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Carta do Leitor

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Elton Rivas
17 de Jul de 2003

Senhora Editora

É lamentável que o jornalista Onofre Ribeiro utilize-se de seu espaço na imprensa para veicular opiniões e informações não fundamentadas a respeito dos índios de Mato Grosso, de suas culturas e principalmente sobre seus territórios, como no artigo "Índios: para a guerra, só falta o primeiro cadáver!"(publicado no jornal A Gazeta em 08/07). Fato que é mais agravante ainda se considerarmos que existem poucos canais e espaços para a expressão diretamente indígena no cenário cultural e político do país. Em geral vivendo em locais de difícil acesso, com tradições basicamente orais de comunicação e na condição de monolíngues, sendo o português sua segunda língua, as diferentes etnias encontram barreiras para se expressar livremente com o mundo dos não-índios.

Afirmar que "para a guerra só falta o primeiro cadáver" demonstra o desconhecimento no fato de que muitos cadáveres e muito sangue já foram derramados em Mato Grosso. Como esquecer o massacre dos índios Cinta-Larga, conhecido como a Chacina do Paralelo 11 em novembro de 1963, ou os assassinatos do missionário Vicente Cañas, ocorrido em 6 de abril de 1987 e até hoje sem solução e o do padre Rodolfo Lukenbein em 1976 na aldeia Meruri, juntamente com o índio Simão Bororo.

Não é possível resolver os impasses relacionados à questão indígena sem obrigatoriamente passar pela solução de alguns problemas nacionais como a modificação da estrutura agrária, a proteção ao meio ambiente, a geração de novas alternativas de emprego, o desenvolvimento sustentável, os direitos das minorias, a cidadania e inclusão social.

O verbete etnocentrismo do dicionário Michaelis define bem as afirmações do jornalista de que as populações indígenas vivem na miséria. De acordo com o dicionário, etnocentrismo é a "disposição habitual de julgar povos ou grupos estrangeiros pelos padrões e práticas de sua própria cultura ou grupo étnico". Os povos indígenas representam uma riqueza na contribuição de seus saberes e criações, são conhecimentos construídos ao longo de séculos de história e cultura, saberes que estão sendo veiculados na mídia, principalmente no que se refere aos conhecimentos da medicina natural. São heranças de gerações anteriores que estão em permanente construção e reelaboração. O respeito à diferença é uma conquista dos povos indígenas que se encontra garantida na Constituição Federal de 1988.

O que deveria estar em pauta, na realidade, é o modelo que o estado de Mato Grosso e o país deseja para si e qual o papel dos índios, do meio ambiente, das comunidades tradicionais, entre outros, nesse modelo. Existe hoje no Brasil a possibilidade de estabelecer um planejamento estratégico que beneficie o país e abre espaço para um papel importante das populações tradicionais, populações que até agora sempre foram relegadas a um plano secundário ou vistas como obstáculo ao desenvolvimento.

A riqueza de Mato Grosso não está somente na agroindústria, em suas madeiras, nos recursos hídricos ou minerais, mas também na biodiversidade e nos conhecimentos de que se dispões acerca delas. Está também na diversidade cultural de suas mais de 30 etnias indígenas, num mosaico de línguas e tradições reconhecidos como patrimônios culturais da humanidade.

Elton Rivas é jornalista e coordenador do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad).

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