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Carta em defesa dos Povos Indígenas

Seminário: Respeito aos Direitos dos Povos Indígenas-Brasília-DF
18 de Mar de 2003

Os participantes do seminário "Respeito aos Direitos dos Povos Indígenas" realizado em Brasília, no dia 18 de março de 2003, no Auditório da Procuradoria Geral da República, na presença do Procurador-Geral da República e com o apoio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão - Comunidades Indígenas e Minorias, após procederem a uma avaliação crítica da situação atual do respeito aos direitos dos povos indígenas e sobre os rumos do planejamento governamental para uma política indigenista debatida e consensual e assumindo o papel de contribuir com sugestões concretas para implementar uma mudança de rumo na política indigenista, que tenha como pressuposto fundamental:

1) a participação direta dos povos indígenas na definição dessa política;

2) cessar a participação e os incentivos dos poderes públicos que interfiram ou causem impacto sobre os povos indígenas, como construção de estradas, hidrovias, hidrelétricas, expansão da fronteira agrícola;

3) que o Estado propicie meios concretos e disponibilize recursos públicos suficientes para o exercício e a implementação dos direitos indígenas;

4) que os direitos dos povos indígenas sejam tratados pelo Estado em sua inteireza, integralidade e universalidade e não objeto de políticas públicas fragmentadas e desarticuladas.

TENDO EM CONSIDERAÇÃO QUE:

1) A Constituição de 1988 estabelece no seu Art. 231 o reconhecimento aos direitos originários sobre as terras que os índios ocupam tradicionalmente, fixando a responsabilidade da União em demarcá-las, ato administrativo de explicitação de seus limites;

2) A Constituição de 1988 reconheceu ainda o direito à diferença cultural, fundamento de um Estado pluriétnico, e o caráter multicultural da nação brasileira, bases para uma sociedade mais justa e de um efetivo Estado democrático de direito. Ao fazê-lo, viabilizou as condições para transformações nas políticas de Estado que devem hoje assegurar a superação da desigualdade de direitos também à saúde, à educação, à segurança alimentar, que só podem ser agora remetidos a este quadro de diferença cultural contemplado constitucionalmente. Todos eles mantêm relações intrínsecas com a demarcação e garantia das terras tradicionalmente ocupadas;

3) No plano constitucional, ficaram, assim, superadas as perspectivas integracionistas e incorporativistas, como os alicerces do regime tutelar, conseqüentemente, os das políticas públicas que alijam os povos indígenas do papel de protagonistas na formulação dos planos e ações de estado que os afetem;

4) Os direitos à posse permanente e ao usufruto exclusivo independem da demarcação das terras indígenas, de forma que quaisquer invasões impõem providências de desintrusão e manutenção da integridade física e cultural dos povos indígenas, de suas terras e dos recursos naturais nelas existentes pelo poder público;

5) A demarcação administrativa das terras indígenas, por seguir ritos procedimentais regulamentados, não comporta providências estranhas ou omissões, que efetivamente por vir a caracterizar crime de responsabilidade e ato de improbidade, sem prejuízo de responsabilidade civil da União. É o que se verifica com a ausência de homologação de terras indígenas, como a da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e das Terras Indígenas Jacamim, Waiwái, Badjonkôre, Cuiú-Cuiú, Moskow, Muriru e Boqueirão submetidas pela Casa Civil da Presidência da República à apreciação do Conselho de Defesa Nacional e da Câmara de Relações Exteriores do Conselho de Governo, sob a alegação de serem de grande extensão, estarem ocupadas por não índios e por serem questionadas por Governadores de Unidades da Federação;

6) Esta situação, caso não seja revista administrativamente, ensejará impugnação judicial em especial sob o fundamento de que, de acordo com o Decreto 1775/96, todos os órgãos da administração pública já deveriam ter encaminhado ao grupo técnico de identificação da área as informações que considerassem relevantes. Se esta providência não foi adotada por estes órgãos, agora, por ocasião da homologação pelo Presidente da República, não se pode fazer o processo retroceder a etapas há muito superadas sem que isto se configure num grave desvio da legalidade;

7) Importa destacar que a ausência de demarcação, desintrusão e proteção ao patrimônio contribuem de forma inexorável para o quadro de violência crescente que lamentavelmente se constata nas terras indígenas, e vitimam várias lideranças e membros de suas comunidades. Exemplo disso é a situação dos povos Xukuru (PE), Truká (PE), Macuxi e Wapixana (RR), Cinta-Larga (RO), Kayowá-Guarani e Terena (MS), Tuxá (BA/PE), Pataxó (BA) e Pataxó Hã-Hã-Hãe (BA) dentre alguns dos mais gravemente afetados pela falta de providências governamentais;

8) Considerando-se a importância atribuída à dimensão da segurança pelo atual governo, e o fato de que em muitas regiões do país os índios são historicamente os principais atingidos por atos de violência, é no mínimo preocupante que não tenha sido apresentada qualquer iniciativa para se efetivar a proteção aos povos indígenas e ao seu patrimônio nas bases lançadas pela Constituição de 1988;

9) Os princípios constitucionais estabelecem a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais em terras indígenas, qualquer ato ou política pública que implique na restrição dessas garantias será nulo de direito. Os atos administrativos que criam unidades de conservação superpostas a terras tradicionalmente ocupadas por índios não só não têm validade, por imperativo constitucional, como também sinalizam para a permanência de um quadro institucional já superado. Mantê-lo significa desconhecer os enormes avanços acontecidos em mais de uma década de articulação política dos povos indígenas com vistas à formulação de políticas públicas;

CONCLUEM QUE:

Urge a criação de mecanismos de diálogo e articulação entre os diversos setores do Estado e da Sociedade Civil, com destaque para as organizações indígenas, mecanismos estes que produzam os elementos necessários à formulação de políticas públicas e de dispositivos eficazes de controle social de sua execução, como vêm sendo propostos por um amplo espectro de forças nas figuras de um conselho de política indigenista, de uma conferência dos povos indígenas e da aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas.

Brasília, 18 de março de 2003.

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APOINME ____________________
UNI-AC ____________________
CPI-SP

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COIAB ____________________
Cimi ____________________
CIR

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CNBB ____________________
Opan
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ABA ____________________
LACED

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CUNPIR

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