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Cerrado terá plano de conservação

OESP, Vida, p. A13
07 de Set de 2009

Cerrado terá plano de conservação
Bioma perdeu quase 1 milhão de km2, 50% da área original, e terá monitoramento via satélite, como na Amazônia

Herton Escobar

O Ministério do Meio Ambiente planeja para esta semana o lançamento de um plano nacional de combate ao desmatamento no cerrado, semelhante ao que existe desde 2004 para a Amazônia. Entre as ações previstas está a criação de um sistema permanente de monitoramento do bioma via satélite, nos moldes do que já é feito desde 1988 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para a floresta amazônica.

Os dados serão cruciais para a elaboração de políticas públicas eficazes para o cerrado, que é o segundo maior bioma do País em extensão, mas costuma ser um dos últimos em prioridade de conservação. O mapeamento mais recente feito pelo ministério indica que quase 50% do cerrado já virou fumaça, com sua vegetação nativa substituída principalmente por pastagens e plantações.

Até 2002, a taxa de ocupação do bioma era de 42%, ou 857 mil quilômetros quadrados - uma área maior do que a soma dos territórios de São Paulo e Minas Gerais. Desde então, o cerrado continuou a encolher a uma taxa de 1% ao ano - cerca de 20 mil km², uma área equivalente à do Estado de Sergipe, segundo os novos cálculos do ministério, que foram atualizados até 2008. Com isso, a área devastada do bioma sobe para aproximadamente 1 milhão de km², ou cerca de 50% dos 2,04 milhões de km² de sua cobertura original.

Os números exatos deverão ser divulgados pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, na quinta-feira, véspera do Dia do Cerrado.

A taxa de 1% ao ano representa o dobro da velocidade de destruição da floresta amazônica, proporcionalmente ao tamanho de cada bioma, segundo o diretor de Conservação da Biodiversidade do ministério, Braulio Dias. A Amazônia brasileira tem 4,2 milhões de km², do quais 17% (cerca de 700 mil km²) já foram desmatados.

TENDÊNCIAS

Segundo Dias, a tendência do desmatamento no cerrado não parece ser nem de aumento nem de queda. Parece constante. "No cerrado não temos a vantagem de uma série histórica (desde 1988), como na Amazônia, o que dificulta um pouco fazer esse tipo de avaliação", observa Dias.

Até agora, o único retrato mais detalhado da ocupação do cerrado era o de 2002, produzido por um grande projeto de mapeamento chamado Probio. O que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) fez foi atualizar esse mapa e compará-lo a imagens de satélite do ano passado para produzir um novo retrato acumulado do desmatamento no período de 2002 a 2008.

A ideia, agora, é repetir esse estudo anualmente, de modo a acompanhar - e, se possível, controlar - o avanço da ocupação do bioma, que é a principal região de produção de carne e grãos do País. O resultado seria equivalente ao que é feito pelo sistema Prodes, que calcula as taxas anuais de desmatamento na Amazônia. O trabalho no cerrado ficará à cargo do Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, um órgão do MMA, enquanto o monitoramento da Amazônia é feito pelo Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

As principais frentes de avanço da fronteira agrícola hoje no cerrado estão no oeste da Bahia, sul do Maranhão, sudoeste do Piauí e norte de Mato Grosso, na fronteira com o bioma amazônico, segundo o levantamento do MMA.

NEGLIGÊNCIA

Já era tempo de o cerrado receber uma atenção especial do governo federal. O bioma, que se estende do litoral do Maranhão até o norte do Paraná e o sul de Mato Grosso do Sul, cobre cerca de um quarto do território brasileiro. É o segundo maior bioma da América do Sul, depois da Amazônia, e a savana de maior biodiversidade do mundo - apesar de não ostentar os leões, guepardos, elefantes e outros grandes mamíferos das savanas africanas.

O cerrado destaca-se principalmente pela sua diversidade florística, com quase 12 mil espécies descritas de plantas, muitas delas com propriedades medicinais e milhares delas endêmicas - ou seja, que só existem no cerrado. É provável que muitas dessas espécies com distribuição geográfica mais restrita já tenham sido extintas pelas monoculturas de gado e grãos que tomaram conta de seu hábitat nas últimas décadas, segundo os biólogos.

Uma das prioridades do novo plano de proteção do cerrado será a criação de unidades de conservação (UCs). Atualmente, só 11% do bioma está protegido legalmente por UCs estaduais, federais e terras indígenas, comparado a mais de 40% de áreas protegidas na Amazônia. O índice cai para menos de 3% quando se considera apenas as unidades de proteção integral (como os parques nacionais), onde não é permitida a prática de atividades comerciais - somente pesquisa e ecoturismo.

Já a categoria de uso sustentável (4% do bioma) inclui as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que podem acomodar áreas urbanas, agrícolas e industriais. O Distrito Federal, por exemplo, é quase todo uma APA.

O plano do ministério deverá trazer uma meta específica de criação de UCs no cerrado. Alguns projetos já estão em tramitação, mas o processo é lento por causa dos conflitos com o setor agrícola - que são ainda mais graves do que na Amazônia. "Está cada vez mais difícil criar unidades de conservação", afirma Dias.

Estudo coloca em xeque classificação como ''hotspot''

Herton Escobar

Ao mesmo tempo que ressaltam o estado vulnerável de conservação do cerrado, os novos dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) colocam em xeque a classificação do bioma como um "hotspot" de biodiversidade global.

O conceito, amplamente usado na literatura científica, foi criado em 1988 pelo ecólogo Norman Myers para definir áreas com grande número de espécies e altamente ameaçadas pela destruição de hábitat. Os critérios para entrar na lista são: abrigar pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e ter mais de 70% da área do bioma alterada pelo homem.

O cerrado passa fácil pelo primeiro critério: tem cerca de 4.400 espécies endêmicas de planta, segundo as estatísticas compiladas pela organização Conservação Internacional (CI). Já o segundo critério é colocado em dúvida pelos dados do MMA, segundo análise feita pelo Estado.

O livro Hotspots Revisited, publicado pela CI em 2004, utiliza como base para classificação do cerrado um estudo de 1998 (baseado em imagens de satélite de 1993), segundo o qual 79% do bioma já estava alterado pelo homem. "Nossos dados não chegam a esse limiar (de 70%)", disse o diretor de Conservação da Biodiversidade do MMA, Braulio Dias. Segundo o levantamento do ministério, 50% do bioma ainda está conservado de alguma forma.

"Na minha experiência, 50% parece ser um dado muito otimista", diz o biólogo brasileiro Gustavo Fonseca, um dos principais responsáveis pela classificação internacional de hotspots. Segundo ele, o critério de hotspot só considera como preservadas as áreas totalmente livres de ocupação humana.

A interpretação de imagens de satélite no cerrado é extremamente complicada. As paisagens variam muito naturalmente, tanto no espaço quanto no tempo. Um dos pontos mais polêmicos é a classificação das pastagens naturais - áreas de capim nativo que são usadas para alimentar o gado.

No estudo do MMA, elas foram consideradas como conservadas, porque, apesar do uso como pasto, mantêm sua cobertura vegetal original. "Só marcamos como desmatadas as áreas que foram 100% convertidas", explicou Dias. "Onde ainda há vegetação nativa, classificamos como remanescente."

Fonseca discorda. "É uma área que está sendo usada e que, portanto, já sofreu um certo grau de transformação. Não é mais um ecossistema original", avalia.

OESP, 07/09/2009, Vida, p. A13

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