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Cobrança pela captação da água deixará contas até 3% mais caras

OESP, Metrópole, p. C1, C3
Autor: BERTAIOLLI, Marco; CESAR NETO, Julio Cerqueira
15 de Out de 2009

Cobrança pela captação da água deixará contas até 3% mais caras
Concessionárias da Grande SP devem repassar custos, a partir de 2011; grandes consumidores terão de pagar mais

Eduardo Reina

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê - que inclui os mananciais da Região Metropolitana de São Paulo - definiu os valores de cobrança pelo uso da água e despejo de efluentes industriais ou esgoto nas bacias que passará a vigorar em 1 de janeiro de 2011. Essa cobrança será aplicada às empresas concessionárias (como a Sabesp) que fazem abastecimento e saneamento, indústrias, comércios e grandes usuários urbanos, como shoppings, condomínios e hotéis, que usam o produto retirado dos mananciais e poços e não pagam nada por isso. Mas vai acabar sendo repassada ao bolso dos quase 20 milhões de habitantes da Grande São Paulo, o consumidor residencial.

As contas de água terão acréscimo de 2% a 3%, segundo estimativa do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Hoje, os consumidores só pagam pela captação da água, tratamento e distribuição feita pelas empresas de abastecimento, mas nada pela água em si. Com mais essa cobrança, uma conta residencial de R$ 40 vai subir de R$ 0,80 a R$ 1,20 por mês, ou de R$ 9,60 a R$ 14,40 por ano, embora o presidente do comitê da Bacia do Alto Tietê e prefeito de Mogi das Cruzes, Mário Bertaiolli, diga que não há necessidade de repassar os custos ao consumidor.

Mas a própria Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) informou que, se houver acréscimo de custos nas planilhas das concessionárias, o valor será repassado. Municípios onde já há a cobrança, como Americana e Santa Barbara d"Oeste, repassaram aos clientes o custo dessa cobrança. "O repasse aqui chega a 2% do valor da conta, dependendo do consumo. O consumidor nem sabe que é repassado e parte retorna em investimentos", explica Joaquim Pedro Mello da Silva, diretor-geral do Departamento de Água e Esgoto (DAE) de Americana.

Levantamento do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) mostra que 2,5 mil empresas no Alto Tietê utilizam os recursos hídricos sem pagar nada - e 500 delas consomem 95% do total captado. A bacia produz 70 metros cúbicos de água por segundo.

Os recursos a serem arrecadados com a cobrança devem ser aplicados na região onde foram captados, com base nos programas e projetos para recuperação e preservação dos recursos hídricos. Para o primeiro ano de cobrança, segundo o presidente do comitê do Alto Tietê, há estimativa de arrecadação de R$ 30 milhões. Será cobrado R$ 0,01 por metro cúbico (mil litros) de água captada por concessionárias como a Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp). O valor sobe para R$ 0,02 por m³ de água consumida por empresas, indústrias e condomínios que retiram o líquido de poços. E o valor mais pesado, de R$ 0,10, será cobrado por quilo de efluentes devolvidos aos corpos d"água.

No segundo ano de cobrança (2012), a previsão é elevar a arrecadação para R$ 40 milhões - e para R$ 50 milhões no ano seguinte. "O dinheiro não pode ter outro destino senão a recuperação das bacias do Alto Tietê. Será administrado pela Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e pelo Daee. Em 2012 haverá revisão do projeto", diz Bertaiolli.

O projeto com os valores da cobrança seguiu no início da semana para o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e depois vai para a sanção do governador José Serra (PSDB), que deve ser feita até dezembro, segundo Jorge Rocco, do comitê do Alto Tietê. Os valores definidos são semelhantes aos já cobrados nas Bacias do Paraíba do Sul desde 2003, e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, desde 2006. "Tudo caminha para um pacto para a aprovação. Em 2010, as empresas poderão pagar de forma voluntária pelo uso da água", explica Rocco.

O especialista em Direito de Saneamento e consultor na elaboração da Lei Nacional de Saneamento Básico, Wladimir Antonio Ribeiro, disse que o repasse da cobrança pelas concessionárias ao consumidor não tem nenhum empecilho legal.

Números

R$ 1,20 por mês seria o acréscimo máximo em uma conta de R$ 40

2,5 mil empresas no Alto Tietê utilizam os recursos hídricos sem pagar nada - e 500 delas consomem 95% do total captado

R$ 50 milhões será a arrecadação em 2013 com essa cobrança. O dinheiro deve ir para a recuperação das bacias do Alto Tietê, obrigatoriamente

Verba deve priorizar obras ambientais
Especialista cobra transparência; gestores garantem investimentos

Eduardo Reina

A aplicação dos recursos arrecadados para a recuperação da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê causa preocupação. De acordo com o jurista especialista em Direito do Saneamento Wladimir Antonio Ribeiro, é necessário acompanhar todo o trâmite da verba arrecadada na cobrança pelo uso da água para evitar que seja usada em ações que não ajudem diretamente na recuperação de mananciais. "Precisa ver qual o grau de transparência do uso desses recursos. Não pode custear em demasia ações de educação ambiental, viagens para congressos ambientalistas. O dinheiro deve ir para construção de estações de tratamento de esgotos, recuperação de rios e represas", diz Ribeiro.

