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Castanha-de-La Paz

CB, Brasil, p.17
09 de Mai de 2004

Castanha-de-La Paz
Fiscalização ineficiente faz com que o Brasil perca para a Bolívia o título de maior exportador do mundo de castanha-do-Pará. Polícia Federal investiga com se dá a saída do produto para a país vizinho

ULLISSES CAMPBELL
DA EQUIPE DO CORREIO
A falta de fiscalização nas fronteiras do Brasil, além de facilitar o tráfico de drogas e de armas, fez o -país perder o posto de maior exportador de castanha-do-Pará do mundo. De 1970 até 1994, as amêndoas mais cobiçadas na Europa e nos Estados Unidos eram exportadas quase na totalidade pelo Brasil. Há dez anos, a Bolívia montou seis representações no Acre para comprar castanhas a preço de banana em território brasileiro. Hoje, apesar de não terem um pé de castanha-do-pará plantado, os bolivianos lideram o ranking de exportações no mercado internacional.
No Brasil, o Pará foi por três décadas o maior produtor da castanha que leva seu nome. No ano passado, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) fez um estudo e concluiu que os castanhais estão em extinção em solo paraense. Atualmente, o Acre, que não tem tradição em exportações, é o maior produtor nacional do produto. Morando bem ali ao lado, os bolivianos passaram buscar as amêndoas nos municípios acreanos de Xapuri e Braziléia. Segundo a Associação Brasileira de Exportadores de Castanha, diariamente, cerca de 400 carretas atravessam a fronteira do Brasil com a Bolívia pela BR-317 com carregamento de castanha-do-pará. Da Bolívia, ..elas ganham o mundo.
0 presidente da Associação, Benedito Mutran Neto, diz que, a princípio, as representações bolivianas foram montadas de forma legal. Mas os produtores brasileiros suspeitam que elas adulteram notas e guias de importações para levar o produto do Brasil. "Para uma empresa paraense comprar castanha no Acre, pagase três tipos de impostos. Os bolivianos levam o produto quase de graça", reclama.
Depois que o contrabando de -
castanhas brasileiras para Bolívia foi denunciado no Congresso, há dois meses, a Receita Federal e a Polícia Federal intensificaram a fiscalização nas fronteiras. Mas o escoamento do produto para solo boliviano continuou. Hoje, 87% das castanhas vendidas no comércio exterior são beneficiadas pelos bolivianos, que começaram a exportar as amêndoas a preços bem abaixo dos pratica
dos no Brasil. Para se ter idéia, os bolivianos compram no Acre um quilo de castanha por US$ 0,12, enquanto o preço médio para exportação é de US$ 1,14.

Estoque vazio
O declínio da castanha-do-pará é mais evidente nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cruzados com o último relatório de exportação do Mercosul, que mostram como o Pará vem perdendo espaço no mercado internacional da castanha. Em 1994, o Pará produziu 12,2 mil toneladas do produto e exportou apenas a metade. Já os bolivianos foram até o Acre, compraram quase toda a produção do Estado (9,3 toneladas) e exportaram três vezes mais e com preços que são verdadeiras promoções.
0 êxito dos bolivianos no mercado internacional da castanha também está registrado com detalhes na Federação das Indústrias do Pará (Fiepa). Em 1997, o Brasil todo exportou 15 mil toneladas de castanha. A Bolívia fechou seu balanço de exportação em 6 mil toneladas descascadas. No ano passado, o quadro foi bem diferente. 0 Brasil conseguiu exportar 1,3 mil toneladas, enquanto os bolivianos fecharam o balanço com 16,6 mil toneladas exportadas.
Os países que mais compram castanha no Brasil são os mesmos que compram da Bolívia, sendo que a preferência é para o mercado boliviano, que sempre oferece preços menores. 0 Pará, por exemplo, só começa a vender a castanha depois que a Bolívia esvazia o estoque.
Para o pesquisador da Embrapa, Alfredo Homma, que estuda o clico da castanha-do-Pará, há 20 anos, o fim dos castanhais está relacionado à colonização da Amazônia. Ele cita a abertura de estradas, a atuação do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a ação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) como agentes que contribuíram para a derrubadas das árvores seculares.' As árvores vêm sendo atacadas ao longo dos anos", diz.
Impossível
A Polícia Federal abriu inquérito .para investigar o contrabando de castanha-do-pará nos municípios brasileiros que fazem fronteira com a Bolívia. Cada superintendência nos estados do Norte vão contribuir com a investigação. No entanto, como o produto sai de solo brasileiro em cargas clandestinas, a avaliação da PF é de que dificilmente o escoamento será interrompido. Além disso, "a Polícia Federal não tem como fiscalizar cargas", frisa o delegado Jorge Pontes, chefe da divisão de Repressão à Crimes de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico.
Jorge Pontes diz ainda que é "humanamente impossível" a PF fiscalizar toda a fronteira do Brasil, embora esteja presente em oito postos de fronteira terrestre só na Amazônia. A Associação Brasileira de Produtores de Castanha-do-Pará, em documento enviado à PE, assegura que as carretas que levam o produto do Brasil para a Bolívia trafegam à noite.

E quem deve fiscalizar?
Apesar de o Exército Brasileiro estar presente na fronteira do país com a Bolívia, não cabe à instituição fiscalizar a prática de contrabando, segundo informou o Centro de Comunicação. De acordo com a assessoria do Exército, essa atividade é da Polícia Federal, conforme prevê o Artigo 144 da Constituição Brasileira. A PF atribui parte da responsabilidade à Receita Federal.
Há um mês a Polícia Federal, em Brasília, mandou ofício a todas as superintendências estaduais nos estados da Região Norte pedindo que abra inquérito para fiscalizar o contrabando de castanha-do-pará na fronteira. "Esse contrabando ocorre há mais de cinco anos e nunca foi coibido. As agências bolivianas estão funcionando em todos os municípios acreanos que fazem fronteira. Só não vê quem não quer", diz Armando de Paula Gomes, produtor brasileiro de castanha-do-pará. (UC)

CB, 09/05/2004, p. 17

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