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Ceará - Muita água para quem já tem

CB, Brasil, p.12
23 de Nov de 2004

Ceará - Muita água para quem já tem
Transposição do São Francisco, cuja obra custará US$ 1,5 bilhão, vai levar água para o estado do Ceará, que já é beneficiado por uma "invejável" rede de abastecimento à população

Bernardino Furtado
Do estado de Minas

O Ceará, um dos estados que será beneficiado pela transposição do São Francisco, já possui uma grande rede de abastecimento de água e investe pesado para ampliá-la. O secretário dos Recursos Hídricos do estado , Edinardo Ximenes Rodrigues, confirma, com orgulho, que os cearenses têm hoje uma rede de abastecimento invejável para os padrões do Semi-Árido brasileiro. Segundo Rodrigues, a região metropolitana de Fortaleza, que consome sete metros cúbicos por segundo, pode, nas condições atuais, resistir a três anos seguidos de seca. Dentro de dois anos, aproximadamente, terá água assegurada por 30 anos, graças à construção, em andamento, do Canal da Integração. Trata-se de uma obra de US$ 300 milhões, financiados pelo Banco Mundial e pelo BNDES, que levará até 23 metros cúbicos por segundo de água a partir do Açude Castanhão, de 6,7 bilhões de metros cúbicos. É aproximadamente metade do volume que o lago da hidrelétrica de Três Marias, no rio São Francisco, em Minas Gerais, pode armazenar.
Comparado com represas urbanas conhecidas, o tamanho do Castanhão é ainda mais impressionante. A Lagoa da Pampulha tem 8,5 milhões de metros cúbicos e o Lago Paranoá, em Brasília, 498 milhões de metros cúbicos.
Inaugurado pelo governo federal no ano passado, o Castanhão tem a função de garantir água para beber, para agricultura irrigada e para amenizar enchentes. Se a construção desse açude gigantesco levou oito anos, bastaram 16 dias de chuva no último janeiro para enchê-lo completamente. Foi necessário abrir as comportas do vertedouro porque o nível da água ameaçava superar o limite de segurança.
O Castanhão é a jóia mais vistosa de uma rede de açudes que dá ao Ceará a capacidade de armazenar 17,5 bilhões de metros cúbicos de água, a metade do volume máximo do lago de Sobradinho, na Bahia. Há outros gigantes mais antigos no Ceará, como o Orós, de 1,94 bilhão de metros cúbicos, também no rio Jaguaribe, e o Banabuiú, no rio do mesmo nome, de 1,7 bilhão de metros cúbicos. O Castanhão tornou-se, nas palavras do secretário Rodrigues, o pulmão do sistema integrado de recursos hídricos do Ceará.
O Canal da Integração terá 255 quilômetros de extensão, sendo 90 quilômetros em tubos enterrados. No próximo dia 30, o governo do Ceará pretende inaugurar o primeiro trecho, de 50 quilômetros, no município de Morada Nova. Até esse ponto, sua principal função será reforçar o fornecimento de água para o projeto de irrigação federal Tabuleiro de Russas, de 13 mil hectares, abastecido, atualmente, pelo Açude de Banabuiú.
Quando estiver pronto, o Canal da Integração atingirá seus objetivos mais nobres do ponto de vista econômico. Vai garantir o abastecimento da região metropolitana de Fortaleza e, principalmente, dar sustentação aos ambiciosos planos do governo do estado para o complexo industrial-portuário do Pecém. O Ceará disputa com outros estados do Nordeste a instalação de uma refinaria da Petrobras e já dá como certa uma siderúrgica no complexo, que começaria a ser montada em 2005. São empreendimentos que, somados a indústrias de segunda geração associadas, consomem muita água.

Secretário cearense nega dependência
O secretário Edinardo Ximenes Rodrigues jura que o Ceará não depende da transposição das águas do rio São Francisco, que desembocariam no Castanhão, para garantir abastecimento para a refinaria e a siderúrgica no Porto de Pecém. ''Se a refinaria vier, já posso garantir água para os próximos cinco a dez anos. Com a conclusão do Canal da Integração, a garantia sobe para 30 anos, sem a transposição'', afirma.
Segundo o secretário, as águas do São Francisco serviriam para desenvolver economicamente o Vale do Jaguaribe, especialmente a agricultura irrigada. Rodrigues estima que, em seis anos, haverá um estresse no sistema, em virtude do surgimento de novas demandas de água para empreendimentos privados. ''Qualquer empresário que queira se instalar, vai querer uma garantia de água por 20 anos'', afirma.
É verdade que o Ceará se preparou para enfrentar secas mais severas. Organizou-se institucionalmente para isso ao elaborar em 1988 um plano estadual de recursos hídricos e, em 1992, cinco anos antes da União, aprovou a lei de recursos hídricos do estado. No ano seguinte, criou a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh), responsável pela concessão e cobrança do uso da água dos diversos clientes, como a empresa estadual de saneamento, a Cagece e empreendimentos privados de agricultura irrigada, entre outros. O Ceará é um dos poucos estados brasileiros com um sistema de cobrança do uso de água não tratada para uso agrícola e industrial.
Mas é verdade também que o grosso dos investimentos em grandes açudes e perímetros irrigados, como o Castanhão e o Projeto Tabuleiro de Russas, foi feito pelo governo federal, por meio do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).
Difícil sustentar, no caso do Ceará, que o objetivo maior da transposição do rio São Francisco é garantir água para 12 milhões de pessoas sedentas e miseráveis. Basta assinalar que o Canal do Trabalhador, uma obra-símbolo da capacidade executiva do atual ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, tornou-se um sobressalente no sistema de abastecimento do Região Metropolitana de Fortaleza. Está praticamente ocioso, porque a posterior construção de alguns açudes nas proximidades da capital cearense garante água mais barata para a população.
O Canal do Trabalhador foi aberto durante o governo de Ciro no Ceará (1991-1994), em meio a uma crise de abastecimento. A obra foi concluída em tempo recorde e seu êxito fartamente decantado nas duas campanhas de Ciro para presidente da República (1998 e 2002). Tem 55 quilômetros de extensão a partir do rio Jaguaribe, pouco antes da foz, no Oceano Atlântico, e pode transportar até cinco metros cúbicos por segundo, pouco mais de dois terços do que a Região Metropolitana de Fortaleza consome. Seu garantidor principal era o açude Orós, agora posto em segundo plano pelo Castanhão.
O secretário Edinardo diz que ''é preciso tirar o aspecto emocional do debate sobre a transposição do rio São Francisco''. Segundo ele, a quantidade de água a ser transposta é pequena e não vai alterar significativamente a situação da Bacia do São Francisco. ''É justo que os estados da bacia tenham uma compensação pela retirada da água e é legítimo que tentem barganhar o máximo possível com o governo federal'', afirma.

US$ 300 mi valor do financiamento do Banco Mundial e do BNDES para a construção do Canal da Integração, no Ceará
6,7 bi de metros cúbicos capacidade do açude Castanhão, o maior do Ceará, que receberá as águas do São Francisco
7 metros cúbicos por segundo Consumo de água da Região Metropolitana de Fortaleza, pouco menos da metade do consumo da região metropolitana de BH

CB, 23/11/2004, Brasil, p. 12

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