VOLTAR

Coiab inicia Campanha pela homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Coiab-Manaus-AM
19 de Abr de 2003

Por ocasião do Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, e nas vésperas do aniversário do chamado "Descobrimento do Brasil", em solidariedade ao Conselho Indígena de Roraima (Cir) e aos povos indígenas daquele Estado, a Coiab lança a Campanha pela homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Para a Coiab, a homologação ou não da área Raposa Serra do Sol pode vir a ser um caso exemplar do tratamento que o governo Lula pretende dar aos direitos dos povos indígenas no Brasil.

A seguir, reproduzimos a carta encaminhada pela Coiab ao Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, reivindicando a homologação imediata da Raposa Serra do Sol.

Manaus, 19 de abril de 2003

Ao
Excelentíssimo Senhor:
LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
MD. Presidente da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto - Praça dos Três Poderes
Brasília - DF

Ref.: Situação dos Povos Indígenas e Homologação da Terra Indígena
Raposa Serra dó Sol no Estado de Roraima

Excelentíssimo Senhor Presidente:

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB, que agrega 75 organizações indígenas, dos nove Estados da Amazônia Legal, vem através desta manifestar a sua intensa preocupação pelos atos de violência física e cultural praticados nos últimos tempos contra os povos indígenas de Roraima, atingindo de modo particular a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja homologação vem sendo retardada por uma série de artimanhas e pressões de setores políticos e econômicos poderosos daquele Estado, situação que configura flagrantes violações aos direitos humanos e aos direitos originários dos povos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal em vigor.

São muitos os fatos que caracterizam essa ofensiva antiindígena, entre os quais citamos os seguintes.

Violência contra os povos indígenas

Temos conhecimento do clima de violência permanente a que estão submetidos os povos indígenas de Roraima por parte dos ocupantes ilegais das áreas indígenas, sendo o caso mais recente o assassinato do índio macuxi Aldo da Silva Mota, executado no início do mês de janeiro de 2003, dentro da fazenda Retiro do vereador Francisco das Chagas, e enterrado em cova rasa pelos assassinos. O corpo só foi achado uma semana depois, em estado de decomposição por indígenas de sua comunidade, "avisados" por urubus que sobrevoavam o local. O escandaloso deste crime é que o Instituto Médico Legal (IML) de Boa Vista, Roraima, atestou que a causa morte de Aldo foi "natural e indeterminada". Um segundo Laudo da Secretaria de Segurança Pública do Estado apontou que a "causa da morte era indeterminada e que não havia hemorragias difusas ou localizadas no tórax".

Inconformada, a família da vítima e o CIR solicitaram, através do Ministéio Público Federal, um laudo especializado e independente, do IML de Brasília, cujos peritos detectaram que Aldo Mota teve hemorragia interna causada por traumatismo torácico transfixiante, ocasionado por projétil de arma de fogo disparado de cima para baixo. O laudo afirma que na hora que foi assassinado o índio estava de braços levantados, o que confirmaria uma execução.

Assim, os povos indígenas de Roraima são permanentemente vítimas de flagrantes violações aos direitos humanos, às quais somam-se as situações de conflito decorrentes da presença de militares nas terras indígenas como desrespeito às tradições e lugares sagrados, abuso contra mulheres indígenas e outras interferências prejudiciais à organização social tradicional das comunidades.

Queimadas e degradação ambiental atinge as terras indígenas

Os invasores, especialmente os rizicultores, tem causado desmatamentos, queimadas e diversos atos de degradação ambiental que atingem cada vez mais as terras indígenas, principalmente nas áreas Raposa Serra do Sol e São Marcos, problemas considerados pelos indígenas como "danos irreparáveis à natureza".

Essa situação foi objeto de ampla reportagem publicada pela revista "Isto É", sob o título de "a guerra sem trégua - Invasões, assassinatos e destruição continuam nas áreas indígenas de Roraima". A matéria destaca que na terra indígena Raposa Serra do Sol "cerca de dez fazendeiros destruíram mais de 25 hectares de mata nativa para plantar arroz e soterraram lagoas e igarapés para facilitar a mecanização da lavoura". Os invasores teriam licença do Departamento Estadual do Meio Ambiente. A revista relata ainda que "o uso intensivo de agrotóxicos mata animais e causa problemas de saúde nos habitantes das aldeias".

Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama), Marcus Barros, o incêndio em Roraima, que destruiu 6 mil quilômetros quadrados de floresta, terá como efeito colateral o aumento no número de casos de malária na região (Jornal Estado de São Paulo, 29/03/03, Pág. A23).

A esse problema há que acrescentar a degradação ambiental causada pelo lixo das vilas, ocupadas por não índios, e unidades militares instaladas nas aldeias Sucurucucus e Auaris, na terra Yanomami, e em Uiramutâ, na terras dos Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang e Patomona.

Parecer contra a demarcação de terras indígenas

O gabinete de Segurança Institucional da Presidência solicitou aos membros do Conselho de Defesa Nacional, órgão de consulta da Presidência da República posicionamento em relação à homologação das Terras Indígenas Badjonkôre, no Estado do Pará, Cuiu-Cuiu, Estado do Amazonas e Jacamim, Wai-Wai, Moscow, Muriru e Boqueirão, no Estado de Roraima.

Em 2 de abril, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal aprovou parecer do senador Romero Jucá, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contrário à homologação das terras indígenas de Roraima.

O relator, que foi presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e é o atual presidente da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, justificou seu parecer dizendo que a homologação dessas cinco áreas, pode representar a "exacerbação dos conflitos acirrados com a possibilidade da homologação da Raposa Serra do Sol e São Marcos".

Romero Jucá já foi autor de um dos projetos que liberam a mineração nas terras da União destinadas aos índios e é conhecido como inimigo histórico dos direitos indígenas.

Proposta de Emenda Constitucional ameaça terras indígenas

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado já tinha aprovado em abril de 2002 parecer do relator Amir Lando, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sobre proposta de Emenda à Constituição (PEC no 38/99), apresentada pelo senador Mozarildo Cavalcanti, do Partido da Frente Liberal (PFL) na época e hoje do Partido Popular Socialista (PPS). A PEC limita em 50% a área de cada Estado passível de ser reconhecida como Terra Indígena (TI) ou Unidade de Conservação (UC) e determina que a aprovação do processo de demarcação das terras indígenas, hoje de competência exclusiva do Executivo, passa a ser submetida ao Senado.

Mozarildo justifica que "os Estados têm de ter autonomia para gerir seu espaço territorial", que é preciso evitar o "confisco de terras dos estados pela União" ou limitar o alcance do governo federal nos Estados.

Além de ferir os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que ocupam tradicionalmente, reconhecidos pela Constituição Federal, a PEC em questão poderá barrar a criação de novas UCs e prejudicar as ações previstas em diversos programas do Ministério do Meio Ambiente, como o Programa de Áreas Protegidas na Amazônia (ARPA) e o Programa Nacional de Florestas (PNF), isto, sem citar outras experiências estaduais bem-sucedidas para a sustentabilidade da Amazônia.

A PEC que seria votada em primeiro turno no Senado em 26 de março, a pedido do próprio autor, deverá voltar ao plenário do dia sete de maio próximo. O pedido de adiantamento seria uma estratégia para que a votação não fosse adiada por tempo indeterminado e que os senadores, sobretudo os que foram empossados recentemente, possam analisar melhor o assunto, "a medida mais viável para evitar novas distenções e equívocos".

Mozarildo Cavalcante, junto com Romero Jucá, é um parlamentar conhecido como contrário aos direitos indígenas, nesse sentido tem discursado como a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e afirmado que os dispositivos constitucionais referentes aos índios e à preservação ambiental constituem empecilhos ao desenvolvimento da região norte do país.

Filiação do governador de Roraima, Flamarion Portela, ao PT suspeita de barganha política

As organizações indígenas e entidades indigenistas de Roraima suspeitam que o governador de Roraima, Flamarion Portela, se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT), em troca da não-homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, pelo presidente. A suspeita baseia-se em entrevista dada por Portela ao Jornal Folha de Boa Vista, Roraima, em 11 de fevereiro de 2003, na qual declara: "não podemos nos curvar a uma minoria, que rema de todas as formas contra o progresso de nosso estado, enquanto a maioria está sedenta pelo progresso e pela redenção da última fronteira agrícola de nosso Brasil". Segundo a Revista "Isto É" (Edição de 24 de janeiro de 2003), "o governador Flamarion Portela (PSL) jura ter sido convidado pela direção nacional do PT para filiar-se ao partido", e que "diz que aceita, desde que Lula vete a lei de homologação da reserva".

