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Cana versus alimento

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: BERTELLI, Luiz Gonzaga
05 de Abr de 2007

Cana versus alimento

Luiz Gonzaga Bertelli

Com o acentuado interesse dos americanos na importação do álcool brasileiro, culminando com a recente visita do presidente George W. Bush ao nosso país, foi reacendida a velha questão da competitividade da cana com as culturas alimentícias e pecuária.
Com efeito, basta o anúncio da implantação de um novo complexo sucroalcooleiro para suscitar a corrida de contratos de arrendamento das terras, com os seus preços majorados.
No Estado paulista, que responde por 60% da produção canavieira da nação, a área destinada à cana deverá duplicar nos próximos 10 anos.
Um dos maiores prejudicados é o pecuarista, eis que o produtor rural vislumbra a possibilidade de maior ganho com o arrendamento para a cultura canavieira. Diferentemente do boi europeu, alimentado com rações, o animal brasileiro tem um bom pasto, possibilitando à carne brasileira melhor sabor, sem receber excessiva carga de drogas.
Nos dias atuais, o proprietário de terra pode receber de R$ 490 a R$ 1.100 ao ano por hectare com o arrendamento para as usinas sucroalcooleiras. A renda média é de 4,8%, conforme anuncia a FGV.
Diante dessa acentuada procura, os preços médios da terra aumentaram de 18% a 22% nas regiões canavieiras. Confirmada a intenção dos EUA de montar uma grande parceria com o Brasil, transformando o álcool de cana em commodity mundial, se descortinará um tempo de bonança para a agroindústria brasileira. Será uma ocasião ímpar, que poderá beneficiar não só a cana mas também a pecuária e a produção de grãos, prestes a superar novo recorde.
Há 50 anos, a área com cana-de-açúcar no Brasil atingia 1 bilhão de hectares, alcançando 1,5 milhão de hectares em 1962. A expansão canavieira viria a ocorrer, acentuadamente, com o início da implantação do Pró-Álcool, em meados da década de 1970. Hoje, a cana ocupa mais de 5 milhões de hectares, com a substituição, principalmente, das áreas ocupadas com laranja e outras culturas, além de pastagens.
Com 850 Mha, o Brasil possui uma grande fração do território em efetivas condições de sustentar, economicamente, a produção agrícola, com a preservação das áreas florestais.
A agricultura utiliza, no início de 2007, apenas 7% (metade com soja e milho), pastagens para a pecuária, 35%, e florestas, 55%.
De acordo com o IBGE, nos últimos 40 anos, a expansão agrícola ocorreu, principalmente, nas áreas de pastagens degradadas e nos "campos sujos", e não nas áreas de florestas. A área atualmente ocupada pela cana-de-açúcar corresponde a 0,6% do território brasileiro, e as áreas aptas para a expansão dessa cultura são de mais de 12%.
Para os especialistas, o crescimento deverá ocorrer no Centro-Sul, particularmente no oeste paulista e nas regiões limítrofes com o Estado de Mato Grosso e Goiás.
Não há mais subsídios ou incentivos à produção do açúcar e do álcool no Brasil, e os nossos custos são os menores do mundo. Nas indústrias sucroalcooleiras paulistas mais eficientes, o litro do álcool está estimado em US$ 0,20, significativamente inferior ao álcool de milho americano ou de beterraba na Europa.
Existem condições de redução desses custos nos próximos anos e de aumento da nossa competitividade em relação aos derivados do petróleo. Nos últimos 30 anos, a substituição da gasolina pelo álcool representou uma economia de divisas de US$ 61 bilhões -ou de US$ 122 bilhões, se computarmos os juros.
A posição do Brasil, portanto, é privilegiada, com sua experiência acumulada em décadas pelo uso regular do álcool combustível. Com essa credencial, o nosso país poderá multiplicar o uso do álcool nos EUA e em outras nações, expandindo a produção interna sem prejudicar a produção dos vegetais destinados à alimentação do nosso povo, não esquecendo que o açúcar é, também, um excepcional alimento.

Luiz Gonzaga Bertelli , 72, jornalista e advogado, é diretor de Energia do Departamento de Infra-Estrutura da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

FSP, 05/04/2007, Tendências/Debates, p. A3

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