VOLTAR

Coiab e entidades parceiras Representam contra Decreto Legislativo que autoriza a implantação do empreendimento Hidrelét

Coiab-Manaus-AM e ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
21 de Jul de 2005

O Instituto Socioambiental, o Greenpeace, o Centro dos Direitos das Populações da região do Carajás e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), propuseram no dia 21 de julho último Representação perante a Procuradoria Geral da República, requerendo Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra o Decreto Legislativo no 788 promulgado por ato do Presidente do Senado Federal e publicado no Diário Oficial da União, em14 de julho de 2005. O Decreto autoriza o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte, localizado em trecho do rio Xingu, no Estado do Pará, conforme o Projeto Legislativo no 1785 de 2005, de autoria do Deputado Fernando Ferro, aprovado pela Câmara dos Deputados em 06 de julho e pelo Senado Federal em 12 de julho, com o número de 345 de 2005.

A Representação manifesta que "da forma como foi aprovado o Decreto Legislativo no 788 de 2005, foi dado um cheque em branco para a construção do AHE Belo Monte, sem que nem os povos indígenas e tampouco os legisladores tenham tido conhecimento dos efeitos do empreendimento sobre o meio ambiente e a vida das populações afetadas, mesmo porque os estudos de impacto ambiental sequer foram realizados. Como pode o Congresso Nacional autorizar uma obra cujos impactos sequer são conhecidos?"

Para as entidades, "é flagrante o desrespeito ao mandamento constitucional exposto no art.231, §3o, da Constituição Federal, segundo o qual "o aproveitamento de recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, (...) só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na forma da lei". Isso significa que qualquer aproveitamento hidrelétrico que venha a afetar, de forma direta ou indireta, os territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas, só pode ser instalado com prévia e motivada autorização do Poder Legislativo.

Dessa forma, o requerimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto Legislativo no 788 de 2005 visa que o mesmo "não venha a produzir seus efeitos no mundo jurídico, causando prejuízo ao meio ambiente e aos povos indígenas".

Reproduzimos a íntegra da Representação.

Exmo. Sr. Antônio Fernando de Souza
DD. Procurador Geral da República

O INSTITUTO SOCIOAMBENTAL, associação sem fins lucrativos, que atua na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos, inscrita no CNPJ sob no 00.081.906/0002-69, com sede em Brasília, no SCLN 210, Bloco C, sala 112, a ASSOCIAÇÃO CIVIL GREENPEACE, associação sem fins lucrativos dedicada à defesa do meio ambiente e da paz, inscrita no CNPJ sob no 64.711.062/0001-94, com sede a rua Alvarenga, no 2331, São Paulo/SP, o CENTRO DOS DIREITOS DAS POPULAÇÕES DA REGIÃO DO CARAJÁS-FÓRUM CARAJÁS, associação sem fins lucrativos, inscrito no CNPJ 04 381.717/0001-81, com sede a Rua Armando Vieira da Silva, 110 Apeadouro, São Luís, Maranhão, e a COORDENAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA - COIAB, organização indígena sem fins lucrativos, que atua na defesa dos direitos a terra, saúde, educação, saneamento básico, cultura e sustentabilidade dos povos e organizações indígenas, inscrita no CNPJ 63.692.479/0001-94, com sede em Manaus, à Av. Ayrão, no 235, Bairro Presidente Vargas, vêm, com fundamento no art.129, IV; art.103, VI e art.102, I, todos da Constituição Federal, propor a presente

REPRESENTAÇÃO

Pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

1. A Câmara dos Deputados aprovou, na data de 06 de julho de 2005, o Projeto de Decreto Legislativo no 1785 de 2005, de autoria do Ilmo. Deputado Fernando Ferro, que "autoriza o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, localizado em trecho do rio Xingu, no Estado do Pará, a ser desenvolvido após estudos de viabilidade pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A - ELETROBRÁS".

2. Tal projeto foi posteriormente aprovado pelo Senado Federal, em 12 de julho de 2005, uma semana após a aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados, agora com o número de 345 de 2005.

3. O referido projeto foi promulgado por ato do Presidente do Senado Federal e publicado em 14 de julho de 2005 como Decreto Legislativo no 788 de 2005 (Diário Oficial da União, seção 1, pg.1 - doc. em anexo), data na qual entrou em vigor.

