VOLTAR

Cientista pede 'genoma' da biodiversidade

FSP, Ciencia, p.A2
26 de Fev de 2005

Cientista pede "genoma" da biodiversidade
Edward Wilson, de Harvard, diz que classificar organismos é essencial para combater fome e doenças emergentes
Cláudio ÂngeloEnviado especial a Washington O resgate de uma ciência quase esquecida pode ajudar o mundo a garantir a segurança alimentar de bilhões de pessoas e atacar pela raiz a ameaça das doenças emergentes. O apelo foi feito por um painel de cientistas nos Estados Unidos, liderado por um dos maiores biólogos vivos.Esse biólogo é o americano Edward Osborne Wilson, professor da Universidade Harvard, o especialista em formigas que cunhou a palavra "biodiversidade" e ajudou a fundar a disciplina da sociobiologia. A ciência que Wilson e seus colegas querem devolver ao pedestal é a taxonomia, ou sistemática, ramo da biologia encarregado de classificar os organismos -e que, em tempos de genoma, vem sendo deixado em segundo plano, muitas vezes sob o apelido de "coleção de selos".Na última segunda-feira, no encerramento da reunião anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Washington, Wilson defendeu a realização de um "projeto genoma" da biodiversidade da Terra. "Ao custo de um projeto genoma humano, uma biblioteca virtual com todas as espécies do planeta pode ser publicada no tempo de vida de uma geração", disse.Wilson comparou a biologia de organismos e a sistemática à biologia celular e molecular, para onde o grosso dos recursos de pesquisa tem ido nas últimas décadas. "A biologia molecular e celular tem recebido tanta atenção porque ela é fundamental para a saúde pessoal humana. A biologia de organismos é fundamental para a saúde ambiental, portanto, para a saúde pública."Os esforços dos taxonomistas devem se voltar para a construção de uma base de dados digital com fotografias detalhadas de cada espécie viva, e a finalização da chamada "árvore da vida", um conjunto de informações genômicas sobre a relação evolutiva entre os diversos grupos de seres vivos a partir de um ancestral comum. Esses esforços já vêm sendo feitos, mas a passos lentos. "Como tornar um levantamento global da biodiversidade tão atraente para os políticos quanto o genoma?"UrgênciaPara Peter Raven, do Jardim Botânico do Missouri, o que quer que seja deve ser feito logo. "As extinções nos obrigam a avançar. Se considerarmos só a destruição dos habitats, um terço das espécies podem estar extintas no fim deste século", disse.Segundo Raven, a sistemática pode ser a base para a descoberta de novos produtos -como vem mostrando a fecunda indústria da biotecnologia nos EUA, que usa taxonomistas para prospectar novas espécies de microrganismos com potencial de produzir a base para novos medicamentos.O taxonomista Dan Brooks, da Universidade de Toronto, no Canadá, defende o uso imediato da sistemática na contenção das doenças emergentes, como a Aids e a Sars. "A crise da biodiversidade é mais do que extinção. É uma crise de espécies introduzidas e de doenças emergentes. Mas nem todo mundo faz essa ligação."O elo, segundo Brooks, fica claro quando se leva em conta que mais de metade das espécies do planeta são parasitas -e a maioria delas ainda é desconhecida. Segundo ele, a descrição e o conhecimento de cada espécie de parasita tornaria possível fazer "avaliação de risco em vez de mitigação" de epidemias.Um caso no qual o próprio Brooks trabalhou foi a identificação de um carrapato que parasita veados numa reserva biológica na Costa Rica, muito semelhante ao vetor da doença de Lyme, que ataca animais selvagens e humanos nos EUA. "Um turista americano poderia introduzir a doença de Lyme na Costa Rica."Para realizar uma avaliação de risco global, diz Brooks, será necessário obter o chamado código de barras (uma seqüência genética que permita identificar imediatamente cada espécie) de todos os animais em 20 anos. E, então, documentar a dinâmica de transmissão de doenças. "A taxonomia tradicional permanece essencial", disse o pesquisador.
Wilson revê tese sobre altruísmo
Do enviado a Washington Aos 75 anos, E. O. Wilson está aposentado como professor de Harvard. Mas longe, muito longe, de parar de trabalhar. Tem um livro a ser lançado neste ano e deve publicar nos próximos meses um artigo no qual desmonta um conceito caro à biologia evolutiva e que serviu de apoio a vários de seus estudos: o de seleção familiar.Introduzida pelo biólogo William Hamilton, a idéia de seleção familiar explica o altruísmo em sociedades animais -quando o egoísmo deveria dominar- com base em graus de parentesco.Uma formiga operária ajudaria a colônia porque todos os seus habitantes são parentes. Portanto, mesmo que ela morra, alguns de seus genes sobreviveriam. "Essa idéia está errada", disse Wilson à Folha. Para ele, o que entra em ação é um mecanismo de seleção de grupo, no qual toda a população é objeto de seleção natural -e não o indivíduo. "Os especialistas que leram o artigo até agora concordam", sorri, sem querer dar detalhes sobre a teoria. (CA)
FSP, 26/02/2005, p.A2 Especial

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.