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Caso único no mundo

OESP, Economia, p. B2
Autor: BETING, Joelmir
16 de Nov de 2003

Caso único no mundo

Joelmir Beting

A ruidosa liberação transitória e condicionada do (re)plantio da soja transgênica, patrocinada pela MP 131, dá carona a uma casca de banana burocrática atirada na travessia desta nova safra 2003/2004. A exigência prévia do chamado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), de cada produtor do ramo, até aqui clandestino, já funciona como inventário e delação do espalhamento das lavouras transgênicas por todos os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Era o que se sabia, mas não o que se admitia. Com a ressalva: produtores ressabiados negam-se a assinar a papelada do TAC. Um deles confessa por e-mail: "Venho plantando a coisa na moita e posso ficar ainda uma vez na moita. Quem assina o TAC está deixando impressões digitais para a CPI dos transgênicos em formação no Congresso. Com direito à interdição da lavoura ou da propriedade se não comprovar a origem da semente."
Sabe-se da existência de 245 mil produtores de soja, cobrindo cerca de 17 milhões de hectares para uma próxima tiragem recorde de até 60 milhões
de toneladas. Oficialmente, sementes liberadas para esta nova safra dariam para cobrir apenas 1.600 hectares. Autorizada pela Câmara Federal nos tratos da MP 131, a multiplicação das sementes elevaria a área liberada para 50 mil hectares. Só.
De resto, não tem sido nada viável fiscalizar um negócio dessa magnitude, com estatutos ainda porosos, servidos por recursos gasosos. A inspeção fitossanitária de lavouras e de rebanhos, entre nós, está nas mãos de um exército de Brancaleone. São técnicos em pequeno número. Mal pagos, sobre mal equipados.
No mais, a soja transgênica não passa da ponta do iceberg de uma questão de fundo, esta, sim, relevante: a nova Lei de Biossegurança, com sua regulamentação tida como equivocada. Sim, no parecer de estudiosos da matéria. Caso dos professores Antonio Marcio Buainain e José Maria da Silveira, da Unicamp. Ou, entre tantos outros, do pesquisador Murilo Flores, ex-presidente da Embrapa.
Ou caso notório do bioquímico Erney Camargo, que deixa agora a presidência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Exatamente por não aceitar, na regulamentação em curso, o esvaziamento da autoridade científica da CTNBio, a ser desfalcada de seu poder deliberativo.
Para Antonio Marcio Buainain e José Maria da Silveira, projeto de lei do governo que define o formato e o conteúdo da futura Política Nacional de Biossegurança (PNB) constitui uma "iniciativa politicamente engenhosa". Primeiro: empurra o abacaxi para o martelo do Congresso. Segundo: cuida de contentar a um só tempo a todos os lados dessa bola quadrada. Na doce ilusão de não se queimar a última possibilidade de um Brasil livre de transgênicos. Que seria caso único no mundo ai pela proa de 2007, se tanto.
SECOS
& MOLHADOS
Dará liga? - Para o novo presidente da CTNBio, o biólogo Jorge Guimarães, a matéria não se esgota no perímetro da Comissão. A nova Política Nacional de Biossegurança (PNB), por definição, envolve questões outras de governo. Portanto, há que se casar, tanto quanto possível, decisão técnica com decisão política.
Fora de lugar - Buainain e Silveira entendem que a decisão política já atropelou a decisão técnica. A nova CTNBio vai ter de dar carona a burocratas e ongueiros. Que ficariam melhor lotados no futuro Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) erigido em foro de última instância da Política Nacional de Biossegurança (PNBS).
Quem perde - Efeito líquido dessa carpintaria legiscrativa: ambivalência, superposição e ambigüidade no trato de matéria de fundo científico. Ciência e pesquisa no Brasil subvertidas pelo maniqueísmo futeboleiro que toma conta de Brasília. Com sua forte coloração ideológica transgenicamente avermelhada.

OESP, 16/11/2003, Economia, p. B2

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