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Claudia Andujar conta experiência com os ianomâmis

Uol - 27ª Bienal Internacional de São Paulo
09 de Out de 2006

A fotógrafa Claudia Andujar, 75, apresentará na 27ª Bienal de São Paulo uma série de fotografias feitas com os índios ianomâmis, de 1980 a 1983, nos Estados do Amazonas e Roraima.

Andujar, que nasceu na Suíça e vive no Brasil desde 1955, acompanha a vida dos ianomâmis desde 1971, quando deixou o fotojornalismo (que realizava para revistas como a americana "Time" e a brasileira "Realidade") para se dedicar a um trabalho autoral.

Leia abaixo a íntegra do depoimento da fotógrafa:

CLAUDIA ANDUJAR

A proposta que resultou nesse trabalho na verdade não foi a de fazer uma memória fotográfica. É um trabalho feito entre 1980 e 1983, para realizar uma primeira vacinação e levantamento de saúde. Eram fotografias feitas para juntar a uma ficha de saúde.

Vou explicar porque os números. Os números porque os ianomâmis tradicionais não têm nomes. Eles, entre si, numa comunidade, se identificam pelo grau de parentesco. Isso quer dizer que tem a família nuclear --mãe, pai, filhos-- e depois tem os irmãos, os avós, enfim.
Eles nunca usaram nomes próprios. Então, para nós, que ficamos um tempo curto para poder identificar os ianomâmis e colocar essas fotografias em fichas de saúde, tínhamos que utilizar números, era uma maneira de identificação.

Os números encima de pessoas na nossa cultura são sempre para controlar. Então, você tem a polícia que usa números, nos campos de concentração se usavam números...

Agora, vendo assim uma sala cheia de gente com números tem um impacto e eu acho que vai dar um questionamento também.
Por que esses índios com esses números? E é isso que eu quero alcançar na Bienal.

Nessa exposição aqui são essencialmente imagens de seis regiões. Acontece que, em cada região, tinha um tipo de construção onde eu tirei as fotografias que já eram construções fora do padrão da cultura tradicional.

Vendo o conjunto de fotos, a gente um pouco reconhece também o lugar em que foram feitas, pela construção ou pela falta de construção.
Por exemplo, a foto que o Sílvio está agora colocando (veja o vídeo), ela foi feita na mesma comunidade do que a foto 35.

Nessa comunidade, eles já sofreram o impacto do garimpo que se estabeleceu naquela região. Começou nos anos 1970. Então, a idéia seria juntar uma série que representa pessoas um pouco com os mesmos problemas.
Então você tem as pessoas, mas você tem também a marca do tipo de contato com o qual eles entraram no nosso mundo.

Por exemplo: aqui tem essa mulher que estava vivendo perto do garimpo e no garimpo sempre tinham as mulheres à disposição dos homens. E ela fez as sobrancelhas, ela usou batom, para se assimilar, porque para ela, era o que ela conhecia. Para ela, a civilização era isso, a nossa civilização.

Os garimpeiros, na época da demarcação do território, foram retirados em grande número, porque na época tinha no Brasil aproximadamente 12 mil ianomâmis e 20 mil garimpeiros na área. Então, você pode imaginar o que significou.

Inclusive, a situação atual é muito preocupante, porque eles estão voltando para a área ianomâmi. Sem controle nenhum. E estão voltando junto também com as doenças.

A Bienal focaliza o tema "Como viver Junto". Então, o meu questionamento, e eu sei que é também dos ianomâmis, se esse viver junto com o resto do mundo, com os não-índios, é possível ou não.
Ainda há dois dias atrás (8 de agosto) eu estava conversando com um ianomâmi, que é hoje uma grande liderança, e eu fiz a pergunta a ele.
O que você acha de viver junto?

E ele falou: isso é muito difícil. É difícil porque não têm respeito por nós. E não ter respeito é um problema grave. É um problema de não considerar essa gente como iguais. Então, isso quer dizer que eles não têm os mesmos direitos. Mas a gente luta para que, devagarzinho, um realmente aceite o outro em pé igual e se cria um respeito pela população do mundo. É isso que eu gostaria de transmitir com esse trabalho.

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