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Cana e javali dão esperança à onça-pintada

OESP, Metrópole, p. A15
05 de Jun de 2015

Cana e javali dão esperança à onça-pintada
Animal invasor que ocupa plantações no interior pode atrair predador e permitir sua conservação

Fábio de Castro

Espécie invasora que se espalhou pelo Brasil, o javali se adaptou às plantações de cana-de-açúcar e de eucalipto do interior paulista e tem causado grandes prejuízos aos setores que produzem etanol, papel e celulose. Mas esse desequilíbrio ecológico, que põe em risco as principais atividades agrícolas da região pode ser, paradoxalmente, oportunidade para a recuperação da onça-pintada - maior predador das Américas, hoje ameaçado de extinção.
A previsão foi resultado de pesquisa coordenada por Luciano Verdade, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. Segundo o trabalho, submetido para publicação na revista Animal Conservation, a transformação de pastagens em canaviais e florestas de eucaliptos favoreceu a explosão do número de javalis nessas áreas.
O estudo prevê que a abundância da espécie invasora atrairá de volta ao interior a onça-pintada, que em São Paulo está confinada à faixa litorânea de Mata Atlântica e ao Parque Estadual do Morro do Diabo, no extremo oeste do Estado. Isso significa que a onça-pintada poderá ser salva pelo mesmo fator responsável por seu declínio: as atividades agropecuárias.
"A distribuição do javali é maior a cada dia nas paisagens agrícolas que predominam no interior, canaviais e florestas de eucaliptos, enquanto as onças estão nas bordas, a leste e a oeste. Essa combinação espacial indica grande potencial de colonização dessas paisagens pelas onças-pintadas", disse Verdade. Segundo ele, em breve, as onças vão detectar os javalis e começarão a aparecer nas plantações.
Caso a previsão se concretize, o setor produtivo e os gestores públicos terão de aprender a lidar com o manejo da onça. "É muito bom que aconteça o retorno da onça-pintada, em vez de sua extinção. Mas há um custo e um risco eventual que precisam ser previstos."
O pesquisador prevê que serão necessárias pessoas capacitadas para gerenciar a onça-pintada na paisagem agrícola. Mais que isso, será preciso gerar conhecimento e inovação tecnológica. "Precisamos ser proativos, em vez de reativos. O primeiro passo é alertar que essa é a possibilidade real, para que a sociedade discuta a questão."
Embora a presença da onça-pintada possa parecer assustadora para quem está próximo das áreas agrícolas, cientistas afirmam que seu manejo adequado trará benefícios ecológicos, cujos frutos podem ser vantajosos para o setor. O mais evidente deles será limitar o alastramento dos javalis.

Invasor. Agressivo, de fácil adaptação e quase sem predadores, o javali está na lista das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo, elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Considerado praga, invadiu o Brasil a partir do Uruguai, no fim dos anos 1980.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), já foram registrados javalis no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Acre e Rondônia. O problema é tão grave que, em 2013, o Ibama autorizou a caça do animal para manejo controlado.
O javali, com cerca de 1,30 metro de comprimento e 80 kg, pode chegar a 250 kg quando miscigenado a porcos domésticos. Segundo Verdade, pode causar danos até mesmo no ambiente natural, pois costuma pisotear plântulas de árvores nativas, comer ovos de muitas aves, acelerar o processo de erosão e transmitir doenças.
"Ele come tudo e causa prejuízos nas plantações. É provável que só a onça-pintada seja capaz de abater um javali adulto", disse. "Mesmo havendo caça legal e ilegal, não é suficiente para controlar essa espécie."

Atividade agrícola molda biodiversidade

A atividade agrícola, ao longo do tempo, tem sido fundamental para determinar a estrutura da paisagem e, por consequência, moldar a biodiversidade. Essa foi a conclusão central de um projeto temático de pesquisa que, entre 2008 e 2013, analisou o processo histórico de mudança da paisagem agrícola no Estado de São Paulo a partir de 1850.
O coordenador do projeto, Luciano Verdade, da Universidade de São Paulo (USP), destaca a tese de doutorado de Maria Aparecida Lisboa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que analisa na região de Angatuba processo que ocorreu de forma generalizada em áreas do interior paulista.
Ela conta que a paisagem foi profundamente mudada a partir de 1870, quando a floresta foi fragmentada para dar lugar a plantações de café e algodão. "Com a crise de 1929, as áreas de cultivo foram abandonadas e ocorreu processo de 'revegetação'. Ao ver um fragmento de Mata Atlântica, achamos que ele esteve sempre ali, mas as transformações foram muitas."
Só a partir de 1970, com impulso para fomentar a agropecuária, a mata começou a ser substituída por pastos. "Já no início do século 21, a produção de papel e celulose, mais competitiva do que a pecuária, impulsionou nova conversão dos pastos em florestas de eucalipto", disse Verdade. Enquanto isso, os vários ciclos da cana-de-açúcar permeavam o processo.
Com as transformações, muitas espécies não conseguiram manter seu hábitat. Mas, para outras, surgiu a oportunidade de colonizar novos territórios. "Naquela região, temos mais áreas de conservação agora do que em 1870. Ainda temos ali 60% das espécies de aves originais e seis de grandes felinos. Só a onça-pintada desapareceu."
Segundo o pesquisador, algumas espécies não ficaram limitadas à mata nativa e mostraram capacidade de utilizar a paisagem de forma mais abrangente. "Quando passamos a observar o que ocorre com as espécies em uma escala temporal ampla, considerando a paisagem em sua totalidade, compreendemos que é preciso usar as plantações de forma multifuncional, com manejo capaz de conciliar produção e conservação."

OESP, 05/06/2015, Metrópole, p. A15

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