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Caos climático dividirá a Humanidade

O Globo, Ciência, p. 26-27
07 de Abr de 2007

Caos climático dividirá a Humanidade
Relatório da ONU diz que países pobres serão os mais castigados pelo aquecimento provocado pelos ricos

As mudanças climáticas dividirão a Humanidade como nunca em toda a História. E os mais pobres sofrerão muito mais do que os ricos. O alerta está no segundo relatório mundial do clima o primeiro foi apresentado em fevereiro) divulgado ontem, em Bruxelas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês), as atuais desigualdades entre países ricos e pobres aumentarão significativamente nos próximos anos devido ao impacto do aquecimento global.

Populações de América do Sul, África e Ásia sofrerão muito mais do que as de Estados Unidos, Canadá, Europa e Austrália com o aumento de secas, perdas de safras agrícolas, doenças, tempestades e elevação do nível do mar.

A África apresenta o pior cenário. Segundo o documento, até 2020 entre 75 milhões e 250 milhões de pessoas no continente sofrerão com falta de água crônica. As alterações no clima trarão prejuízos para a agricultura, gerando fome. Áreas cultiváveis no continente deverão ser reduzidas. A elevação do nível do mar afetará a pesca nas áreas costeiras.

Na Ásia, acontecerão mais enchentes por causa do degelo no Himalaia. Depois, haverá falta de água à medida em que o gelo for desaparecendo. Mais de um bilhão de pessoas serão afetadas pela escassez.

- Os pobres serão os mais atingidos - declarou Rajendra Pachauri, um dos diretores do IPCC. - E isso inclui até mesmo aqueles que vivem em países ricos. Todos serão afetados.

O relatório do IPCC ressalta que justamente os países culpados pelas mudanças climáticas - os grandes emissores de gases do efeito estufa - são os que menos sofrerão com elas, além de terem dinheiro para implementar medidas para atenuar os seus efeitos.

Esse quadro de grande desigualdade e divisões foi ressaltado por grupos ambientalistas, que exigem que os governos dos países desenvolvidos atuem imediatamente para evitar uma catástrofe que vai atingir os menos favorecidos.

- A questão das mudanças climáticas já não é mais ambiental. Ela passou a ser humanitária - declarou Catherine Pearce, integrante da ONG Friends of the Earth.
O professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, integrante do IPCC, disse que o Brasil vai sofrer conseqüências importantes, principalmente o agravamento da seca no Nordeste e a redução das chuvas no Centro-Oeste, fenômenos que podem causar perdas agrícolas. Porém, a geração de energia hidrelétrica no Sudeste pode ser beneficiada pelo aumento do volume de chuvas.

- A mensagem principal do relatório é a urgência de implementar um modelo de desenvolvimento realmente sustentável. No Brasil, só teremos a ganhar se conseguirmos reduzir as queimadas na Amazônia e não devastarmos florestas para ampliar a produção de álcool - disse Artaxo.

Epidemia de dengue pode se agravar no Brasil
Mais doenças ligadas à falta de água no Hemisfério Sul

Vivian Oswald Especial para O GLOBO

O novo relatório da ONU sobre mudanças climáticas alerta para os efeitos do aquecimento global sobre a saúde humana, com o aumento dos casos de doenças tropicais, das enfermidades provocadas pela falta de água tratada ou pela seca e afirma que os países do Hemisfério Sul, sobretudo os mais pobres, serão os principais afetados.

O documento não chega detalhar o impacto na América Latina, mas o coordenador do grupo de Saúde do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o brasileiro Ulisses Confalonieri, afirma que o Brasil poderia ter períodos mais longos de epidemias de verão, como a dengue.

Outras doenças, como a malária, poderiam ampliar sua área de distribuição.

- As epidemias de dengue, que hoje vão de dezembro a março, em média, podem ganhar mais um ou dois meses, por exemplo. Outro problema importante são os movimentos migratórios. Se forem confirmados cenários de seca ainda maior em Norte e Nordeste do país (um dos cenários do relatório da ONU), podemos estar diante de novos inchaços das grandes cidades e, com ele, nos ver diante da redistribuição das doenças, problemas sociais com o sistema de saúde, entre outros - afirma Confalonieri, que é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.

Migração já originou dois mil casos de malária
Segundo Confalonieri, foram identificados na cidade de São Paulo cerca de dois mil casos de malária provocados pelo deslocamento da população, seja por movimentos migratórios, seja por caminhoneiros em trânsito pelo país. De acordo com especialistas brasileiros, se nada for feito para conter o aquecimento global, o Brasil poderá registrar nos próximos anos a expansão dos transmissores e, além de um aumento nos casos de dengue, mais casos de doenças como a malária e o cólera.

Existe ainda a expectativa de que cresça a população de barbeiros, transmissores do mal de Chagas.

No entanto, estes pesquisadores alertam para o fato de o número de casos destas doenças ser alto no Brasil independentemente do impacto do aquecimento global.

A explicação é simples: existe hoje no país uma grande vulnerabilidade, principalmente nas regiões mais pobres em função da falta de alimentação, de educação e de sistema de saneamento básico. Por esta razão, salientam a importância de aumentar os investimentos em saneamento e educação.

Cerca de 30% das espécies podem morrer
Aquecimento de até 2,5 graus deflagrará extinção em massa

Um dos cenários que mais chamou a atenção no relatório do IPCC divulgado ontem foi a previsão de que até 30% das espécies de plantas e animais da Terra estarão gravemente ameaçadas de extinção, caso a temperatura aumente entre 1,5 e 2,5 graus Celsius nas próximas décadas.

Essas espécies habitam ecossistemas vulneráveis e que já dão sinais de degradação.

Dentre elas, estão peixes, crustáceos, moluscos e uma série de outras criaturas marinhas que dependem dos recifes de corais para sobreviver.

Os corais são considerados muito vulneráveis à elevação da temperatura do mar.

O animal mais citado é o urso polar. O maior predador terrestre tem como território de caça as banquisas de gelo sobre o Oceano Ártico. Com a redução da cobertura de gelo, o urso terá cada vez menos alimento. Para muitos cientistas e ambientalistas, ele já é o maior símbolo das espécies ameaçadas pelo aquecimento global.

Na América do Sul, um dos ecossistemas que mais preocupa são as florestas de Valdivia, em Argentina e Chile. Suas árvores de mais de 3.000 anos e os animais que delas dependem podem não conseguir se adaptar a um mundo mais quente. O mesmo destino pode ter o urso de óculos, única espécie de urso da América do Sul e que vive nos Andes.

Tempo esquenta no IPCC

Um clima de divisão interna atingiu o IPCC e chegou ao ápice na véspera da apresentação do relatório, com alguns dos seus integrantes abandonando uma reunião que finalizaria os trabalhos. As discussões foram causadas por representantes dos governos de China e Arábia Saudita, que pressionaram os cientistas para que o texto final do documento fosse diluído e o grau de certeza sobre alguns dos impactos das mudanças climáticas, reduzido A americana Cynthia Rosenzweig, pesquisadora da NASA e uma das redatoras do relatório, abandonou a reunião por não concordar com a forma como o assunto estava sendo discutido.
- Cientistas e representantes de governos são dois grupos de pessoas bastante distintos, com formas de trabalho bem diferentes. Quando eles se encontram, faíscas se espalham - disse ela.

O Globo, 07/04/2007, Ciência, p. 26-27

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