4. O projeto de aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, localizado no rio Xingu, é objeto de antiga polêmica e resistência das populações que vivem no local de sua implantação, notadamente dos povos indígenas que terão suas terras afetadas tanto pelas obras como pelo funcionamento da usina hidrelétrica.

5. Tal como estabelecido no art.231, §3o da Constituição Federal, "o aproveitamento de recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, (...) só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na forma da lei". Isso significa que qualquer aproveitamento hidrelétrico que venha a afetar, de forma direta ou indireta, os territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas, só pode ser instalado com prévia e motivada autorização do Poder Legislativo.

6. A proposição do PDC no 1785 de 2005 se fundamentou exatamente no mandamento constitucional acima citado, como se pode depreender da justificativa que o acompanha, in verbis:

"Nesse sentido, torna-se imperioso, do ponto de vista legislativo e constitucional, a edição do Decreto, que tem por objetivo atender ao disposto no inciso XVI do art.49, bem como o §3o do art.231, ambos da Constituição Federal, que determinam ser obrigatória a autorização do Congresso Nacional para o aproveitamento de recursos hídro-energéticos em terras indígenas."

7. Ocorre que, diferentemente do que determina nossa Carta Magna, não está demonstrado em nenhum momento que uma etapa fundamental para a aprovação legislativa tenha sido cumprida, qual seja, a consulta aos povos indígenas afetados. De fato, não há nenhuma comprovação de que os povos indígenas que poderão ser afetados pela obra em questão tenham sido ouvidos por qualquer das casas legislativas. Basta que se diga que entre a aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal não decorreram sequer 03 dias úteis, prazo manifestamente inviável para que os senadores tivessem organizado audiências públicas e se deslocado para a região afetada, ou mesmo para trazer alguns representantes dos povos afetados para serem ouvidos no Congresso Nacional.

8. A audiência dos povos afetados não é uma mera formalidade acessória. Pelo contrário, é elemento central no processo de autorização legislativa. Não pode o Congresso Nacional aprovar a implantação de um empreendimento hidrelétrico sem antes saber qual o posicionamento das comunidades afetadas, que têm o direito de conhecer previamente o projeto, compreender quais as conseqüências dele advindas para sua sobrevivência física e cultural, e então se manifestar com relação ao seu mérito.

9. Nesse sentido a doutrina vem se posicinando de forma majoritária, como se pode depreender das palavras do Ilustre Professor Dalmo Dallari:

"Não é pura e simplesmente ouvir para matar a curiosidade, ou para Ter-se uma informação irrelevante. Não. É ouvir para condicionar a decisão. O legislador não pode tomar a decisão sem conhecer, neste caso, os efeitos dessa decisão. Ele é obrigado a ouvir. Não é apenas uma recomendação. É, na verdade, um condicionamento para o exercício de legislar. Se elas (comunidades indígenas) demonstrarem que será tão violento o impacto (da mineração ou da construção de hidroelétrica), será tão agressivo que pode significar a morte de pessoas ou a morte da cultura - cria-se um obstáculo intransponível à concessão da autorização" (Informe Jurídico da Comissão Pró-Índio, Ano II, no 09 a 13, abril/agosto de 1990)

10. Da forma como foi aprovado o Decreto Legislativo no 788 de 2005, foi dado um cheque em branco para a construção do AHE Belo Monte, sem que nem os povos indígenas e tampouco os legisladores tenham tido conhecimento dos efeitos do empreendimento sobre o meio ambiente e a vida das populações afetadas, mesmo porque os estudos de impacto ambiental sequer foram realizados. Como pode o Congresso Nacional autorizar uma obra cujos impactos sequer são conhecidos?

11. É flagrante, portanto, o desrespeito ao mandamento constitucional exposto no art.231, §3o, razão pela qual vimos à presença de V. Exa. requerer seja proposta a competente Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto Legislativo no 788 de 2005 para que o mesmo não venha a produzir seus efeitos no mundo jurídico, causando prejuízo ao meio ambiente e aos povos indígenas.

Termos em que,

Pedem deferimento.

Brasília, 21 de julho de 2005.

Raimundo Sérgio Barros Leitão
OAB/DF 10841

Raul Silva Telles do Valle
OAB/SP 164490

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.