No entanto, o presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, em entrevista dada ao Jornal A Crítica (13/04/2003, Pág. A3) disse que a suspeita não procede. "Isso é mera especulação... O governador Flamarion, pela sua formação e origem, quis se filiar ao PT e, para nós, é uma grande

honra. Não teve nada negociado, nada em troca.... Essa questão (das terras indígenas) tem de ser solucionada adequadamente e vamos buscar uma saída. Entre 8 e 80 têm uma solução".

A solução que espera Genoino seria a mesma que propõe o senador Romero Jucá no sentido de que o Conselho de Defesa Nacional (CDN) solicite que o Ministério da Justiça e a FUNAI realizem uma reunião de entendimento e negociação com o Governo de Roraima e com vários segmentos da sociedade? Para os índios, que lutam a quase trinta anos por sua terra, não seria melhor fazer valer a Constituição do que expor os seus direitos a forças políticas locais vinculadas a interesses econômicos contrários à homologação das terras indígenas?

Em todo caso, os povos indígenas de Roraima e a COIAB esperam que o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores não tenham cedido à chantagem da bancada parlamentar antiindígena de Roraima e do governador Flamarion Portela, acostumados a usar de todos os artifícios para impedir a assinatura do decreto de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que já cumpriu todos os procedimentos legais e aguarda apenas a assinatura do Presidente da República.

Face a esta situação, Excelentíssimo Senhor Presidente, exigimos:

1 - Que não exponha os direitos dos povos indígenas de Roraima a forças políticas locais vinculadas a interesses econômicos contrários à homologação de terras indígenas.

2 - Que cumpra o seu programa de governo, no qual afirmava se comprometer a "articular um programa especial e emergencial visando demarcar, homologar e registrar todo o atual passivo de terras indígenas não-demarcadas, corrigir processos demarcatórios e desintrusar as Terras Indígenas ilegalmente ocupadas por não-índios".

2 - Que respeite o procedimento de demarcação das terras indígenas, segundo o qual percorrido todos os passos legais deve proceder a assinar o Decreto de homologação das terras indígenas. Oportunamente queremos lembrar que as áreas analisadas pelo Conselho de Defesa Nacional já não podem ser mais contestadas, uma vez que seus limites já foram determinados e foram demarcadas fisicamente, com verbas públicas e da cooperação internacional, principalmente do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais (PPG-7).

Por outro lado, o parecer do Senado Federal sobre os atos concretos de demarcação das terras indígenas não está previsto em lei, por tanto carecem de confirmação do Poder Legislativo, uma vez que decorrem de imperativo constitucional, expresso no artigo 231 da Constituição Federal em vigor, que manda a União demarcar as terras indígenas, e garante a posse indígena contra qualquer outra, pois "são nulos, extintos e incapazes de produzir efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios".

5 - Que efetue a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em área contínua, e a imediata retirada dos invasores. A Terra Indígena é reconhecida desde 1998 como de posse permanente e usufruto exclusivo dos povos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona, ao ser demarcada administrativamente, pelo ministro da Justiça, Renan Calheiros, através do Decreto de número 820.

Com essas medidas, Excelentíssimo Senhor Presidente, acreditamos que seu governo estabelecerá claras diferenças com o governo de seu antecessor que durante oito anos mostrou-se tímido e submisso aos interesses contrários aos direitos indígenas no Estado de Roraima.

Finalmente, Senhor Presidente, alertamos para o fato de que o retardamento das homologações constitui uma manobra política a mais dos políticos de Roraima, que se utilizam de todos os meios para irem contra os direitos indígenas. Dar ouvido a eles seria sentar um precedente que dificultará o reconhecimento de muitas outras terras indígenas, a começar pela Raposa Serra do Sol. Enfim, a morosidade na regularização fundiária dos territórios indígenas incentiva, além do retardo, a inversão de direito, perante o risco, no caso de Roraima, de um parecer respaldado por interesses antiindígenas, vir a ter poder de paralisar as homologações das terras indígenas, o que configuraria uma assumida violação da Constituição Federal.

Atenciosamente.

Jecinaldo Barbosa Cabral / Saterê Mawé Crisanto Rudzö / Xavante
Coordenador Geral da COIAB Vice-coordenador da COIAB

Miquelina Machado / Tukano Genival dos Santos de Oliveira
Secretária Geral da COIAB Tesoureiro da COIAB

C.c. Ao Excelentíssimo Sr. Ministro da Justiça
Dr. Márcio Thomaz Bastos
Ministério da Justiça
Esplanada dos Ministérios
Brasília - DF

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.