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Captura de guerrilheiro pela PF em Manaus revela base das Farc no Brasil

OESP, Internacional, p. A12-A13
16 de Mai de 2010

Captura de guerrilheiro pela PF em Manaus revela base das Farc no Brasil

Rodrigo Rangel

Um relatório sigiloso produzido pela inteligência da Polícia Federal joga por terra o discurso do governo brasileiro de que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não agem do lado de cá da fronteira.
De acordo com o documento, datado de 28 de abril, a guerrilha colombiana não só tem violado sistematicamente a fronteira Colômbia-Brasil como tem utilizado o território brasileiro para seus negócios, especialmente o narcotráfico.
A conclusão faz parte do relatório final da investigação que levou à prisão, no dia 6, de José Samuel Sánchez, o "Tatareto", apontado pela Polícia Federal como integrante da comissão de logística e finanças da 1.ª Frente das Farc, um dos mais importantes destacamentos da guerrilha colombiana.
Rádio enterrado. O grupo que trabalhava na base brasileira utilizava conhecidas técnicas das Farc. O sistema de comunicação que Tatareto mantinha em seu sítio, perto de Manaus, era acionado em horários predeterminados para contatos com a guerrilha na Colômbia: às 7 horas , às 12 horas e às 17 horas. Na maioria das vezes, os diálogos eram codificados.
A exemplo do que as Farc fazem na selva colombiana para esconder armas e drogas, os dois aparelhos de rádio-comunicação ficavam enterrados, dentro de um tonel. A antena utilizada, que não costuma ser discreta, repousava, cuidadosamente camuflada, entre as copas de duas árvores.
Tatareto - "gago", em espanhol - foi preso com mais sete pessoas. Ele é acusado de comandar uma importante rota do tráfico que usava rios da Amazônia para fazer chegar a Manaus carregamentos de cocaína produzida na selva colombiana pelas Farc. Da capital do Amazonas, a droga era distribuída para outros Estados brasileiros e para a Europa.
A PF afirma que a guerrilha, encurralada na Colômbia pelas operações militares do governo de Álvaro Uribe, chegou a estabelecer bases na Amazônia brasileira. Encarregado da arrecadação de recursos para as Farc, diz o relatório, Tatareto "transferiu sua base operacional para o território brasileiro, de onde poderia coordenar (as atividades) com mais tranquilidade, sem o perigo do confronto armado frequente com as forças oficiais da Colômbia".
Os investigadores mapearam as duas mãos do esquema: as Farc enviam coca da Colômbia para o Brasil e, no sentido inverso, os recursos obtidos com a venda da droga são remetidos para acampamentos da guerrilha na Colômbia, seja em dinheiro vivo, seja na forma de mantimentos e insumos para refino da coca comprados em território brasileiro. "Tatareto disponibiliza parte dos recursos para a aquisição de mantimentos e logística em geral (combustível, produtos químicos, etc) que são comprados em Letícia (do lado colombiano) e destinados ao seu pessoal na selva", afirma a PF.
As cargas, aponta o relatório, são transportadas por balsas colombianas que fazem o trajeto regular entre as cidades colombianas de Letícia e La Pedrera, passando pelo território brasileiro. Uma das embarcações, a RR Camila, pertence ao colombiano Carlos Emilio Ruiz, preso em Bogotá por ligação com as Farc.
"Investimentos". A mesma investigação descobriu investimentos consideráveis do grupo de Tatareto no Brasil. Com o dinheiro amealhado com o comércio da coca, os colombianos compravam terrenos e barcos de pesca. Até empresas chegaram a ser abertas para "gerenciar" o patrimônio e acobertar as atividades ilegais do grupo. Nada era registrado em nome de Tatareto.
"Como membro da comissão de logística e finanças da 1. Frente das Farc, José Samuel Sánchez investe grande parte dos lucros provenientes das drogas na compra de barcos pesqueiros, os quais são colocados em nome de Carlos Rodrigues Orosco", diz o relatório da PF.
Para os investigadores, Carlos Orosco, ou "Carlos Colombiano", era uma espécie de testa-de-ferro de Tatareto. É em nome dele que estão tanto as empresas quanto os terrenos de propriedade do grupo. Uma das empresas é o Frigorífico Tefé Comércio e Navegação Ltda.
Registrado formalmente em 1998 - indicação de que o esquema da guerrilha em solo brasileiro pode estar em operação há mais de uma década -, o frigorífico servia para maquiar os carregamentos da droga, que navegava da região da fronteira com a Colômbia até Manaus escondida debaixo de camadas de peixe.
Na Junta Comercial do Amazonas, o frigorífico, cuja sede é um flutuante ancorado na orla de Tefé, no interior amazonense, aparece com um capital social de R$ 80 mil.
A fachada montada para dar ares de legalidade ao esquema vai além. O Estado levantou outras duas firmas relacionadas ao grupo. Carlos Colombiano, que também foi preso, figura ainda como proprietário dos barcos pesqueiros adquiridos pelo grupo. Ele chegou a ter cinco embarcações em seu nome - algumas delas, de grande porte, podem custar até R$ 250 mil.
Em nome do testa-de-ferro de Tatareto estão também pelo menos dois sítios. Um deles, à margem de um igarapé nos arredores de Manaus, tem área equivalente a 92 campos de futebol e era usado como base de comunicação com as Farc na Colômbia.
O documento de posse do terreno, em nome de Carlos Colombiano, foi apreendido pela PF no carro de Tatareto, que nas conversas gravadas pela polícia diz que a propriedade é sua. Outro imóvel, foi comprado e revendido recentemente. À PF, Carlos Colombiano disse tratar-se de "investimento".

