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Via Campesina destrói pesquisa da Monsanto

OESP, Nacional, p. A4
08 de Mar de 2008

Via Campesina destrói pesquisa da Monsanto
Grupo de mulheres invade área no interior de SP, rende porteiro e arrasa viveiro e campo de milho transgênico

Brás Henrique

Um grupo de mulheres da Via Campesina invadiu na madrugada de ontem uma unidade de pesquisa da empresa Monsanto, localizada em Santa Cruz das Palmeiras, município do interior de São Paulo, na região de Ribeirão Preto. Elas cortaram a cerca, renderam e amarraram o porteiro e depois destruíram um viveiro e o campo experimental de milho transgênico da empresa. Antes de sair, elas picharam as paredes da guarita de entrada com expressões como "mulheres em luta" e "transgênico mata".

A Monsanto é uma das maiores empresas do mundo na área de biotecnologia, produção e comercialização de sementes. Em fevereiro ela e a Bayer, outra gigante do setor, haviam obtido uma importante vitória no Conselho Nacional de Biossegurança, que, depois de um longo debate, liberou para produção e venda duas variedades de sementes que vinham sendo pesquisadas em campos experimentais. Um deles era o de Santa Cruz das Palmeiras. O protesto das mulheres da Via Campesina, portanto, não foi somente contra a Monsanto. Ele mirou também as autoridades que regulam o setor de biotecnologia.

A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso. Em nota, a Monsanto, que não permitiu o acesso da imprensa à área de plantio, condenou o ato.

Foi a segunda vez que aquela unidade foi invadida. Em julho de 2001, integrantes do Greenpeace foram até lá e jogaram tinta vermelha na área plantada, afirmando que o cultivo de transgênicos era irregular.

A invasão de ontem, que faz parte de uma jornada de lutas da Via Campesina para lembrar o Dia Internacional da Mulher, ocorreu por volta das três horas. Foi quando as mulheres chegaram à guarita, depois de atravessar um trecho de 50 metros de mato.

"Nosso objetivo é protestar contra a decisão do conselho de ministros que liberou o cultivo de duas variedades de milho transgênico - o que pode trazer várias conseqüências aos pequenos produtores e à reforma agrária do País", disse em Brasília a coordenadora nacional da Via Campesina e do Movimento dos Sem-terra (MST), Marina dos Santos. "O cultivo dos transgênicos tira a autonomia dos produtores brasileiros, que ficam reféns da Monsanto, que quer dominar o mercado de sementes no mundo."

A coordenadora do MST também disse que persistem divergências entre os cientistas a respeito do impacto ambiental e os danos à saúde que as sementes transgênicas podem causar: "O Brasil teria de esperar o resultado final desse estudo."

A Monsanto registrou boletim de ocorrência pela manhã. De acordo com o relato de Marcos Palhares, representante da área de biotecnologia, à polícia, cerca de 40 mulheres teriam invadido a área com paus e foices, danificando em seguida três experimentos e a estufa, deixando bandeiras do MST e da Via Campesina para trás.

DEPENDÊNCIA

A Via Campesina, organização internacional que no Brasil é representada principalmente pelo MST, é contrária à liberação dada pelo conselho de ministros, em fevereiro, para as duas variedades de milho transgênico (a Guardian, da linhagem MON810, da Monsanto, e a Libertlink, da alemã Bayer). Seus líderes vêem no avanço das pesquisas com transgênicos o risco de uma dependência cada vez maior dos produtores rurais diante dos grandes grupos da área da biotecnologia e do agronegócio. De acordo com nota da entidade internacional, "os transgênicos não são simplesmente organismos geneticamente modificados, mas produtos criados em laboratórios que colocam a agricultura nas mãos do mundo financeiro e industrial".

