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Cinta Larga estão abandonados

A Crítica, Cidades, p. C3
12 de Nov de 2003

Cinta Larga estão abandonados
Indigenistas e entidades protetoras dos grupos tribais denunciam que convivência com garimpeiros prejudica índios

Gisele Vaz e Antônio Lima
Da equipe de A Crítica

Uma etnia ameaçada de extinção. É assim que indigenistas e pessoas ligadas a entidades de proteção ao índio analisam a situação dos Cinta Larga, que vivem na Reserva Roosevelt (a 600 quilômetros de Porto Velho/RO). Há 40 anos eles formavam um grupo de 6 mil pessoas, hoje são apenas 1,3 mil, divididos nas 32 aldeias que ficam espalhadas nos 2 milhões e 7 mil hectares de reserva.
A situação dos índios Cinta Larga é de completo abandono. A afirmação é do presidente da Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas dos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas (Cunpir), Antenor Caritiano. De acordo com ele, três anos de convivência com os garimpeiros foram suficientes para fazer com que os índios perdessem boa parte da cultura da etnia. A influência levou os Cinta Larga a se tornarem viciados em droga e a se prostituírem. "Uma fatia muito pequena dos índios se beneficia da riqueza explorada nos garimpos da reserva. Hoje, não são mais os garimpeiros que têm o poder de manipulação sobre os índios, e sim os funcionários da Funai", denuncia o coordenador. Sempre em contato com os Cinta Larga, Agenor conta que os caciques ganham muito dinheiro, porém, não investem nas comunidades. Segundo ele, o povo Cinta Larga está acabando aos poucos e o descaso das autoridades responsáveis é um dos principais motivos.
Polêmica
Os caciques conhecidos como Raimundinho Cinta Larga, Tataré Cinta Larga, Nacoça Piu Cinta Larga, Roberto Carlos Cinta Larga, Uitá Cinta Larga, João Bravo Cinta Larga e Vicente Cinta Larga cobram percentagens dos garimpeiros, valores que variam de R$ 40 a 100 mil, por produção, mas não investem o dinheiro que ganham nas comunidades. "Todos eles têm de dois a três carros, boas casas na cidade e comandam a saída de diamante da reserva. Não sei dizer o que eles fazem com o dinheiro que recebem, pois as comunidades não têm a mínima estrutura necessária para sobreviver; em alguns casos falta comida", disse o coordenador, frisando que não existe assistência médica e que há crianças e adultos desnutridos. Todas as informações passadas por Agenor foram confirmadas por um funcionário do governo de Rondônia. Ele disse que visitava a reserva com freqüência antes da explosão dos conflitos entre índios e garimpeiros.
Segundo ele, um exemplo,de organização é o cacique João Bravo Cinta Larga. "Na aldeia dele tem criação de gado, peixes, tem escola e posto de saúde", disse o funcionário, acrescentando que João Bravo tenta ajudar os índios que vivem sob sua proteção incentivando-os a plantar.

Crianças ficam sem assistência
Para o antropólogo Eduardo Nogueira, professor da Universidade Federal de Rondônia, o importante seria estimular as comunidades indígenas da Reserva Roosevelt a imitarem a iniciativa do cacique João Bravo Cinta Larga . "Em cada aldeia, há homens, mulheres, velhos e moços, muitos dos quais não podem trabalhar. 0 problema mais grave é o futuro das crianças."
Observa que, às vezes, os caciques, ganhando muito dinheiro, no afã de comprar carro e outras coisas se esquecem de cuidar de quem precisa e do futuro das crianças. "Em várias aldeias há crianças subnutridas e isso é ruim. Há idosos que são uma reserva de conhecimento, de sabedoria e, nesse esquema mercantil, se esquecem deles, porque não produzem. Mas eles são os transmissores das tradições e da sabedoria dos Cinta Larga."
O deputado Haroldo Santos (PSDB) preside uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembléia Legislativa de Rondônia para investigar as denúncias de irregularidades na Reserva Roosevelt. Ele conta que, em 15 dias de trabalho, os membros da CPI ouviram 20 pessoas, entre elas o delegado, a promotora, o juiz do Município de Espigão do Oeste e o bispo de Porto Velho, dom Moacir Greche. Todos confirmaram as denúncias dos garimpeiros sobre o envolvimento de pessoas ligadas à Funai e à Policia Federal na exploração de diamantes. De acordo com ele, o enriquecimento dos caciques e a pobreza em que vivem os índios ficaram comprovados pelo depoimento de pessoas ligadas à Igreja Católica que têm acesso às aldeias.
"Não conseguimos ouvir nenhum dos caciques. Os responsáveis pela Funai no Município de Cacoal disseram que estão esperando uma resposta de Brasília. Mas conforme os depoimentos, já dá para perceber que existe alguém manipulando os índios e ganhando com isso. E existe suspeita de lavagem de dinheiro de lideres do tráfico da Colômbia", disse o deputado.

