VOLTAR

Codigo da vida, parte II

Veja, Aventura, p.64-65
25 de Ago de 2004

Aventura
Código da vida, parte II
Craig Venter, o biólogo americano que mapeou o genoma humano, agora tenta desvendar o DNA de toda a vida na Terra
Gabriela Carelli
Neste mês completa um ano que o biólogo americano Craig Venter embarcou numa grande aventura a bordo de seu luxuoso iate, o Sorcerer II. Seu objetivo é navegar ao redor do planeta, numa viagem de 45.000 quilômetros, para coletar todos os microrganismos que encontrar pelo caminho, decifrar o DNA de cada um deles e armazenar as informações no mais completo banco de dados de genética ambiental já produzido. Venter, para quem não se lembra, fundou a Celera Genomics, um dos dois consórcios científicos que decifraram o genoma humano, em 2000. Afastado da presidência da Celera há dois anos, ele não refreou sua audácia. Se primeiro seqüenciou o código genético de um indivíduo humano, agora pretende, por assim dizer, abrir o DNA de todo o planeta. O que nós conhecemos como vida é apenas a camada superficial de um mundo desconhecido. A grande maioria dos seres vivos são bactérias e microrganismos. Do 1,7 milhão de plantas e espécies de animais catalogados, só 6.000 são microrganismos. Os cientistas estimam que as espécies que só podem ser vistas com aparelhos especiais cheguem a 10 milhões. Ou, quem sabe, a 100 milhões.
Venter acredita que o código genético de microrganismos pode se transformar num excelente negócio no futuro. Esses seres microscópicos estão na base da cadeia alimentar e dão forma aos ciclos de carbono, nitrogênio e outros nutrientes que sustentam todo o ecossistema. Em teoria, o DNA deles pode conter a chave para gerar energia barata, desenvolver remédios e acertar as bagunças da natureza provocadas pelo avanço da civilização. Há bactérias que só vivem em locais onde existe petróleo. Quem identificá-las terá o mapa da mina para explorar o produto. Outros microrganismos são capazes de captar gás carbônico da atmosfera. Imagine como o controle desse processo seria útil para reduzir o efeito estufa. Trata-se, obviamente, de uma aposta. "Não sabemos o que as bactérias podem fazer, pois não sabemos quem elas são. Quem descobrir primeiro terá um material de valor inestimável", diz o geneticista Salmo Raskin, brasileiro que integra a equipe do Projeto Genoma Humano.
A volta ao mundo num iate de luxo faz lembrar as grandes expedições científicas do século XIX, especialmente a de Charles Darwin. Numa jornada de cinco anos a bordo do veleiro Beagle, o naturalista inglês coletou os elementos que lhe permitiram desenvolver a teoria da evolução das espécies. O Sorcerer II está, por sinal, refazendo em boa parte o roteiro de Darwin. "Tenho o dever de catalogar o mundo microscópico. Minhas descobertas vão fechar todas as lacunas que Darwin deixou", disse Venter à revista americana Wired, que o entrevistou no mês passado no Pacífico Sul. Projetos grandiosos, com boas chances de se tornarem uma mina de dinheiro, são a marca registrada de Venter. Em 1998, ele reuniu investidores privados para criar a Celera, cujo objetivo era decifrar o mapa genético humano. Foi uma espécie de corrida com seu único concorrente, o Projeto Genoma Humano, bancado pelo governo dos Estados Unidos e por instituições internacionais. Rivais por princípio, ambos chegaram a um acordo de cavalheiros, mediado pelo governo americano, e anunciaram em conjunto a conclusão do mapeamento. As ações da Celera foram às nuvens – e Venter acumulou uma fortuna estimada em 700 milhões de dólares. Já a empresa acabou no prejuízo, pois a mercadoria que tinha para vender – o genoma humano – é fornecida de graça pelo consórcio bancado pelo governo americano.
Fora da Celera, Venter investiu 100 milhões de dólares do próprio bolso na criação de uma fundação cujo objetivo é pesquisar o DNA dos microrganismos. De recursos externos, ele obteve apenas 3 milhões de dólares do Departamento de Energia dos Estados Unidos e mais 4,25 milhões de dólares de uma fundação americana. Como não tem sócios, toca o projeto do jeito que lhe parece melhor. Sua expedição começou em agosto de 2003, no Canadá. A previsão é que termine em 2005. No último balanço, divulgado em março, já haviam sido identificadas 1.800 espécies de micróbios e 1,2 milhão de novos genes. Darwin armazenava em garrafas e sacos de juta as plantas e os animais que recolhia. Venter recolhe água do mar e filtra os microrganismos por meio de processos químicos. O material é então enviado para ser analisado nos Estados Unidos. Localizado a meio caminho entre Nova York e Washington, seu laboratório é uma das três maiores estruturas de seqüenciamento genético. A prioridade número 1 é usar o material coletado para criar uma seqüência artificial de DNA que funcione como se fosse de um ser vivo. Até agora, sem sucesso. Se um dia conseguir, Venter terá dado um passo maior que o de qualquer outro ser humano. Terá brincado de Deus.

Veja, 25/08/2004, p. 64-65

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.