Mulheres divulgam imagens da invasão

A ação da Via Campesina, realizada na madrugada de ontem no campo experimental da Monsanto, não foi acompanhada por repórteres, fotógrafos nem cinegrafistas. Mas contou com um eficiente serviço de divulgação. Logo pela manhã, os principais veículos de comunicação já tinham sido avisados da ação pelos assessores de imprensa da Via Campesina e do Movimento dos Sem-Terra.

Paralelamente, foram postas à disposição dos interessados fotos com o registro da ação das mulheres - feitas pelo próprio serviço de divulgação do movimento. A foto no alto desta página foi cedida pela Via Campesina. Agências internacionais de notícias também puderam distribuir o material. O alvo da Via Campesina era principalmente a Europa, onde existe uma sensibilidade maior para a questão dos transgênicos.

Esse tipo de ação é bastante utilizado pelo Greenpeace, em ações relâmpagos e em locais de difícil acesso. No Brasil, o MST usa a tática de invadir os locais sem avisar e logo em seguida chamar a imprensa.

No caso de ontem foi uma ação relâmpago - na qual se procurou proteger também a identidade das mulheres, para evitar seu indiciamento em inquérito policial, como ocorreu após a invasão de um viveiro experimental de mudas de eucalipto, no Rio Grande do Sul, em março de 2006.

Outra explicação para a tática de ontem foi o temor de que a Monsanto não desse divulgação ao fato, evitando assim levantar mais poeira em torno da polêmica sobre os transgênicos. De acordo com relatos de representantes da Via Campesina, que reúne movimentos de defesa da reforma agrária e contra o agronegócio em diversas partes do mundo, a empresa já utilizou essa tática em outros países.

Criada em 1901, a Monsanto é uma das principais empresas do mundo na área de biotecnologia. Segundo informações de seu site, investe US$ 1,5 milhão por dia na área de pesquisas.

Sem-terra agiram em 4 Estados durante a semana
Após invasão no Rio Grande do Sul que deixou feridos, aconteceram ações em SP, PR e PE

Evandro Fadel, Angela Lacerda e Elder Ogliari

Após uma invasão no Rio Grande do Sul na terça-feira, seguida de ação policial que deixou vários feridos, a Via Campesina fechou a semana com ações em quatro Estados. Além do protesto contra a Monsanto, no interior paulista, houve atos ontem no Paraná e em Pernambuco.

A Via Campesina promoveu manifestações em cinco municípios paranaenses, com grande participação de mulheres, já que hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher.

Segundo o movimento, foram mobilizadas 1,5 mil pessoas. Os atos foram diante de escritórios da multinacional Syngenta Seeds, que acusam de crime ambiental e violência.

Em Londrina, no norte do Estado, um grupo com aproximadamente 300 pessoas ocupou uma praça e chegou a entrar no prédio onde fica o escritório da multinacional, mas depois saiu sem causar danos.

A Syngenta confirmou, por nota, que escritórios de venda foram alvo de manifestações e a unidade de Santa Teresa, à tarde, continuava invadida. "Reafirmamos nossa preocupação com as manifestações e os atos que tentam impedir o desenvolvimento da agricultura, trazendo prejuízos a todos: agricultores brasileiros, comunidade e economia do País", diz a nota. "Esperamos que não ocorra violência e acreditamos que por meio do diálogo sejam buscadas as soluções."

No Recife, aos gritos de "usineiros assassinos" e "basta de trabalho escravo", um grupo de mulheres jogou tinta vermelha na porta e nas paredes da sede do Sindicato do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar). No protesto, elas queimaram um molho de cana-de-açúcar e colaram cartazes na fachada do sindicato, contra o trabalho escravo e a monocultura da cana. A porta do sindicato foi fechada e não houve conflito.

No centro de Porto Alegre, cerca de 50 militantes do PSOL do Rio Grande do Sul protestaram contra a violência sofrida pelas mulheres da Via Campesina durante a desocupação da Fazenda Tarumã pela Brigada Militar, na terça-feira.

OESP, 08/03/2008, Nacional, p. A4

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