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Cazetta: espionagem da Vale foi ato irresponsável

O Liberal-Belém-PA
13 de Fev de 2004

O procurador-chefe substituto da República no Pará, Ubiratan Cazetta, classificou ontem como "um ato de irresponsabilidade" a atitude da Companhia Vale do Rio Doce, de monitorar os passos da comunidade indígena Gavião Parkatejê e de fazer tomadas fotográficas do prédio da Procuradoria da República em Marabá, compondo um banco de dados que inclui também fotos dos próprios procuradores. Segundo Ubiratan Cazetta, o fato, se não configura propriamente ameaça, tipifica uma clara situação de intimidação, passível até mesmo de levar a uma indenização por dano moral para a comunidade indígena.

O procurador confirmou a instauração de procedimento administrativo, pelo Ministério Público Federal, para averiguar quais foram exatamente os atos praticados pela empresa. "Nós precisamos identificar há quanto tempo isso ocorre, como ocorre e qual a extensão dessa prática", disse Ubiratan Cazetta, referindo-se não somente ao monitoramento dos índios Gavião, mas também à tomada de registros fotográficos que, pelo menos neste episódio, incluíram o prédio da Procuradoria da República.

E mais: no depoimento que prestou anteontem ao delegado Luiz Eduardo Navajas Teles Pereira, que presidiu o inquérito instaurado pela Polícia Federal para apurar os fatos, o chefe de segurança da Companhia Vale do Rio Doce, Lino Carlos da Fonseca, confirmou que a empresa mantém um banco de dados com fotos dos índios e dos procuradores.

"Só depois que apurarmos todos os fatos é que poderemos afirmar se houve crime, que crime houve e em que condições eles ocorreram", acrescentou Ubiratan Cazetta.

De qualquer forma, destacou que a situação criada pela Vale em Marabá já denota muito claramente a falta de sensibilidade da empresa. "A Vale transformou aquilo que era uma relação entre uma comunidade indígena e o usuário dos recursos naturais numa relação de polícia", disse ele. E acrescentou: "Mais do que isso, criou uma situação ilícita, de monitoramento de pessoas que são pessoas livres, pessoas em relação às quais não existe informação de cometimento de crimes".

E ainda que existisse alguma informação desse tipo, conforme frisou, não competia à Vale fazer a investigação. "Isso compete ao Estado. A empresa deveria levar ao Estado as informações. O Estado faria a apuração. A segurança de uma empresa se faz em relação ao seu patrimônio", assinalou. Com isso, Ubiratan Cazetta deu a entender que, a pretexto de zelar pela sua ferrovia, não poderia a Vale monitorar os passos dos índios e muito menos fazer, às escondidas, registros fotográficos da sede da Procuradoria.

Outro aspecto a ser ressaltado, ainda de acordo com o procurador, é o fato de que a atitude da Vale do Rio Doce, pelas circunstâncias que envolveram o episódio, acabou gerando, além de tudo, um dano financeiro à União. Isso porque a Procuradoria da República teve que acionar toda uma estrutura para reforçar a sua segurança, tanto em relação ao prédio em Marabá quanto aos próprios procuradores, mobilizando para isso inclusive pessoal vindo de Brasília. Além do que, a própria Polícia Federal teve que começar a acompanhar também o caso, através da abertura de inquérito policial.

Explicou Ubiratan Cazetta que, há cerca de vinte dias, quando ocupantes de um carro com película escura foram vistos tirando fotos do prédio da Procuradoria da República em Marabá, nem sequer se cogitou, de início, que o fato pudesse ter alguma relação com a CVRD. Isso só veio a ser descoberto depois, já no curso das investigações levadas a cabo tanto pelo Ministério Público quanto pela Polícia Federal.

Deve-se observar, segundo ele, o contexto em que se gerou a situação. Em certa noite, escondidas no interior de um carro, pessoas desconhecidas estavam tirando fotos do prédio da Procuradoria. Além do fato incomum, ainda mais em se tratando de uma região problemática como é o sul do Pará, uma sombria coincidência fez aumentar o temor dos procuradores. É que exatamente naquele dia, ou poucos dias antes, havia sido preso em Fortaleza, por agentes da Polícia Federal, o fazendeiro Aldimir Lima Nunes, o popular "Branquinho", contra quem fora expedida uma ordem de prisão preventiva sob a acusação de envolvimento em trabalho escravo.

O medo, afinal, se justificava. Antes mesmo da prisão, "Branquinho", conforme frisou Ubiratan Cazetta, havia feito ameaças de morte contra o juiz federal Gláucio Maciel, que decretara sua prisão; contra o procurador da República Mário Lúcio Avelar, um dos membros do Ministério Público que apuraram o envolvimento dele com trabalho escravo; e também contra o frei Xavier, um religioso ligado à Comissão Pastoral da Terra que atua no sul do Pará.

