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Coerência de compromisso

JB, Outras Opiniões, p. A15
Autor: VALENTINI, Demétrio, Dom
09 de Out de 2005

Coerência de compromisso

D. DEMÉTRIO VALENTINI
Presidente da Cáritas do Brasil

A notícia trouxe alívio geral. D. Cappio suspendeu sua greve de fome, que vinha fazendo desde o dia 26 de setembro, disposto a morrer se o Governo não revertesse o projeto de transposição em projeto de revitalização do Rio S. Francisco e em plano de desenvolvimento de todo o semi-árido brasileiro.
Alívio, porque a preciosa vida do bispo fica preservada. Mas alívio também porque ganhou força a causa da vida do Rio São Francisco.
As duas razões precisam ser assumidas em conjunto. Só faz sentido a suspensão da greve de fome se ela significar o compromisso de todos em salvar a vida do Rio São Francisco, para que suas águas estejam a serviço da vida, a partir do contexto natural de sua ampla bacia hidrográfica, até o esgotamento de suas potencialidades, identificadas pela ação criteriosa e responsável de todos os envolvidos na questão.
A autenticidade do gesto, apelando para a radicalidade da entrega da própria vida, revelou a força da causa colocada em questão. Nisto reside a mensagem própria desta greve de fome. Foi preciso alguém mostrar que sua vida estava em risco, para todos dar-nos conta que está em jogo a vida quando lidamos com nossos rios.
Se perdemos de vista esta radicalidade, não percebemos a gravidade dos compromissos decorrentes da suspensão da greve de fome. Ela supõe que a causa foi entendida, e que agora passa a ser assumida, responsavelmente, por todos os que foram interpelados pelo gesto de D. Cappio.
Em primeiro lugar, o próprio governo federal, patrocinador do projeto que levantou o questionamento radical do bispo. Daí a importância do Governo demonstrar que a partir de agora leva em conta o significado desta greve de fome, e age de maneira coerente com o entendimento produzido no diálogo com D. Cappio, de tal maneira que daqui por diante toda as providências relativas ao Rio São Francisco tenham como critério básico a sua revitalização, para daí se definir, em conseqüência, a utilização de suas águas, de acordo com o critério de sua destinação para a vida, otimizando suas potencialidades, sem colocar em risco sua própria vida.
Mas não é só o governo que se sente agora comprometido com as lições desta greve de fome. E' todo o Brasil que precisa despertar para esta causa ampla e urgente: precisamos salvar nossos rios. A greve de fome de D. Cappio nos despertou para a importância de nossos rios.
Nosso país foi desenhado pelos rios. As águas do Tietê serviram de primeiro caminho para o avanço dos bandeirantes. Pelas veias generosas da bacia amazônica foi se tecendo a geografia continental de nossa pátria. O próprio São Francisco se tornou o símbolo mais eloqüente da integração de nosso território. Ele se torna agora o paradigma do cuidado que precisamos ter com todos os rios do Brasil. Com o percurso mais extenso em terras brasileiras, as águas do ''velho Chico'' cantam o hino da integração nacional, cuja mensagem somos chamados a interpretar de maneira coerente.
Os rios geraram nosso país. Precisamos agora regenerar suas águas, poluídas e assoreadas pela maneira equivocada como foram tratadas. A causa da vida está profundamente ligada à causa das águas. Esta a clara mensagem desta greve de fome. Se queremos vida para todos, precisamos garantir vida para as águas de nossos rios.
Está levantada, com vigor, a bandeira da revitalização de nossos rios.
Depois dos seus quarenta dias de jejum no deserto, Jesus desencadeou com o vigor do Espírito sua missão evangelizadora. Depois da greve de fome emerge a força desta causa, que precisa ser assumida por todos.
Assim os consensos serão iluminados pelo Espírito e produzidos pela coerência com a causa da vida.

JB, 09/10/2005, Outras Opiniões, p. A15

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