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Ciência a salvo

O Globo, Tema em Discussão, p. 6
Autor: NHUCH, Simone Kamenetz
25 de Dez de 2003

Tema em discussão: Transgênicos

Nossa Opinião

Ciência a salvo

Permanece no projeto do governo sobre transgênicos, que está tramitando na Câmara dos Deputados, a criação do Conselho Nacional de Biossegurança, que tomará as decisões finais sobre a liberação de organismos geneticamente modificados. Será um conselho integrado por ministros, portanto um órgão político, ao qual a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) apenas prestará assessoria. É um claro equívoco, porque o tema é complexo e as decisões a seu respeito exigem conhecimento técnico especializado.
No entanto, o prejuízo é parcial e poderá ser sanado mais adiante, porque o assessor do projeto, deputado Aldo Rebelo, agindo com sabedoria, cuidou de separar plantio e comercialização de transgênicos da autorização para pesquisas em biotecnologia, que continuará a cargo da CTNBio.
Isso permitirá que a ciência e a tecnologia - que, particularmente graças ao trabalho da Embrapa, já deram contribuições muito valiosas para a agricultura brasileira, especialmente no caso da soja - continuem progredindo, livres dos obstáculos impostos pela equivocada visão ideológica da questão que continua a prevalecer em parte do governo.
Desta forma, quando a nacionalidade voltar a se impor (o que certamente não tardará muito, e provavelmente tomará a forma de uma imperiosa necessidade de preservar mercados de exportação ameaçados pela competição de safras transgênicas de outros países), será possível recuperar o atraso sem maiores dificuldades. Não ficaremos dependentes da importação de tecnologia desenvolvida no exterior por grandes empresas multinacionais.

Outra opinião
Persiste a dúvida
Simone Kamenetz Nhuch
Muito se tem escrito e falado a respeito dos transgênicos. Mesmo assim, dúvidas persistem entre os consumidores brasileiros acerca do que sejam os organismos geneticamente modificados. Seriam eles realmente perigosos à saúde e nocivos ao meio ambiente? Seriam necessários à evolução social e econômica do país e do mundo?
O cerne da polêmica encontra-se na ausência de informações e no evidente interesse econômico que sempre cerca qualquer possibilidade de evolução científica. Riscos como o surgimento de super-pragas, extinção de insetos benéficos, contaminação do solo pelas
toxinas produzidas pelas plantas transgênicas, reações alérgicas, resistência da flora intestinal a antibióticos existem e ainda não foram comprovadamente descartados. Diferentemente do que alegam aqueles a favor dos OGMs, não é a prova da existência de tais riscos que deve nortear o processo de aprovação de sua produção, mas sim a comprovação de ausência de tais riscos - ou seja, neste caso cabe indubitavelmente a inversão do ônus da prova. Mas não é isso o que pretendem os maiores produtores de plantas transgênicas, como os EUA, a Argentina, o Canadá e a Austrália, que em reunião sobre o Protocolo de Biossegurança de Cartagena, na Colômbia, pressionaram para que o tratado determinasse a recusa aos OGMs apenas nos casos em que fosse comprovada a possibilidade de dano ambiental:
Outra questão de suma relevância é o monopólio de poucas grandes empresas sobre as sementes transgênicas. Já preocupadas com a possibilidade de ter suas sementes replantadas, sem o devido pagamento dos royalties pelos agricultores, as empresas agrobiotecnológicas passaram a fabricar sementes "suicidas", conhecidas como terminator,impedindo a produção de sementes pelos agricultores, obrigando-os a pagar, a cada plantio, pelo direito de uso das sementes para uma safra. Essa atitude esvazia parte da argumentação desenvolvida para defender a proliferação dos alimentos transgênicos, qual seja, a visão de que os OGMs possam ser usados como instrumento no combate à fome mundial, uma vez que fica clara a dependência que se vai estabelecer entre países pobres e ricos. Fato é que a maior causa da fome no mundo não é a falta de alimentos, mas a sua má distribuição. Se toda a comida produzida no mundo fosse igualmente distribuída pelos seus habitantes, cada ser humano teria à sua disposição 2.760 calorias por dia.
Simone Kamenetz Nhuch é advogada.

O Globo, 25/12/2003, Tema em Discussão, p. 6

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