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Carta de Porto Seguro

Organizações Indigenas diversas- Porto Seguro-BA
29 de Jun de 2003

Nós, representantes de comunidades quilombolas, Tupinikins, Pataxós,
Guaranis, pescadores e campesinas, e dezenas de entidades, presentes
ao II Encontro Nacional da Rede Alerta Contra o Deserto Verde,
movimento que luta contra a expansão da monocultura do eucalipto para
produção de celulose e carvão vegetal no Espírito Santo, Bahia, Rio
de Janeiro e Minas Gerais, vimos denunciar as profundas violações dos
direitos econômicos, culturais e socioambientais provocadas por este
complexo agroindustrial exportador.

Ao longo das últimas quatro décadas, este complexo tem destruído o
modo de vida de comunidades locais. As empresas do setor continuam
invadindo suas terras, causando o êxodo rural e a conseqüente
dispersão de muitas comunidades. Os rios nessas regiões foram
degradados pela contaminação por uso intensivo de agrotóxicos e por
um processo de secamento relacionado ao plantio em larga escala,
ambos comprometendo a pesca e a qualidade e quantidade da água
potável. A empresa Aracruz Celulose desviou o Rio Doce para garantir
o consumo abusivo de 248.000 metros cúbicos diários, inclusive
gratuitos, das suas três fábricas de celulose.

As empresas, com seu discurso desenvolvimentista, têm estimulado uma
migração enorme de trabalhadores em busca da promessa de emprego.
Hoje, o que resta são milhares de ex-trabalhadores, muitos mutilados
pelo trabalho danoso, que foram demitidos como resultado de um
processo violento e nefasto de automatização e terceirização. A perda
da dignidade dessas pessoas é explícita quando constatado a
existência de um alto índice de prostituição infantil nos bairros
onde os ex-trabalhadores abandonados residem. E as pessoas que
resistem, no meio da monocultura de eucalipto, estão perdendo sua
identidade e sua riqueza cultural e sofrendo literalmente um processo
de isolamento profundo. Quem resiste contra este projeto desumano
está sujeito à tentativas de cooptação e até ameaças de morte.

Lamentavelmente, o Estado tem sido cúmplice das práticas dessas
empresas. Há quatro décadas que fornece altos empréstimos através do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que
concede licenças ilegais para plantios - não respeitando áreas de
preservação permanente - e fábricas - uma construída em cima de uma
antiga aldeia indígena. Além disso, as empresas exportadoras são
devedoras no INSS e são beneficiadas pela Lei Kandir, causando
situações dramáticas como no Espírito Santo, onde o governo estadual
deve mais de R$ 100 milhões de créditos de ICMS à empresa Aracruz
Celulose. Ao mesmo tempo, o Estado não tem apresentado nenhuma
alternativa à população local, ao contrário, mostra-se cada vez mais
conivente com os interesses empresariais em detrimento da sua
responsabilidade social e, neste vazio, as empresas assumem alguns
papéis do Estado, desenvolvendo uma relação perversa de dependência e
desestruturação da organização social das comunidades locais.

As entidades abaixo relacionadas entendem que as conseqüências de
todos esses problemas estão ligadas ao modelo atual de
desenvolvimento financiado pelo governo federal e por organismos
internacionais que têm como objetivo, exclusivamente, o retorno
econômico dos financiamentos em detrimento do modo de vida das
populações acima relacionadas.

As tentativas para reverter os danos das estratégias empresariais
perversas, introduzindo por exemplo o selo verde do FSC (Conselho de
Manejo Florestal) para o manejo sustentável de monoculturas de
árvores, têm se mostrado incapazes de reverter os impactos negativos
já citados, e mais ainda, insuficientes em redirecionar a lógica
deste modelo agroindustrial. Lembramos inclusive um relatório
elaborado recentemente por uma equipe de pesquisadores da Rede Alerta
Contra o Deserto Verde que mostra a flagrante insustentabilidade das
plantações de eucalipto das empresas Plantar e V&M Florestal em Minas
Gerais, certificadas pela FSC.

A Rede se pronuncia também contra o uso de Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo - MDLs - para plantações extensivas dessas
mesmas empresas mineiras, entendendo que esses mecanismos continuam
favorecendo países do Norte que não terão que reduzir suas emissões
de poluentes que contribuem para o aquecimento global, e ao aumentar
as áreas de plantações, os MDLs vêm agravando o empobrecimento das
populações do Sul.

