Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: Washington Novaes
09 de Mai de 2003
Diz uma pesquisa nacional do Ministério do Meio Ambiente e do Iser que a floresta amazônica "é o principal motivo de orgulho dos brasileiros", com 28% das respostas espontâneas dos pesquisados em todo o País. Mas ela continua a ser - dizem outras notícias - fonte de forte preocupação. Seja pelo temor da devastação, seja porque se receie - com ou sem razão - que o maior repositório de biodiversidade e recursos hídricos do planeta acabe levando a interferências externas nessa região.
Embora a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se tenha manifestado recentemente a favor de "mudanças" na Amazônia - por causa do "modelo equivocado de reforma agrária e assentamentos" (que tem respondido por mais de 50% do desmatamento na região) -, várias notícias de jornais nas últimas semanas trazem preocupações de cientistas e ONGs quanto ao futuro dessa região. Mencionam, especialmente, os temores quanto ao planejamento federal para os próximos anos e, em particular, à manutenção dos chamados "eixos de desenvolvimento" (hidrovias, pavimentação de rodovias, abertura de outras, instalação de gasodutos, avanço da fronteira agropecuária, construção de megausinas hidrelétricas para exportar eletrointensivos), que foram até 2002 o centro da estratégia do governo federal para essa área.
A essas preocupações se somam outras, decorrentes das notícias de que faltará madeira no mercado interno a partir de 2004. Para que isso não aconteça seria preciso ampliar de 5 milhões para 11 milhões de hectares a área de florestas plantadas. Em carta ao presidente da República, as ONGs manifestam o temor de que para tanto se amplie o desmatamento (abrindo áreas para plantio) na mata atlântica e no cerrado - o que poderia ser facilitado pela transferência dessa área do Ministério do Meio Ambiente para o da Agricultura, como está sendo reivindicado pelas empresas do setor. Outros especialistas se preocupam com que essa carência não exija mais desmatamento na Amazônia (já que 86% de suas madeiras comercializadas se destinam ao mercado interno).
Seja o que for que se decida, não se pode admitir que permaneça a atual taxa de desmatamento de 54 quilômetros quadrados por dia, como alertou recentemente um especialista em biodiversidade, o almirante Ibsen de Gusmão Câmara. De 1975 a 2000, a área desmatada na Amazônia brasileira passou de 0,6% de seu território para 14,2%, aproximando-se de 600 mil quilômetros quadrados, com quase um terço sem nenhuma utilização econômica. E, não bastasse a exploração ilegal - que responde por 80% da madeira extraída -, as queimadas em 2002 bateram novo recorde, com quase o dobro do ano anterior.
Lançou-se no ano passado o programa Arpa, que pretende chegar a 12% de áreas protegidas em uma década (500 mil quilômetros quadrados em 23 ecorregiões).
É um avanço. Mas não é o suficiente, não garante, como tem advertido o mais respeitado dos especialistas em biodiversidade, Edward Wilson.
São muitas as questões complexas sobre a mesa. O Brasil tem tomado posição contra uma convenção internacional sobre florestas, dados os receios de nossa diplomacia e das Forças Armadas de que implique restrições à soberania (no uso de recursos naturais). Também tem sido contra a inclusão do mogno entre as espécies ameaçadas protegidas por outra convenção. Vai persistir nessas posturas? Que rumos vai tomar?
Uma boa amostra da complexidade das questões envolvidas nessa discussão está no rico dossiê sobre a Amazônia brasileira publicado na revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (números 45 e 46 de 2002). Orientado pelos professores Aziz Ab''Saber, Pedro Leite da Silva Dias e Leopoldo Rodés, o dossiê, com textos de vários especialistas brasileiros e de outros países, reúne muitas experiências e estudos já feitos, assim como advertências muito oportunas.
O professor Ab''Saber, por exemplo, adverte para os perigos dos zoneamentos ecológicos e econômicos que generalizem e não levem em consideração as muitas especificidades das ecorregiões e dos muitos subsistemas que existem na área. É acompanhado pela professora Jutta Gutberlet, da Universidade de Victoria, no Canadá, para quem "o processo do zoneamento não conseguiu anteceder nem acompanhar a dinâmica local de desenvolvimento nos Estados (...). As transformações ambientais e sociais ocorrem de forma tão rápida que os levantamentos já se tornam ultrapassados antes mesmo de terminados" (Rondônia, Amapá e Acre já concluíram o diagnóstico sobre seus territórios).
Os professores Carlos Nobre e Antônio D. Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais e do Instituto de Pesquisas da Amazônia, lembram que o desmatamento e as mudanças no uso da terra, responsáveis na região pelas emissões de 200 milhões a 300 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, podem levar - prosseguindo esse processo - a que a Amazônia emita mais do que absorva CO2, perca sua condição de "sumidouro".
A professora Irene Garrido Filha, pesquisadora do IBGE e bolsista do CNPq, chama a atenção para o fato de os 658 planos de manejo florestal corresponderem (em 1999) a apenas 17,6 mil quilômetros quadrados, menos que a atual taxa anual de desmatamento. E para o desperdício de 50% da madeira, mesmo nos projetos certificados (ainda se poderia levantar a preocupação quanto ao fato de esses projetos de manejo serem dispensados da manutenção de reserva legal - sem que se saiba exatamente que efeitos o manejo certificado tem sobre o conjunto da biodiversidade).
Já o professor Manfred Nitsch, da Universidade Livre de Berlim e assessor do PPG7, traça vários cenários para a região. No mais pessimista de todos, prossegue a devastação acelerada da floresta, sem melhorar as condições de vida das populações pobres da área. No cenário atual, persiste "a condição de periferia, dependência e destruição gradual da floresta, com algumas áreas protegidas". O "cenário de contraste", o ideal, caracterizar-se-ia pela "moratória no desflorestamento, conservação em grande escala, remuneração internacional pelos serviços ambientais da floresta e enclaves urbanos como pólos de desenvolvimento".
Pode-se acrescentar que esse cenário ideal também enfrenta resistências diplomáticas e das áreas de segurança quanto à remuneração internacional.
Mas a conservação em grande escala pode ser viável, lembrando que 45% das terras amazônicas são públicas.
São as opções sobre a mesa para o novo governo. Que acontecerá?
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