Empresa nega espionagem e diz que protege a ferrovia

A Companhia Vale do Rio Doce repudiou ontem, através de nota distribuída à imprensa pela sua assessoria, a acusação de que estaria fazendo espionagem contra os índios Gavião da comunidade Parkatejê, no município de Marabá. A empresa ressalvou, porém, que tem a obrigação de zelar pela segurança operacional de sua ferrovia, que transporta o minério de ferro extraído da província mineral de Carajás, no Pará, para o porto de Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão. Na nota, diz a CVRD que os índios da comunidade Parkatejê, em ocasiões anteriores, invadiram "a propriedade pública" - Estrada de Ferro Carajás, causando a interrupção das atividades, com o objetivo de pressioná-la e à Funai "para o alcance das suas pretensões". Em todas essas ocasiões, ainda segundo a nota, a CVRD atuou no estrito cumprimento da lei, tendo recorrido ao Judiciário, que determinou a desobstrução da ferrovia.

Destacou ainda a CVRD que as suas iniciativas de proteção e desenvolvimento sócio-econômico das comunidades indígenas, entre elas a Parkatejê, é "uma atitude voluntária". E acrescentou: "Esta comunidade (Parkatejê) fez recentes ameaças por escrito de novas interdições na ferrovia caso a Vale não concordasse com os pleitos por eles apresentados unilateralmente".

Continuando, diz ainda a nota distribuída pela empresa: "Tais ameaças foram formalmente encaminhadas pela CVRD ao Ministério Público Federal e à presidência da Funai. A CVRD é concessionária da ferrovia e tem o dever legal e contratual de proteger o patrimônio público como determina a lei. É dever da CVRD acompanhar os movimentos em torno da ferrovia que possam determinar práticas que comprometam a operação e a segurança. Este acompanhamento foi iniciado durante o processo de negociação da Funai com os índios, com pleno conhecimento das autoridades competentes. O serviço ficou a cargo da Sacramenta, empresa especializada em serviços de segurança que trabalha para a CVRD e para diversos órgãos públicos do Pará". E finaliza: "A CVRD reafirma seu compromisso de zelar pela não interrupção do serviço público que presta à população, bem como pelo seu patrimônio e da União, o que faz em estrito cumprimento da lei".

De Marabá, em contato por telefone, o delegado Luiz Eduardo Navajas Teles Pereira, que presidiu o inquérito instaurado pela Polícia Federal para apurar os fatos relacionados com o monitoramento dos índios Gavião por seguranças da Companhia Vale do Rio Doce, disse que encaminhará hoje o seu relatório para a Justiça Federal. O inquérito foi aberto no dia 28 de janeiro, com prazo de trinta dias, e concluído ontem, duas semanas depois. O único depoimento colhido no curso do inquérito policial foi o do chefe de segurança da Vale, Lino Carlos da Fonseca, ouvido anteontem pelo delegado.

Em seu depoimento, Lino Fonseca revelou que, desde o ano passado, a Vale vem seguindo todos os passos dos índios Gavião da comunidade Parkatejê, monitorando-os em suas andanças tanto em Marabá quanto na vizinha cidade de Bom Jesus do Tocantins. O chefe de segurança da Vale informou, ainda, que a empresa mantém um banco de dados com fotos dos índios e também dos procuradores da República lotados em Marabá. A instauração do inquérito pela Polícia Federal - e, paralelamente, de um procedimento administrativo pelo Ministério Público - se deveu exatamente ao inusitado de uma dessas operações. Na noite anterior, os "arapongas" a serviço da Vale foram descobertos quando tiravam fotos do prédio onde funciona a Procuradoria.

O delegado Luiz Eduardo Navajas disse que, no relatório, não será pedido o indiciamento de ninguém, já que, pela conclusão do inquérito, não ficou caracterizada a prática de crime. Ele revelou também que o inquérito não chegou a identificar de quem partiu a ordem para monitorar os índios e tirar fotos, dos procuradores e do prédio onde funciona a Procuradoria da República em Marabá.

"Pelo que nós conversamos com o chefe de segurança da Vale, não houve uma ordem, de forma que, no âmbito policial, nós não vislumbramos a prática de espionagem. O que aconteceu foi um procedimento padrão do escritório da Vale em Marabá", afirmou o delegado. Ele admitiu, porém, que o inquérito poderá retornar à Polícia Federal para novas diligências caso o Ministério Público venha a descobrir fatos novos no curso do seu procedimento administrativo.

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