Afirmamos que existem contradições entre os investimentos nesse
complexo agroindustrial e o programa Fome Zero do Governo Federal. De
um lado, volumosos investimentos, como no caso da fábrica projetada
da Veracel Celulose na Bahia, continuam privilegiando uma monocultura
que na sua grande maioria é destinada à produção para exportação aos
países ricos, gerando pouquíssimos empregos, legitimando o
latifúndio, impedindo a reforma agrária e aumentando mais ainda o
êxodo rural e o desespero de milhares de famílias que ficarão sem
terra e sem sustento. De outro lado, o governo apresenta um Programa
Fome Zero que busca estimular a produção de alimentos, enquanto as
melhores terras agricultáveis continuam sendo ocupadas por plantações
de árvores. As metas da política macroeconômica não podem ser obtidas
com o sacrifício das condições de vida, saúde, trabalho e modos de
vida dos trabalhadores e das comunidades que necessitam de água,
terra, pescado e caça para não serem obrigados a engrossar o
contingente de desempregados nas cidades.

Não é suficiente buscar saídas temporárias dentro do modelo atual de
desenvolvimento. É preciso mudar drasticamente os rumos deste modelo
que gira em torno da acumulação financeira e do consumo ilimitado, e
construir uma outra lógica de desenvolvimento onde o ser humano -
homem e mulher - , na sua totalidade, seja questão central e que
altere a forma de utilização dos recursos naturais do planeta.
Conscientes da insustentabilidade do presente modelo, movimentos e
comunidades que integram a Rede Alerta Contra o Deserto Verde
discutem e desenvolvem experiências novas no campo da produção,
valorizando a biodiversidade e os conhecimentos locais, construindo
assim uma outra relação com o ambiente.

Em função de tão dramático e insustentável quadro socioambiental
acima descrito, envolvendo milhares e milhares de pessoas
diretamente, nós, comunidades e entidades abaixo relacionadas,
entendemos que é inaceitável a proposta do setor de ampliar suas
plantações de 5 milhões de hectares para 11 milhões nos próximos 10
anos. E que a PARALIZAÇÃO DA EXPANSÃO DA MONOCULTURA DE ÁRVORES DE
RÁPIDO CRESCIMENTO NO BRASIL na elaboração do novo PPA e da política
industrial do governo é uma necessidade de caráter extremo e
urgentíssimo.

Porto Seguro, 29 de junho de 2003.

FASE-ES Vitória (ES) - SINDIPETRO São Mateus (ES) - MST - MPA -
Movimento Quilombola São Mateus (ES) - Associação Remanescentes
Quilombos Conceição da Barra (ES) - CDDH Teixeira de Freitas (BA) -
APEDEMA Rio de Janeiro (RJ) - STR São Mateus e Jaguaré (ES) - MDPS
Porto Seguro (BA) - SINDEC Teixeira de Freitas (BA) - STR Itanhém
(BA) - AGB Vitória (ES) - APESCA São Mateus (ES) - EFA Montanha (ES) - PT São Mateus (ES) - EFA Bley São Gabriel da Palha (ES) - FASB
Teixeira de Freitas (BA) - CEPEDES Eunápolis (BA) - AGB Rio de
Janeiro (RJ) - Grupo do Jongo São Mateus (ES) - STR Belmonte (BA) -
STR Eunápolis (BA) - CIMI Aracruz (ES) -Projeto Semear Eunápolis
(BA) - Terra Viva Itamarajú (BA) -STR Teixeira de Freitas (BA) -
SINTERP Eunápolis (BA) - STR Curvelo (MG) - CEDEFES Belo Horizonte
(MG) - CPT Belo Horizonte (MG) - Gambá Salvador (BA) - Rede Mata
Atlântica - Oásis da Luz Eunápolis (BA) - Deputado Federal Guillherme
Menezes (BA) - Assessoria Deputado Estadual Claudio Vereza (ES) -
Assessoria Deputada Federal Iriny Lopes (ES) - Aldeia Guarani Aracruz
(ES) - Comissão de Meio Ambiente CUT Rio de Janeiro (RJ) - STR Mucuri
(BA) - STR São Gabriel da Palha (ES) - CUT/BA Eunápolis (BA) -
Sindicato dos Vigilantes Eunápolis (BA) - Flora Brasil Porto Seguro
(BA) - Frente de Resistência Pataxó Monte Pascoal (BA) - P. Amigo
Tartaruga Porto Seguro (BA) - EFA Boa Esperança (ES) - CIMI Eunápolis
(BA) - Missionárias Comboianas Aracruz (ES) - FASE Nacional Rio de
Janeiro (RJ)

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