Coordenador acusa garimpeiros
A Fundação Nacional do Índio (Funai) reagiu às denúncias de assassinatos e incitação à violência nas Terras Indígenas (TIs) Roosevelt, Serra Morena, Aripuanã e Parque do Aripuanã, no Estado de Rondônia, onde está localizado um dos maiores garimpos de diamante do mundo, de propriedade dos Cinta Larga. 0 coordenador do Grupo Tarefa da Funai, Walter Blos, instituído para realizar a expulsão dos garimpeiros da TIs, disse não ter dúvidas de que esse movimento é uma campanha tendenciosa do sindicato dos garimpeiros, de financiadores do garimpo e até de grupos ligados ao crime organizado para denegrir a imagem dos 1,3 mil índios que lá vivem e fragilizar as ações da Funai.
0 servidor da Funai não chegou a acusar publicamente o governador de Rondônia, Ivo Casol, de participar diretamente dessa mobilização contra os índios Cinta Larga, mas declarou que a Companhia de Mineração do Estado tem interesse direto na abertura do garimpo de diamantes. A prova é que Casol enviou um documento ao Ministério da justiça solicitando a abertura da área de mineração propondo que a empresa estatal seja a comercializadora das pedras preciosas. Pelo que foi dito pelo presidente da
fundação, Mércio Pereira Gomes, o governador não será atendido em seu pedido porque a Constituição brasileira (artigo 231, parágrafo 30) proíbe qualquer exploração de riquezas minerais e recursos hídricos em terras indígenas sem a anuência do Congresso Nacional e autorização das comunidades, que têm direito a participação nos resultados.
Blos admite que há um clima de tensão na região do garimpo desde que os Cinta Larga, em janeiro de 2003, decidiram não mais permitir a presença de garimpeiros em suas terras e querem, "com essas notícias mentirosas" forçar a reabertura do garimpo, descoberto no final de 1999. Desde então, mais de 15 mil garimpeiros passaram pela região. Juntas, as quatro terras indígenas têm 2,7 milhões de hectares.
A utilização de armas pelos índios e o envolvimento de funcionários da Funai e da Polícia Federal na exploração de diamantes também foram negados. Segundo ele, até agora ninguém apresentou nomes de servidores.
"A intenção é colocar a opinião pública contra os índios. Não se pode afirmar que as mortes ocorridas no interior da terra indígena tenham sido praticadas por índios Cinta Larga. 0 mais provável é que sejam resultado de brigas entre os próprios garimpeiros", declarou Blos. Ele disse que foi instaurado inquérito policial para apurar essas mortes.'

Pelos índios
Exploração é legal
0 presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, informou que a exploração dos diamantes por parte dos índios Cinta Larga não é ilegal porque estão fazendo o usufruto de suas riquezas, como prevê o parágrafo 2o do artigo 231 da Constituição Federal. Desde que os garimpeiros foram expulsos, no início deste ano, a Funai, os Ministérios da justiça e de Minas e Energia estão discutindo uma forma de regulamentação de exploração mineral ou de outras riquezas em terras indígenas.
A tarefa está a cargo do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e uma portaria deverá sair no ano que vem para pôr fim à situação. "Enquanto a legislação não vem, os índios podem trabalhar no garimpo ou na extração de madeira porque as áreas lhe pertencem. 0 que não vamos permitir é que terceiros invadam terras demarcadas e explorem as riquezas como se fossem suas"; disse Mércio Gomes.

Governador nega envolvimento
0 governador de Rondônia, Ivo Casol, responsabiliza o Governo Federal, principalmente a Fundação Nacional do Índio (Funai), pelos conflitos entre índios da Reserva Roosevelt e garimpeiros na disputa pela extração de diamantes na maior jazida no mundo, localizada no Estado. Também nega qualquer envolvimento da administração pública ou interesses privados na exploração do minério. "0 que sempre buscamos com as autoridades e o Ministério da justiça foi maior empenho para pôr fim às atrocidades cometidas pelos índios ao longo desses anos", declarou o governador.
Ivo Casol disse que não é de hoje que pessoas são seduzidas pelos índios Cinta Larga para trabalhar no garimpo e depois são assassinadas por eles. Garimpeiros são convidados a explorar, clandestinamente, a jazida de diamantes, desde que levem equipamentos e mantimentos, mas sempre correm o risco de ser eliminados pelos supostos "patrões". Afirma que o Estado se sente impotente até mesmo para retirar os corpos de dentro da reserva porque a Funai não dá autorização.
0 governador rondoniense admitiu ter solicitado ao ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos, uma solução para o problema do garimpo clandestino. Propôs a regularização da área de exploração com a participação da Companhia de Mineração do Estado, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, a fim de fazer a comercialização dos diamantes, mas até agora diz não ter recebido nenhuma resposta do Governo, assim como de nenhum pedido de providência para pôr fim os conflitos em Rondônia. Ivo Casol negou qualquer tentativa por parte da Funai para a realização de um trabalho conjunto na terra indígena Roosevelt. "Vou continuar a gritar que a nossa riqueza está sendo roubada, contrabandeada para fora do País com o envolvimento de índios, brancos e até mesmo de integrantes da facção criminosa PCC, que estaria explorando a jazida para financiar o crime organizado no País".

A Crítica, 12/11/2003, Cidades, p. C3

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