VOLTAR

Carta de Dom Erwin Krautler ao ministro da Justiça

Cimi-Brasília-DF
21 de Jul de 2004

Exmo. Sr. Dr. Márcio Tomás Bastos

Excelentíssimo Senhor Ministro,
Os povos indígenas deste País somente têm alguma chance de sobreviver se as terras que habitam desde tempos imemoriais são demarcadas e como tais homologadas. Em relação ao povo Ugorogmo, popularmente chamado de Arara, que vive na região denominada de Cachoeira Seca nos municípios de Uruará, Altamira e Rurópolis, no Estado do Pará, o Ministério da Justiça, já em 1993 havia baixado portaria referente à demarcação de sua área.
Finalmente, há poucas semanas, foi iniciado o trabalho de demarcação física, com base na portaria 26/MJ de 22 de janeiro de 1993. Como era de se esperar tal demarcação está causando fortes reações da parte de moradores não-indígenas da referida área, incitados por políticos locais, interessados em ganhar votos no pleito eleitoral municipal.
O que me preocupa é, sem dúvida, a sobrevivência do povo Arara. Trata-se de um povo extremamente frágil, há décadas agredido por todo o tipo de invasores. Só a garantia do habitat tradicional e o respeito a seu território evitará o desaparecimento de mais um povo da Amazônia. O Brasil não se pode dar o luxo de assistir inerte à tragédia da morte física de mais um povo indígena que já habitou estas plagas bem antes que o Brasil como País existisse. Não há mais por que discutir limites. Esta fase dos tramites legais já passou. Importa agora agilizar o procedimento demarcatório sem tergiversação ou afagos a políticos locais de índole anti-indígena.
Entretanto a situação dos colonos ilegalmente assentados pelo INCRA em área indígena também me causa preocupação. Obviamente não podem ser tratados como usurpadores criminosos de terras alheias. O INCRA comprometeu-se a reassentar estas famílias em áreas fora da terra indígena, mas reassentar não significa consignar apenas um outro lote rural aos agricultores e suas famílias. Tem que ser levado em conta todo o patrimônio que estas famílias adquiriram com o trabalho de suas mãos e o suor de sua testa desde o ano em que foram assentadas. As benfeitorias terão que ser indenizadas e ressarcidos todos os prejuízos sofridos, advindos do assentamento ilegal realizado pelo INCRA. Os colonos não se opõem a um reassentamento, mas estão muito apreensivos quanto às condições de vida numa nova terra, onde devem recomeçar tudo. O povo tem medo de indenizações e ressarcimentos apenas simbólicos e, na realidade, ser colocado no olho da rua, entregue à própria sorte. Além de uma nova terra, os colonos precisam de não parcos recursos para poderem reiniciar suas atividades agrícolas. Não são esmolas que pedem ao INCRA e através dele ao Governo, eles querem ser respeitados em seus direitos. Também as outras famílias que chegaram depois e estão em situação irregular devem ser assentadas após levantamento realizado pelo INCRA. Caso contrário a legião dos sem-terra será engrossada por mais um contingente de brasileiros sem eira nem beira.
Sou o bispo desta região e V. Excia. me conhece. Conto com o empenho de V. Excia. numa causa tão nobre e de vital importância tanto para o povo Arara como para os agricultores e suas famílias.
Cordialmente,
Erwin Krautler
Bispo do Xingu

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.