Pontos-chave

Drogas para o Brasil
A conexão das Farc em território brasileiro era responsável por fazer com que a droga produzida na Colômbia cruzasse a fronteira com o Brasil, pelo Estado do Amazonas
Dinheiro para a Colômbia
Os recursos obtidos com a venda de drogas no Brasil eram enviados de volta às Farc em território colombiano, tanto em dinheiro vivo quanto em suprimentos
para a guerrilha
Base Logística
Grupo mantinha base de rádio com antena de 10 metros de altura escondida entre as árvores de um sítio na zona rural de Manaus (na foto, um transmissor é desenterrado por um dos detidos)
Comando infiltrado
O colombiano José Samuel Sánchez, conhecido como "Tatareto", é apontado como o chefe da conexão no Brasil. Ele usava CPF e RG brasileiros falsos, com o nome de Daniel Orosco

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100516/not_imp552455,0.php

Status da guerrilha junto ao governo cria dilema para agentes

Análise: Rodrigo Rangel

Ninguém fala abertamente, mas a posição hesitante do governo brasileiro em relação às Farc coloca em situação difícil os órgãos de segurança que, de alguma maneira, esbarram nas ações da guerrilha por aqui. Os investigadores se veem diante de um incômodo dilema. Avançar ou não? E se o governo não gostar?
No caso da operação que resultou na prisão de José "Tatareto" Sanchez, a justificativa já estava pronta com antecedência: se superiores pedissem satisfações, era só dizer que o colombiano fora flagrado traficando em território brasileiro. "Ele não foi preso porque é das Farc, foi preso porque é traficante e eu estava no cumprimento de meu dever", afirmou ao Estado, sob a condição do anonimato, um investigador que atuou no caso.
A razão da preocupação é simples. Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o Palácio do Planalto, o tema Farc é tabu. Brasília resiste firmemente às pressões de Bogotá e de Washington e não admite a possibilidade de classificar a guerrilha colombiana como organização terrorista. Em troca, as Farc dão mostras de que confiam no governo brasileiro: em duas oportunidades, a guerrilha aceitou que aeronaves militares do Brasil acompanhassem a Cruz Vermelha em delicadas missões de resgate de reféns na selva.
Para não entrar na briga, o governo argumenta que a guerrilha é um problema interno da Colômbia e que, por essa razão, não deve se intrometer.
O PT e a guerrilha já estiveram juntos no célebre Foro de São Paulo, conclave que reúne organizações de esquerda de toda a América Latina. É de lá a amizade que levou Raúl Reyes, número dois da guerrilha morto há dois anos num ataque militar da Colômbia, a escrever em 2003 ao recém-empossado Lula em busca de apoio para a causa das Farc. A mesma amizade permitia a Reyes manter contatos regulares via e-mail com alguns petistas, de dentro e de fora do governo.
É bem verdade que a guerrilha esperava mais de Lula. Talvez o mesmo apoio explícito que recebe de Hugo Chávez. Mas ela também não pode reclamar. Que o diga Olivério Medina, o padre das Farc a quem o Brasil concedeu refúgio político a despeito de sucessivos pedidos de extradição formulados pela Colômbia, onde ele é acusado de homicídio e sequestro.
Nessa simpatia envergonhada do governo pode estar a explicação para o fato de, mesmo diante de tantas evidências, ter demorado tanto tempo para que se mapeasse, para valer, a ação das Farc em território brasileiro.

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,status-da-guerrilha-ju…

Serviço antiterror mapeou Rota Solimões
Depois de quatro anos de investigação da Superintendência de Manaus, comando de Brasília ajudou na fase final da operação contra as Farc

Rodrigo Rangel

O governo brasileiro reluta em classificar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como uma organização terrorista, mas, por ironia, foi o Serviço Antiterrorismo da Polícia Federal um dos principais responsáveis pela operação que resultou na prisão de José Samuel Sánchez, o "Tatareto", e no mapeamento das bases operacionais das Farc no País.
A investigação sobre a rota do tráfico já se estendia por quatro anos na superintendência da PF no Amazonas. Quando surgiram os primeiros indícios da conexão com as Farc, agentes do esquadrão antiterror de Brasília foram acionados e passaram a auxiliar no caso. Aos poucos, o Serviço Antiterrorismo esquadrinhou a ousadia do grupo no Brasil. Foram localizadas pelo menos duas bases de operação.
"O curso das investigações, desenvolvidas sob a denominação Rota Solimões, deixou claro que a organização criminosa formada principalmente por colombianos trasladou suas bases operacionais para território brasileiro, aproveitando a vastidão da zona de fronteira pouco guarnecida para se homiziarem (esconderem) das ações do governo colombiano", diz a PF.
Pelo relato da polícia, fica claro que o território brasileiro não era um ponto de passagem, mas uma base fixa para gerar recursos para a guerrilha.
"Ficou evidente que a produção, o transporte e a distribuição se dão inteiramente em território nacional, mais especificamente no Estado do Amazonas", diz o texto.
Os papéis da investigação indicam que Tatareto também possuía um laboratório de refino de coca do lado brasileiro.

