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A caminho da praia, Serra do Mar guarda riqueza em flora e fauna

OESP, Vida, p. A16-A17
30 de Dez de 2007

A caminho da praia, Serra do Mar guarda riqueza em flora e fauna
Em 3.150 km2, o maior parque de mata atlântica do País abriga mais espécies por hectare do que a Amazônia

Herton Escobar

Na corrida para chegar ao mar e ver 2008 nascer com o pé na areia, milhares de paulistanos enfrentam horas de trânsito em estradas que descem por montanhas verdejantes, sem se dar conta de que estão atravessando uma das florestas mais ricas e ameaçadas do planeta.

Seja qual for o caminho escolhido para chegar à praia, todos passam obrigatoriamente por um lugar: o Parque Estadual da Serra do Mar, maior unidade de conservação da mata atlântica no País. E, seja qual for a praia escolhida, lá estará ele também, erguendo-se ao fundo como uma muralha, refrescando o ar, purificando as águas, preservando a biodiversidade e a paisagem selvagem que ainda caracteriza o litoral paulista.

O parque completou 30 anos em 2007 com a saúde renovada pelo recém-concluído plano de manejo - documento que orienta a gestão e a implementação de áreas protegidas, publicado no fim de 2006. Gestores falam com otimismo sobre o futuro da serra, coisa rara entre unidades de conservação. "Nos 18 anos que estou aqui, nunca vi uma situação tão positiva", diz o engenheiro florestal João Paulo Villani, diretor do Núcleo Santa Virgínia, na ponta norte do parque.

Com 3.150 quilômetros quadrados, o Parque Estadual da Serra do Mar tem mais que o dobro da área da cidade de São Paulo (1.523 km²). Corta 23 municípios, incluindo o extremo sul da capital. Seu formato é incomum: fino e comprido, acompanhando o contorno das montanhas que lhe dão nome. Desde Peruíbe, na costa sul, até Ubatuba, na divisa com o Rio, o parque é o pano de fundo para quase tudo que acontece no litoral paulista. É oceano de um lado, montanhas de mata atlântica do outro. E, no meio, alguns milhões de turistas espremendo-se por um lugar ao sol.

Com a maior parte de sua cobertura florestal preservada, o parque é abrigo para milhares de espécies de fauna e flora, muitas delas endêmicas e ameaçadas de extinção. Hectare por hectare, a mata atlântica é o bioma com a maior diversidade de espécies arbóreas do planeta, segundo o biólogo Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que há mais de 30 anos pesquisa a biodiversidade da Serra do Mar.

Na região do parque, a concentração pode chegar a 220 espécies por hectare - abaixo do recorde da mata atlântica, de mais de 300 espécies, registrado em Santa Teresa (ES), mas acima da média da Amazônia, onde a concentração varia de 100 a 200 espécies por hectare.

Isso tudo, contando apenas as espécies arbóreas. Se fossem consideradas também as bromélias, orquídeas e outras plantas que crescem no tronco das árvores, o número seria bem maior. Mas ninguém fez essa conta ainda, segundo Joly. "Não saberia nem dar uma ordem de grandeza", diz o pesquisador.

Essa é uma das lacunas que ele espera preencher como coordenador do Projeto Temático Biota Gradiente Funcional, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que está fazendo um levantamento detalhado da diversidade e da ecologia das espécies florísticas da mata em diferentes níveis de altitude.

O parque é terreno fértil para a ciência. Cerca de 200 projetos de pesquisa já foram realizados na unidade e outros 100 estão em andamento.

A biodiversidade de fauna é igualmente impressionante. O parque abriga 373 espécies de aves, cerca de um quinto de tudo que existe no Brasil. Os mamíferos são 111 e os anfíbios, 144. Muitas são espécies endêmicas da mata atlântica e algumas, do próprio parque (só existem ali). A mata atlântica, que já cobriu 1,2 milhão de km², hoje está reduzida a pouco mais de 7% da sua extensão original.

Visitação

A maior parte dessa riqueza biológica, entretanto, passa incógnita aos olhos dos turistas que atravessam a serra em direção à praia. O parque recebe cerca de 250 mil visitantes por ano, mas a infra-estrutura turística ainda é precária. Apenas quatro dos oito núcleos da unidade possuem centros de visitantes (Caraguatatuba, Cunha, Itutinga-Pilões e Picinguaba). Todos possuem trilhas para caminhadas guiadas na mata, mas a condição da maioria é insatisfatória, segundo a avaliação que consta no plano de manejo.

O governo do Estado tem planos de construir mais seis centros de visitantes, 20 novas trilhas e 20 bases de apoio à fiscalização e ao uso público (visitação e pesquisa).

7 mil famílias vivem na encosta

Herton Escobar

A área mais problemática do parque fica em Cubatão, no eixo das Rodovias dos Imigrantes e Anchieta. Quase sete mil famílias de baixa renda vivem irregularmente nos chamados bairros-cota e no bairro Água Fria, na encosta da serra. O governo do Estado tem um projeto em andamento para retirar todas essas famílias do parque e transferi-las para unidades do CDHU na cidade, especialmente projetadas para essas populações.

