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Cidades imóveis

FSP, Mais, p. 3
14 de Jan de 2007

Cidades imóveis
Pela primeira vez, em algum momento do ano de 2007, a população urbana vai ultrapassar a do setor rural

Eduardo Geraque
Da reportagem local

E m 1996, as leis que regulamentavam o uso da terra em Loja, Equador, permitiam que a cidade andina crescesse como qualquer outra cidade latino-americana: sem ordem nenhuma. Os ônibus e os carros poluíam o ar. O desmatamento aumentava a erosão dos rios. O lixo se acumulava nos arredores da região pobre, que conta hoje com 160 mil habitantes.
Dez anos depois, Loja passaria a ser conhecida pelo título de "cidade ecológica e saudável". A história de como ela chegou lá é relatada no livro "Estado do Mundo 2007", publicação anual da ONG ambientalista Worldwatch Institute, dos Estados Unidos.
O livro conta várias histórias de sucesso -algo raro nas publicações tradicionalmente alarmistas do Worldwatch-, mas lança olhos preocupados para o desafio ambiental representado pelas cidades.
Em, 2007, pela primeira vez na história da humanidade, a população global estará fixada mais na cidade do que no campo. O desafio maior estará em regiões como a América Latina e a África, onde as cidades (que hoje ocupam apenas 0,4% da superfície do planeta), vão crescer ainda mais do que no restante do mundo.
No geral, por consumirem 75% de todo o combustível fóssil usado na Terra, as cidades são consideradas hoje as grandes vilãs do aumento do efeito estufa. Mas também são suas maiores vítimas: das 33 metrópoles que devem ter mais de 8 milhões de pessoas em 2015, 21 delas estão na perigosa zona ameaçada pelo nível do mar.
E o concreto usado nas cidades, não gera um impacto ambiental gigantesco? Segundo o livro, a indústria da construção é responsável por um terço das emissões globais de dióxido de carbono. Só em 1997 se produziu 1,5 bilhão de toneladas de cimento sobre a Terra. Essa atividade lançou mais carbono na atmosfera do que toda a produção do Japão deste ano.
Loja, claro, é uma cidade pequena. Mas os prêmios internacionais acumulados pelo município servem pelo menos para que as iniciativas tomadas lá sejam estudadas.
As medidas foram pontuais, segundo escreve o ambientalista americano Rob Crauderueff. Mas, ao mesmo tempo, sistêmicas. O uso da terra foi regulado. Algumas propriedades tiveram de transformar 20% de suas áreas em parques públicos. Com espaço disponível para os exercícios diários, a população viu até seus índices de obesidade e diabetes caírem.
Gasolina para os veículos, só sem chumbo. Do total de lixo orgânico produzido em toda a cidade, 100% passou a ser reciclado. Do inorgânico, a marca está em 50%.
Esse programa deu certo, segundo o livro, porque tanto a população como o poder público cumpriram com os seus papéis. Mais de 95% dos moradores acataram a reciclagem.

Visão de conjunto
Várias ressalvas podem ser feitas sobre as experiências nos Andes, mas a visão sobre o todo, e não apenas para cada uma das partes, pode ser útil para qualquer grande conglomerado urbano do mundo, diz o texto.
Para Alexandre Gomide, diretor de cooperação e desenvolvimento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), apenas um planejamento realmente sistêmico poderá evitar a imobilidade dos moradores das grandes cidades que hoje já gastam muito tempo de suas vidas nos congestionamentos. "É preciso pensar nos transportes coletivos, nos meios de transporte individuais e em como será o uso e a ocupação do solo", disse o pesquisador à Folha.
O Brasil tem até um exemplo para mostrar ao mundo. O sistema equivalente a um metrô de superfície, desenvolvido na cidade de Curitiba -o arquiteto Jaime Lerner é um dos únicos brasileiros que escrevem no livro-, já foi copiado em Bogotá, com adaptações, e mais recentemente na Cidade do México, como o nome de Metrobus. Mas mesmo essa iniciativa já apresenta algumas limitações, ainda mais nos chamados horários de pico.

Poluição ativa
Também adepto dessa necessidade sistêmica de ver as cidades, Paulo Saldiva, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, já trocou faz tempo o automóvel pela bicicleta. Sem querer alarmar a população, mas baseado em estudos feitos pela equipe dele, o médico costuma repetir um dado cru, que mostra outro impacto negativo das cidades, que tem uma relação regional, como outra global.
"Os grandes problemas em São Paulo e quase que no mundo inteiro [no caso da poluição do ar] são o ozônio e o material particulado. Isso, sem dúvida, é um problema de saúde pública. Cada habitante de São Paulo, apenas ao respirar, tem sobre si um impacto equivalente ao de fumar quase dois cigarros por dia. No Instituto do Coração, de cada cem consultas no pronto-socorro, 12 são atribuídas à poluição do ar. Podemos dizer que isso provoca dez mortes todos os dias na cidade".
Tanto o cientista quanto qualquer habitante das cidades, além de se deslocarem e de respirarem, também emitem carbono para atmosfera, bebem água e consomem produtos em geral. E ainda vão ao banheiro.
Um dos desafios cruciais, segundo o "Estado do Mundo", é criar cidades mais saudáveis com saneamento e ar limpo, por exemplo, e ainda por cima menos poluidoras.

FSP, 14/01/2007, Mais, p. 3

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