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Cidade da borracha surge no Centro-Oeste

OESP, Economia, p. B8
02 de Mai de 2014

Cidade da borracha surge no Centro-Oeste
Projeto em Cassilândia (MS) quer resgatar glórias de uma cultura quase esquecida

Alexa Salomão / Texto, José Francisco Diorio / Fotos, Enviados Especiais a Cassilândia (MS) - O Estado de São Paulo

O projeto informalmente batizado de Cidade da Borracha tem uma penca de números vistosos. Vai processar a produção de 20 milhões de seringueiras, as árvores que fornecem o látex, matéria-prima da borracha. As seringueiras estão espalhadas por 40 mil hectares, em 34 municípios de cinco Estados - Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Para se ter uma dimensão, isso equivaleria a uns 40 mil Maracanãs cobertos de seringueiras.
Mas o coração do empreendimento é um bairro planejado. Essencialmente uma agrovila, de nome Seringal, em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, que está sendo erguida em ritmo acelerado. No seu entorno estão sendo plantadas, desde 2006, 8 milhões de seringueiras - quase a metade das árvores previstas no projeto. Todo o complexo, que ainda inclui usina de beneficiamento e fábrica de produtos de borracha, vai demandar R$ 2 bilhões em investimentos.
O número mais surpreendente é o de investidores. Há 91 interessados, que passaram a formar a cultura na região ou que pretendem aderir ao projeto, fornecendo a matéria-prima de árvores já cultivadas. "Faltava um polo para a cultura, que vem crescendo fora da Amazônia, o habitat natural da planta. É isso que explica tamanha adesão", diz o idealizador do projeto Getúlio Ferreira Júnior, sócio-diretor da Cautex, empresa responsável pela gestão e implantação do complexo.
Quando estiver concluída, a cidade da borracha contará com residências, centro comercial, áreas de lazer, posto de saúde, creche, escola. O residencial é necessário para reunir a mão de obra. Apesar de todos os avanços tecnológicos, a extração do látex no século 21 é igual à do século 19, quando o Brasil viveu o primeiro ciclo da borracha. Como é necessário ter um seringueiro para cada 3 mil árvores, serão necessários quase 3 mil trabalhadores. Pelo menos metade poderá ter o lote. Cerca de 10% das casas serão concluídas até 2015. As primeiras serão entregue no fim deste mês.
Vários dos 600 funcionários que hoje trabalham nos viveiros, no plantio e na manutenção das jovens florestas de seringueiras estão de olho nas casas. O baiano Elenilson Fernandes dos Santos, de 31 anos, é um deles. "Todos os dias, no final do expediente, eu vou lá no conjunto e fico namorando as casinhas", diz. Santos chegou ao complexo em dezembro para trabalhar como auxiliar no plantio de árvores. A ambição e o fato de saber dirigir um trator lhe possibilitaram uma rápida ascensão. Hoje é líder de turma e chefia seis pessoas. Tudo que ele quer é trazer a esposa e o filho de um ano e seis meses. "Vamos ficar por aqui - já tiro R$ 2,2 mil por mês e lá não tinha nem salário mínimo", diz.
A região de Cassilândia não tem indústrias e os solos são frágeis para o cultivo de grãos. A principal atividade é a pecuária. Como o projeto vai atender grandes empresas e precisa funcionar como um relógio suíço, uma das preocupações da Cautex é formar e preservar a mão de obra com treinamento e bons salários - o que vem atraindo um crescente número de candidatos. Luciana Mendonça Pereira, de 33 anos, sente alívio por ter, há quatro meses, deixado o emprego em um frigorífico para cuidar de mudas de seringueiras em um dos viveiros abertos na região. "É muito melhor cuidar das plantas", diz ela. "Se depender de mim, não saio mais daqui."
Mas o florescimento da cultura tem atraído principalmente migrantes que, no boca a boca, ficam sabendo que uma nova cultura avança em Mato Grosso do Sul e precisa de trabalhadores. José Ribamar Moraes, de 45 anos, deixou o Piauí há nove meses. Francisco Moraes do Santos, de 21, saiu do Maranhão há seis meses. "Lá eu vivia de plantar uma roça, não era emprego."
Longo prazo. No que se refere aos investidores, a cultura exige capital e paciência. O plantio das árvores consome cerca de R$ 22 mil por hectare e a seringueira precisa de sete anos para começar a produzir. As primeiras árvores do complexo foram plantadas em 2006. "Reconheço que no País do curto prazo colocar dinheiro em algo que demora tanto para dar retorno parece estranho", diz Lúcio Machado, tradicional pecuarista da região. Machado tem orgulho de mostrar as 20 mil seringueiras que estão prestes a produzir em meio ao pasto de uma de suas fazendas de criação de zebu. Outras 60 mil estão sendo plantadas. "A explicação para a minha paciência é que estou de olho na aposentadoria", diz. A seringueira vive de 35 a 40 anos e a partir do momento em que o látex começa a ser colhido, o investidor tem uma renda mensal fixa. Segundo cálculo da Cautex, cada 100 mil árvores rende cerca de R$ 140 mil por mês.
Há outra vantagem. "Quando a seringueira deixa de produzir, ainda é possível vender a madeira", diz João Amaro, acionista da TAM e irmão do falecido fundador Rolim Amaro. Entusiasta da cultura, ele diz que alguns especialistas do setor garantem que a venda da madeira rende, descontada a inflação de décadas, cifra parecida à investida no plantio. "Se você cheirar uma caneca de látex lá na árvore, vai sentir um odor horrível de carniça, mas para quem entende o valor da cultura isso é perfume Channel N.o 5", diz.
A Cautex já está conversando com indústrias de pneus e tem a ambição de instalar um fabricante de luvas cirúrgicas no complexo. Quando a produção atingir o pico em 2023, serão produzidas 80 mil toneladas de borracha - o que representará um aumento de 60% em relação à atual produção nacional. A estimativa é de que o polo gere R$ 1,2 bilhão por ano. "O complexo trouxe ânimo econômico a uma região que não tinha muitas alternativas para crescer", diz Teresa Cristina Corrêa da Costa, ex-secretária de Desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, que acompanhou o projeto. "Estamos vendo o nascimento de um novo polo agroindustrial."

Brasil hoje responde por irrisório 1% da produção mundial

Em meados do século 19, quando a biopirataria era um conceito ainda sofisticado, o aventureiro inglês Henry Wickham percorreu a Amazônia recolhendo sementes de seringueiras. Várias foram conseguidas em Santarém, no Pará. De volta a Londres, procurou o Jardim Botânico com 70 mil sementes. Após uma seleção genética, as melhores foram transportadas para colônias inglesas na Ásia. Assim nasceu a hegemonia de Tailândia, Indonésia e Vietnã no mercado global da borracha. Os três países respondem hoje por 66% da produção e ditam os preços internacionais. O Brasil, que foi o líder até meados dos anos 40, tem apenas 1% da produção mundial e nem sequer é autossuficiente. O País importa quase dois terços do consumo nacional. Ainda há extração em mata nativa, mas 95% do látex vem de florestas cultivadas, principalmente em São Paulo, onde a cultura avança como uma alternativa de investimento. O Estado concentra 65% da produção nacional.

OESP, 02/05/2014, Economia, p. B8

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