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Código de florestas ou sem?

O Popular, Opinião, p. 7
Autor: NOVAES, Washington
01 de Jun de 2011

Código de florestas ou sem?

Washington Novaes

É preocupante ler nos jornais que 15 dos 16 deputados federais de Goiás votaram a favor da aprovação na Câmara, em Brasília, do projeto capitaneado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB), que modifica o Código Florestal brasileiro. Só votou contra a deputada Marina Santana.

Preocupante porque as modificações introduzidas - e que ainda terão de passar pelo Senado e ser sancionadas pela presidente da República, se for o caso - constituem um grave retrocesso, condenado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e pela Academia Brasileira de Ciências, que, em nota oficial, afirmam nunca haverem sido convidadas pelo autor do projeto e/ou seus apoiadores a discuti-lo. Também a Embrapa, que subsidiou a SBPC e a ABC na sua análise, entende que pode haver perda da biodiversidade, problemas sérios nas áreas dos recursos hídricos e das mudanças climáticas, com o que se aprovou. Oito ex-ministros do Meio Ambiente (inclusive dois do governo Lula) se posicionaram contra o projeto. Um dos ex-ministros, Rubens Ricupero, acha que, por causa dele, o Brasil chegará à Rio + 20 em 2012 com sua imagem muito desgastada.

O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas reprovou a decisão da Câmara, assim como o mais conceituado jurista na área ambiental no País, Paulo Affonso Leme Machado, para quem o que foi homologado "não é claro, não é preciso e não é seguro". Até no exterior as preocupações são fortes. O jornal britânico Independent (27/5), acha que o projeto é "desastroso" para a conservação da Amazônia, onde "apenas 10% dos proprietários obedecem a lei". E o faz com apoio do renomado cientista Philip Fearnside, do Instituto de Pesquisas da Amazônia, que não tem dúvida de que o desmatamento crescerá (como já está acontecendo, a ponto de o Ministério do Meio Ambiente criar às pressas uma força-tarefa na tentativa de contê-lo). Para a Conservação Internacional, "é um desastre". A seu ver, no mínimo mais 10% da floresta amazônica serão perdidos e 20% já se foram. Um estudo técnico da liderança do PSOL em Brasília diz que as mudanças aprovadas permitem o desmatamento imediato de mais 71 milhões de hectares (710 mil km2), mais do dobro do território goiano.

Um levantamento do Instituto SocioAmbiental de São Paulo (ISA) afirma que a matéria aprovada "acaba com as áreas de proteção permanente (APPs), ao permitir ali a expansão da atividade agrícola, pecuária e silvopastoril", inclusive ao delegar poderes aos Estados (mais permissivos) para liberar essas atividades, seja nas áreas ocupadas ilegalmente até 2008, seja no futuro. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do governo federal, a isenção de reserva legal para propriedades com área de até 4 módulos fiscais (a metragem varia de lugar para lugar) atingirá na Mata Atlântica 67% da área que deveria ser recuperada pelos infratores; na Caatinga, 70% da área; no País todo, 48 milhões de hectares (ou 480 mil km2).

De acordo com o texto aprovado em Brasília, as áreas de preservação permanente (APPs) à beira-rio, que deveriam ter no mínimo 30 metros em cada margem, passam a ser obrigadas a manter apenas 10; se já forem usadas para agricultura, serão 15 metros e não 30. As APPs em encostas com 25 a 45 graus tiveram seu uso liberado para agricultura; se já forem cultivadas (ilegalmente) não precisarão ser recuperadas. A reserva legal em propriedades privadas (hoje de 80% em áreas de florestas primárias na Amazônia, 35% nas de transição do Cerrado para a Amazônia e 20% nas restantes), deixará de ser obrigatória nas pequenas propriedades, de até 4 módulos. Essas propriedades até o limite de 4 módulos representam 80% do total. E mesmo as que tiverem de recompor a reserva poderão fazê-lo até em outros Estados (terras mais baratas ou degradadas).

A SBPC e a ABC insistem em que o projeto "não resolve problemas; não tem fundamentação científica e tecnológica; precisa ser aperfeiçoado". E entendem que seriam necessários mais dois anos de discussão pelo menos, porque ele " não tem visão nem ambiental, nem ruralista". E não cuida de questões como a da agricultura familiar, que, embora ocupe apenas 24,4% da área agricultável, responde por 84,4% dos estabelecimentos agrícolas e por 38,8% do valor produto da produção (no abastecimento interno, ela responde por cerca de 70% dos alimentos).

Nas discussões que mediaram a aprovação pela Câmara, um dos argumentos dos "ruralistas" foi o de que é preciso abrir novas áreas para a produção. E uma das respostas foi a de que o Censo Agropecuário mostra, entre muitas coisas, que hoje no Brasil se chega a ter apenas meia cabeça de gado por hectare, quando em outros países a média é cinco ou seis vezes maior. Em Goiás mesmo, nos levantamentos levados ao Fundo do Centro-Oeste em busca de financiamento, tem-se argumentado que 70% das pastagens estão em algum estágio de degradação - e precisam ser recuperadas.

Seja como for, ainda haverá algum tempo para que o projeto entre em votação no Senado. O próprio governo não tem pressa, diante da falta de apoio para suas posições em grande parte de sua própria bancada - o que ameaça exigir um veto da presidente da República e desgastes políticos no Congresso, na sua discussão. Mas a sociedade precisa informar-se melhor da questão e posicionar-se.

Washington Novaes é jornalista

O Popular, 01/06/2011, Opinião, p. 7

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