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,servico-antiterror-map…

Dinheiro seguia em espécie e via 'laranjas'
Valores eram depositados, em Manaus, em contas de \"laranjas\" residentes em Tabatinga, na fronteira com a Colômbia

Rodrigo Rangel

No relatório sobre a operação que desbaratou a base da narcoguerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) na região de Manaus (AM), a Polícia Federal detalha os caminhos do dinheiro do Brasil até o território colombiano.

Quando não seguia em espécie, em mãos de portadores da confiança de José "Tatareto" Sánchez, os valores eram depositados, em Manaus, em contas de "laranjas" residentes em Tabatinga, na fronteira com a Colômbia.
O documento da PF chama atenção para a "violação do território brasileiro através da imigração ilegal com a utilização de documentação falsa". Ele também menciona a "transferência da cultura da violência e do narcotráfico para as populações indígenas e ribeirinhas".
Tatareto, que a polícia aponta como o chefe da conexão Farc-Brasil, está no País há pelo menos dois anos. É um homem de múltiplas identidades.
Documentos falsos
Na Colômbia, ele usava dois nomes diferentes. Aqui, mesmo sem falar português, se passava por brasileiro. Graças a uma certidão de nascimento forjada num cartório de Tefé, conseguiu tirar RG e CPF e passou a viver como Daniel Rodrigues Orosco.
No papel, o "personagem" que Tatareto assumiu para encobrir sua real identidade é irmão de Carlos Colombiano, outro que se apresenta como brasileiro apesar do sotaque carregado e dos documentos, que a polícia acredita serem falsos.
Um terceiro alvo da investigação, o também colombiano Nestor Raúl Rodríguez Sánchez, é prova do fluxo financeiro do esquema e da maneira como as Farc veem no Brasil uma zona livre para agir.
Em 2007, quando seguia de Manaus em direção à Colômbia, ele foi preso com o equivalente a US$ 500 mil. O dinheiro, em notas de dólares e euros, estava escondido dentro de uma caixa de som.
Não se sabia origem nem destino dos recursos. Havia apenas suspeita de ligação com as Farc porque, ao reconstituir os passos de Nestor antes do flagrante, no sistema de vídeos de uma loja os agentes descobriram que ao comprar o som ele estava em companhia de Mauricio Bravo, irmão de Alfonso Rodríguez Bravo, o "Martín Boyaco", conhecido integrante da guerrilha.
Nestor acabou libertado. E estava livre até a semana retrasada, quando foi detido novamente na operação que prendeu Tatareto.
Problema novo
Nos cenários da PF, o narcotráfico das Farc tomou lugar dos outrora famosos cartéis colombianos. "Será um problema para nós daqui para frente. Como as Farc são hoje cada vez menos uma organização guerrilheira e mais uma organização voltada para o tráfico, a tendência é que esse problema atinja o Brasil de maneira mais intensa nos próximos anos", diz uma fonte com acesso à investigação.

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,dinheiro-seguia-em-esp…

Para lembrar
Ataque matou 4 brasileiros em 1991

João Paulo Charleaux

Em 1991, um ataque-surpresa das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), na Serra do Traíra matou quatro militares brasileiros. Foi a primeira vez que as Forças Armadas sofreram baixas por um ataque direto da guerrilha colombiana. Os militares pediram reforço de helicópteros que vieram de São Paulo e "liquidaram os inimigos sem voltar para ver o que sobrou", segundo um oficial da região. Desde então, o número de efetivos militares brasileiros na selva cresceu 350% em 30 anos, com a transferência de militares de batalhões e brigadas do Sul e do Sudeste. Um novo contato com os guerrilheiros ainda aconteceria em 1998, dessa vez com o saldo de quatro mortos do lado das Farc.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100516/not_imp552466,0.php

Expansão
Guerrilha ignora limite territorial

Equador
Em março de 2008, a Colômbia atacou um acampamento das Farc no Equador. A ação deixou 20 mortos, entre eles o porta-voz da guerrilha, Raúl Reyes.

Venezuela
A Colômbia acusa a Venezuela de tolerar a presença de guerrilheiros das Farc em seu território. No ano passado, Bogotá disse ter encontrado armas militares venezuelanas nas mãos dos rebeldes das Farc.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100516/not_imp552472,0.php

OESP, 16/05/2010, Internacional, p. A12-A13

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