CB, Opinião, p. 29
Autor: GOLDEMBERG, José
17 de Jul de 2008
Clima: retrocesso no Japão
José Goldemberg
Professor da Universidade de São Paulo (USP)
A reunião de Cúpula do G-8, em Hokkaido, no Japão, de 7 a 9 deste mês, teve pouco sucesso em enfrentar os graves problemas econômicos e sociais decorrentes do aumento do preço do petróleo e corre o risco, daqui para frente, de se tornar irrelevante no plano mundial. O poder de tomar grandes decisões parece ter escapado das mãos das sete maiores economias mundiais mais a Rússia e a expansão desse grupo, com a inclusão dos maiores países em desenvolvimento (Índia, Brasil, África do Sul, México, além de outros) aumentou pouco seu poder. Posições dos países produtores de petróleo (Opep), que não participam dessas reuniões, influem mais nas grandes decisões que afetam os países do que reuniões formais de chefes de Estado.
Poderia, contudo, haver exceções para os problemas que são de interesse comum de todos os países, e o melhor exemplo deles é a questão das mudanças climáticas, pelas quais ricos e pobres serão atingidos sem distinção. Lamentavelmente, não foi isso o que ocorreu.
Os líderes da África do Sul, Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, República da Coréia, Rússia e União Européia (autodenominados "as maiores economias do mundo") simplesmente repetiram seu comprometimento com a Convenção do Clima de 1992, sem avançar um milímetro além dela. Pior do que isso, decorridos 16 anos, as emissões de gases que provocam o aquecimento global aumentaram na maioria deles (com honrosas exceções) apesar dos compromissos assumidos no Protocolo de Kyoto, de 1997.
A reunião de cúpula reconheceu que, em Bali, foi lançado processo de negociação que deve ser concluído até dezembro de 2009, mas não se comprometeu com nenhuma meta ou objetivo. Nem a meta de reduzir à metade as emissões até o ano de 2050 foi incluída no comunicado final. Basta ler este comunicado, para se ter idéia da falta de conteúdo das deliberações, que repetem apenas generalidades: "Trabalharemos juntos em estratégias de cooperação tecnológica relacionadas à mitigação em setores específicos da economia, promoveremos o intercâmbio de informações de mitigação e de análises de eficiência setorial, a identificação das necessidades nacionais de tecnologia e a cooperação internacional voluntária e orientada à ação, e consideraremos o papel das abordagens setoriais cooperativas e de ações setoriais específicas, em conformidade com a Convenção".
No fundo, a Cúpula endossou a posição dos Estados Unidos, que só se comprometeu até hoje a tentar resolver os problemas das emissões responsáveis pelo aquecimento da Terra através do desenvolvimento de novas tecnologias, deixando por conta da iniciativa privada sua adoção. Essa posição de laissez-faire ignora que já existem inúmeras tecnologias disponíveis, cuja adoção poderá reduzir e até eliminar os problemas do futuro, e que o problema é adotar políticas que levem à sua adoção. Novas tecnologias são bem-vindas, mas não é necessário postergar ações que podem ser tomadas hoje.
Um exemplo é a adoção, pela União Européia, de metas de atingir 20% de energias renováveis em seu sistema energético até o ano 2020. Esperava-se da cúpula a reafirmação dessas políticas e o seu aprofundamento e que fossem dadas instruções claras aos negociadores que preparam um protocolo que substitua o Protocolo de Kyoto até 2009, o que não aconteceu.
Poder-se-ia perguntar quais os benefícios para o Brasil resultantes da sua participação na cúpula. Os áulicos do governo poderão dizer que o presidente da República conseguiu "cinco minutos de glória" ao fazer uma preleção aos chefes de Estado das grandes potências sobre emissões de gases do efeito estufa e que o Brasil é um modesto contribuidor (18o na lista encabeçada pelos Estados Unidos e China). Ao que parece, contudo, o presidente omitiu as emissões da Amazônia, que nos colocam como o 4o maior emissor mundial. Essa omissão não passou desapercebida e não vai ajudar a credibilidade do país.
A nosso ver, o Brasil perdeu boa oportunidade de conquistar posição de liderança - que é merecida, devido à nossa matriz energética limpa -, apontando a insensatez do modelo de desenvolvimento predatório atual não só dos Estados Unidos como também da China e Índia (e do próprio Brasil, na Amazônia), sugerindo medidas práticas que mudassem esse modelo a tempo de evitar mudanças irreversíveis no clima do planeta.
CB, 17/07/2008, Opinião, p. 29
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