"Essa verba vai para nossos projetos de ampliação da rede de esgotos e combate à perda de água", afirma Vlamir Augusto Schiavuzzo, presidente do Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae) de Piracicaba, onde já há a cobrança. O Semae absorveu todo o custo dessa cobrança, sem repasse ao consumidor final. Em 2009, estão sendo pagos R$ 431 mil ao governo federal e R$ 449 mil ao governo estadual pelo uso de água.

Ribeiro avalia, no entanto, que a cobrança chega tarde demais à região metropolitana de São Paulo, não evitando a enorme degradação de rios como o Tietê e as represas como a Billings e do Guarapiranga. Na região, são gerados 17 mil litros de esgoto por segundo. Desse total, são coletados 16 mil litros por segundo e tratados 12 mil. A diferença é despejada in natura em rios e córregos. "Deveria ter iniciado (a cobrança) há 40 anos, quando começaram a despejar esgoto. Hoje, a população já paga pelo tratamento de esgoto na conta de água, mas nem todo esgoto coletado é tratado, principalmente pela Sabesp, que despeja nos rios", critica.

Essa cobrança é prevista na Lei de Recursos Hídricos, que existe há 12 anos, mas foi mencionada em lei pela primeira vez há 75 anos, em 1934.

REPASSE

A Sabesp informou que seguirá o cronograma de pagamento, que define 2011 como o primeiro ano de arrecadação, e que seguirá a definição da Arsesp sobre repasse ao consumidor. Nas Bacias do Piracicaba e do Paraíba do Sul a companhia não chegou a fazer o repasse por "uma decisão empresarial", pois opera em 22 cidades das 63 integrantes da Bacia do Piracicaba e em 21 das 34 do Paraíba do Sul. A Sabesp será a empresa que mais vai pagar no Alto Tietê, variando de 65% a 70% de toda a cobrança prevista.

Em Santo André, o Serviço Municipal de Saneamento Ambiental (Semasa) informou que "avalia o impacto que a nova lei acarretará nas finanças e ainda não possui definição sobre repasse a usuários". O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Guarulhos, que inicia tratativas para fazer o tratamento de esgoto produzido nas 250 mil ligações de água e esgoto existentes na cidade com 1,2 milhão de habitantes, disse não ter intenção de repassar a cobrança.

A Companhia de Saneamento de Diadema (Saned) informou apenas distribuir a água tratada que é comprada da Sabesp no atacado e que, "se houver repasse do custo por parte do fornecedor, será realizado estudo financeiro para definir se absorverá o acréscimo no valor pago pela água no atacado ou não". Outros municípios ainda estudam a situação.

Você concorda com a cobrança da captação?

Sim:

O problema é que o ato de abrir uma torneira se tornou um hábito tão comum que poucos são aqueles que se preocupam com isso. É verdade que alguns conceitos mudaram. Mas ainda é irrisório perto do risco que as pessoas correm de ficar com a torneira de suas casas seca. Esse assunto deve ser tratado com a mesma importância da discussão sobre o pré-sal. Até porque a humanidade somente depende do petróleo como fonte energética relevante a partir o século 18, mas da água...

Precisamos reconhecer que a água é um recurso finito e escasso. Temos de tratá-la como um bem de uso público, essencial à vida e de alto valor econômico. Daí a necessidade da cobrança pelo uso. A conta será paga pelas empresas e concessionárias, como a Sabesp. Ao consumidor final não haverá custo.

A expectativa é de que em 2011 sejam arrecadados R$ 30 milhões; em 2012, R$ 40 milhões e em 2013, R$ 50 milhões. Parece muito, mas ainda é pouco, diante da necessidade de recuperamos os nossos córregos e rios. Por isso, 90% deste dinheiro é carimbado e não poderá ser utilizado para outros fins que não a preservação de mananciais, o saneamento básico e a educação ambiental. Cobrar pela captação e extração da água, é racionalizar o uso, garantindo assim o nosso consumo.

* Marco Bertaiolli, é presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e prefeito de Mogi das Cruzes

Não:

Para a Sabesp, incluir a cobrança sobre o uso da água na tarifa do consumidor é preciso demonstrar, em primeiro lugar, que na qualidade de concessionária cumpre as exigências do artigo 175 da Constituição Federal e o disposto na Lei Federal 11.445, que regula a prestação de serviços de saneamento básico, especialmente no que se refere à transparência da política tarifária e a obrigação de manter um serviço adequado.

Como ainda não fez essa demonstração, na minha opinião, não poderia repassar esse custo ao consumidor final. Além disso, a Sabesp já cobra irregularmente pelo serviço de coleta e tratamento de esgotos, que não presta na sua integralidade.

A grande parte do valor a ser pago pela Sabesp pelo uso da água, na verdade, se refere aos esgotos que lança nos rios de São Paulo sem tratamento. Com certeza, o consumidor não pode arcar com a responsabilidade por essa situação. Seria completamente fora de propósito.

*Julio Cerqueira Cesar Neto, engenheiro ambiental e ex-presidente da Agência da Bacia do Alto Tietê

OESP, 15/10/2009, Metrópole, p. C1, C3

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