoria do seu trabalho. Este ano, a gestão do fundo saiu das mãos do ISA para uma instituição especializada na concessão de microcrédito: a Organização Eco-Social do Araguaia (Oeca).

O assunto, já tratado em outras reuniões da rede, voltou à pauta neste encontro. A proposta é que o benefício seja utilizado para compra de equipamentos que vão melhorar e facilitar o trabalho de coleta de sementes. Carlos Garcia Paret, animador da Articulação Xingu Araguaia (AXA) pelo ISA, reforçou que o crédito é para estruturar a Rede de Sementes do Xingu, pois "as realidades dos núcleos coletores são muito diferentes".

Este ano, o fundo pretende aprovar 35 projetos, beneficiando 13 grupos coletores, num total de R$ 29,5 mil.

Legislação

As mudanças na lei também foram abordadas durante o encontro. Falas sobre as discussões em torno do novo Código Florestal estiveram na pauta. A matéria ainda está em discussão no Congresso Nacional que agora analisa a Medida Provisória (MP) 571/2012 editada pelo governo.

Se o texto for ratificado pelos plenários da Câmara e do Senado, permitirá novos desmatamentos, contrariando promessa de campanha da Presidente Dilma Rousseff e o discurso ruralista de que a reforma da lei pretenderia apenas regularizar desmates antigos.

Além desse tema, a adequação à nova Instrução Normativa de Sementes e Mudas Florestais e a isenção da cobrança do ICMS para sementes nativas em Mato Grosso também estiveram em debate. João Fratinni, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), falou sobre a instrução normativa que regulariza a produção de sementes."Um dos principais objetivos da IN é garantir a identidade e a qualidade das sementes. A identidade fornece as características da população que originou as sementes, enquanto o controle da qualidade irá garantir o mercado para a comercialização desse insumo", disse.

A legislação foi elaborada para controlar basicamente a comercialização das sementes de espécies cultivadas e melhoradas geneticamente, mas ao longo das consultas públicas realizadas pelo Mapa, espécies medicinais, nativas e ambientais foram incorporadas.

A adequação à nova IN tem gerado apreensão em alguns coletores da rede. A maioria deles mora em assentamentos ou aldeias indígenas, longe dos centros urbanos, dificultando alguns procedimentos estabelecidos na instrução, como a emissão de nota fiscal após a coleta. Apesar da necessidade de adequação à nova regra, Fratinni destacou que o Ministério entende essas dificuldades e lembrou que em dois anos a IN será revista para ser avaliada e readequada para melhor atender quem trabalha na área.

"Promovemos essas discussões para que os coletores possam tomar consciência e opinar sobre as legislações ligadas diretamente ao trabalho que realizam. Para que entendam a importância da regulação da profissão e como poderão lutar pelos seus direitos", destacou José Nicola Costa, biólogo do ISA e responsável pela Rede de Sementes do Xingu.

Troca de experiências

Teresinha Dias, da Embrapa Cernagen, foi uma das convidadas e falou sobre as experiências que a autarquia vem realizando no resgate de sementes perdidas. Segundo ela, esse trabalho é realizado com comunidades indígenas para recuperar e disponibilizar a esses povos as espécies que poderiam sumir. Já são 787 espécies em conservação.

Uma palestra sobre os aspectos ecológicos e os fatores que afetam a produção de sementes florestais foi ministrada pela professora Fátima Pinã, da Universidade Federal de São Carlos. Ela falou sobre os fatores que fazem com que as espécies variem tanto na quantidade de sementes, na época de produção. "Fazer um planejamento é importante para que se possa estimar a produção. Por isso, é preciso acompanhar e anotar as fases de cada espécie, desde o florescimento até a maturação do fruto", explicou.

Após a palestra, cada grupo de coletores se reuniu para fazer um calendário de coleta das espécies.

Uma iniciativa realizada no Rio Grande do Sul também foi apresentada aos participantes. Trata-se de uma rede de produtores de hortaliças e forrageiras orgânicas, chamada Bionaturcomposta por agricultores familiares que seguem os princípios da agroecologia. Atualmente, a Bionatur trabalha com 60 variedades de hortaliças e incentiva a diversidade da produção como forma de garantir a sustentabilidade da atividade agrícola.

Houve ainda uma Feira de Troca de Sementes e Artesanatos durante o encontro.

Precificação

Todos os anos, uma atividade importante realizada no encontro da rede é a atualização dos preços das sementes comercializadas. O cálculo é feito com base em uma série de critérios, como: o grau de dificuldade de coleta e limpeza das sementes; o transporte; a quantidade encontrada na mata; o tempo gasto no trabalho.

Cada item gera um valor, que, somado, vai ajudar a montar uma espécie de ranking com as sementes que devem ser mais baratas e as que devem agregar mais valor na venda.

Para chegar ao valor final, o cálculo envolve ainda fatores como o preço da hora trabalhada, a quantidade de sementes coletada em um dia, entre outros. Essas informaçõessomadas ao valor da diária regional, vão gerar o valor mínimo do quilo da semente, ou seja, aquele que precisa ser garantido ao coletor.

"Esse ano ficou acordado que serão os gastos que envolvem a manutenção das casas de sementes que serão priorizados e considerados no preço das sementes para 2013", afirma José Nicola. "Este ano, o encontro trouxe à tona discussões fundamentais para o processo de independência institucional da rede. Agora vamos começar a por em prática as questões aqui trabalhadas".

http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3652

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