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Cidade recorre a Chávez contra demarcação

FSP, Brasil, p. A13
24 de Abr de 2005

Cidade recorre a Chávez contra demarcação
Prefeito de Pacaraima pede audiência com o presidente venezuelano contra homologação de reserva indígena

José Maschio
Da agência Folha, em Pacaraima (RR)

A população de Pacaraima (219 km de Boa Vista, Roraima), na fronteira com a Venezuela, está revoltada com a ameaça de extinção de seu município com a homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Essa revolta gerou um sentimento anti-Lula e anti-PT no município e a busca de socorro ao presidente do país vizinho, Hugo Chávez.
Na cidade, que possui 7.300 habitantes, somadas as zonas urbana e rural, são comuns pichações em muros, nas quais o presidente Lula é tratado como "traidor" e "covarde".
Os carros chegam a trafegar pelas ruas do município com mensagens escritas na lataria como "Roraima também é Brasil", "Lula covarde" e "Lula traidor".
Também é quase consensual entre os moradores que foram ouvidos pela Folha que o presidente Chávez teria posição diferente a respeito da homologação.
O presidente da Associação Comercial de Pacaraima, o mineiro Severo Bacetti, 42, afirma que as "mesmas pressões internacionais para despovoar a região existem no lado venezuelano, mas o presidente Chávez considera Santa Elena de Uiarén [cidade venezuelana vizinha de Pacaraima] área de segurança nacional".
Ajuda internacional
A homologação da reserva, que seria um problema nacional, ganhou contorno internacional depois que o prefeito Paulo César Justo Quartiero (PDT), 52, pediu ajuda na última semana ao alcalde (equivalente a prefeito) de Santa Elena de Uiarén, o chavista Manuel de Jesus Vallez, para marcar uma audiência com o presidente venezuelano.
O prefeito justifica a "internacionalização" do problema: segundo Quartiero, Pacaraima é a mais densa povoação do Brasil no extremo norte brasileiro.
"É mais que estratégico, não só em termos de geopolítica brasileira mas também latino-americana, uma vez que é o nosso ponto mais próximo da nação hegemônica [os EUA]", diz.
O prefeito lembra que os Estados Unidos possuem conselheiros militares nas vizinhas Colômbia e Guiana e que "o despovoamento dessa região no Brasil vai provocar um isolamento ainda maior da Venezuela".
A portaria do presidente Lula de 13 de abril último, que homologou a reserva, avançou sobre o que restava de áreas do município de Pacaraima. Em 1991, com a criação da reserva São Marcos, a parte urbana da cidade já havia sido anexada à reserva.
Desde essa época, a disputa dos moradores é na Justiça.
Existem 497 ações judiciais da União contra proprietários de casas e de lojas comerciais de Pacaraima. Em cem dessas ações, os proprietários já foram intimados a sair de suas propriedades.
O presidente da associação comercial é um desses intimados. Os terrenos onde estão sua papelaria e três outras lojas são reivindicados pela União. Ele chegou à cidade em 1990 e afirma que, apesar da homologação da reserva São Marcos, em 1991, o município continuou crescendo, "graças a uma relação comercial vantajosa para o Brasil com a Venezuela".
O comércio de Pacaraima abastece a vizinha Santa Elena de Uiarén com confecções, aves, carne bovina, frios e madeira.
Da Venezuela, chegam gasolina -contrabandeada-, cerveja e leite em pó.
Em Santa Elena de Uiarén, são comuns filas de picapes brasileiras buscando gasolina venezuelana a R$ 0,30 o litro, que é vendida a R$ 2,00 em Boa Vista.
Nos postos da capital de Roraima, a gasolina brasileira custa R$ 2,55 o litro. Essa facilidade seduziu índios da reserva São Marcos, em Sorocaima -vilarejo taurepangue-, que vendem o litro da gasolina venezuelana a R$ 1,40.
A revolta dos moradores de Pacaraima atinge também os índios que apóiam a reserva de forma contínua. A campanha dos moradores é para que a reserva fosse homologada em ilhas -que fossem respeitadas as propriedades de fazendeiros e as áreas urbanas.
Os índios da reserva São Marcos (onde vivem índios macuxis, taurepangues, ingaricós e uapixanas), que defendem a homologação contínua, dizem que estão sofrendo discriminação da população não indígena de Pacaraima.
"Não vou falar nada, porque está difícil agüentar a perseguição em Pacaraima contra a gente. [Os moradores] já ameaçaram nosso povo", disse um índio macuxi, que estava no centro Macunaíma e pediu para não ser identificado.
O centro é onde está localizada a administração da reserva São Marcos, com um posto da Funai (Fundação Nacional do Índio) e ONGs (organizações não-governamentais) que apóiam a reserva contínua. O centro, distante menos de 30 km de Pacaraima, necessita da cidade para seu abastecimento e demandas de saúde.
Pressão
Na sexta-feira, quatro agentes da Polícia Rodoviária Federal foram feitos reféns por um grupo de índios macuxi, numa região conhecida como maloca do Flechal, em Uiramutã.
Na manhã de ontem, integrantes da Funai, da PF e do Exército embarcaram para o local para negociar a libertação dos reféns. A informação foi dada à Rádio Nacional pelo administrador regional da Funai, Gonçalo Teixeira.

Por TV e escola, índios apóiam arrozeiros de RR

Os produtores de arroz na área da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, conseguiram apoio de parte da comunidade indígena com programa de assistência social, que supre a ausência do Estado. Energia elétrica gratuita aos índios, auxílio à preparação de terra para a lavoura e a instalação de escolas perto das malocas fazem parte desse jogo de sedução.
A comunidade macuxi da maloca São Jorge, perto do distrito de Surumu (município de Pacaraima) e da fazenda Depósito, de 5.000 hectares, tem 108 habitantes. É liderada por João de Souza, 57, ex-tuxaua (líder indígena) e pai do atual tuxaua, Istepson Barbosa de Souza. Graças ao proprietário da fazenda, o prefeito Paulo César Justo Quartiero (PDT), a comunidade tem energia elétrica.
"Há oito anos, o dono da fazenda pediu para passar a linha de energia pela maloca. Eu era o tuxaua e aceitei. Ele deixou pontos de luz e hoje a gente pode ter geladeira, televisão e viver melhor", disse João de Souza.
Na maloca São Jorge, os índios são contra a homologação contínua. "A gente precisa do civilizado. Meu avô já vivia com seus limites e com os limites dos fazendeiros. Não sei por que querem isolar a gente novamente", disse.
Os índios da maloca vivem da caça e da exploração de rebanho bovino de 153 cabeças. "Se acabar o distrito, vai acabar a escola para nossos filhos", disse. (JM)

FSP, 24/04/2005, Brasil, p. A13

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