O reassentamento é uma das prioridades do Projeto Serra do Mar, lançado neste ano pelo governador José Serra. "Claro que há o desconforto da mudança, mas, sem dúvida, será para uma qualidade de vida melhor", diz a gerente de unidades de conservação da Fundação Florestal, Adriana Mattoso. A mudança, segundo ela, deve começar dentro de dois anos. "Ninguém gosta de ser ilegal. Quem é invasor não é cidadão, vive sempre numa situação de risco."

Segundo a diretora do Núcleo Itutinga-Pilões, por onde passam as rodovias, as famílias não dependem da mata atlântica para sobreviver. "As pessoas estão lá porque não têm outro lugar para morar", diz Adriane Tempest.

Torre vai monitorar interação de mata e clima

Herton Escobar

A maior novidade científica da mata atlântica é uma torre de ferro de 60 metros erguida em meio à floresta em São Luiz do Paraitinga, no Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar. Há cerca de um mês, equipamentos instalados no topo da estrutura (equivalente a um prédio de 20 andares) monitoram em tempo real tudo que se passa entre a floresta e a atmosfera.

Temperatura, umidade, radiação, vento, chuva: tudo é registrado automaticamente e enviado via satélite para os pesquisadores. Sensores especiais também medem cinco vezes por segundo quanto entra e quanto sai da floresta em dióxido de carbono (CO2) e água.

Com isso, os cientistas esperam aprender sobre o funcionamento da mata, sua interação com o clima, os serviços ambientais que são prestados por ela, e como isso poderá mudar no futuro. "Queremos entender tudo que controla a existência dessa floresta", diz o pesquisador Humberto Rocha, da Universidade de São Paulo (USP), que coordena o projeto. "Temos de antecipar como esse ambiente vai reagir diante da perspectiva de mudanças climáticas."

O projeto é inspirado no programa LBA, que há dez anos mantém torres desse tipo espalhadas pela Amazônia, produzindo informações fundamentais sobre a floresta e o clima. Agora, cientistas esperam fazer o mesmo pela mata atlântica. Quatro instituição participam do experimento, financiado pela Fapesp: USP, Unicamp, Instituto de Botânica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A torre foi estrategicamente construída na vertente de uma bacia hidrográfica de 2,5 km², coberta de mata. Os resultados obtidos ali poderão servir como modelo para a mata atlântica do sul de São Paulo até o Espírito Santo, por causa da similaridade dos sistemas meteorológicos da região. "Para quem não conhece nada, daremos um salto imenso de conhecimento", diz Rocha.

SERVIÇOS AMBIENTAIS

A exemplo do que ocorre na Amazônia, os cientistas procuram respostas para perguntas básicas sobre os ciclos de carbono e água na mata atlântica. Será a floresta um sorvedouro ou uma fonte de CO2? Qual é a contribuição da floresta para a formação de chuvas na região? Como isso varia durante o ano?

As respostas serão importantes para a construção de modelos climáticos mais precisos e para a quantificação de serviços ambientais, como a produção de água. Nada menos do que 15 milhões de pessoas (incluindo todo o litoral, Vale do Paraíba e parte da região metropolitana) são abastecidas pelas águas que nascem na Serra do Mar.

É possível que a floresta funcione como uma esponja viva, capturando parte da umidade que sopra do mar e injetando essa água no sistema terrestre. "Sem a mata, talvez não houvesse nada para segurar essa umidade", diz o biólogo Rafael Oliveira, da Unicamp.

Área do parque é revista para que vilas permaneçam
Ao contrário do que diz a regra, no caso da Serra do Mar, moradores tradicionais não terão de deixar unidade

Herton Escobar

A regra para qualquer unidade de proteção integral, como o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), é clara: moradores não são permitidos. Em caso de conflito fundiário, a obrigação do poder público é desapropriar, indenizar e remover os ocupantes particulares da área. Só no caso das comunidades caiçaras e quilombolas do Núcleo Picinguaba do PESM, em Ubatuba, deverá ocorrer o inverso: em vez de os moradores saírem de cima do parque, é o parque que vai sair debaixo deles.

"Por serem comunidades reconhecidamente tradicionais, decidiu-se que é o parque quem deve se retirar", diz a gerente de unidades de conservação da Fundação Florestal, Adriana Mattoso. Quatro populações deverão ser beneficiadas nas Vilas de Picinguaba e Cambury, e nos sertões da Fazenda e Ubatumirim. Ao todo, são 350 famílias de pescadores e quilombolas em 3.700 hectares.

O Núcleo Picinguaba é o único no qual o parque chega até a beira do mar. Até que as fronteiras sejam redesenhadas, as áreas ocupadas pelas comunidades foram classificadas como zonas histórico-cultural-antropológicas. Isso permite que as famílias tradicionais (que estejam no local há várias gerações) permaneçam na área e pratiquem atividades típicas.

O presidente da associação de moradores da Vila de Picinguaba, Eulles Costa Feijó, não está entusiasmado. "Nesses 30 anos, o parque nunca trouxe nenhum benefício", disse. A reclassificação, segundo ele, não mudará muita coisa, pois a vila continuará cercada pelo parque.

Conhecido como Lelinho, Costa fez faculdade de biologia marinha em Santos, mas voltou para a vida de pescador. "A água salgada está no sangue", diz. Ele critica o parque e a prefeitura de Ubatuba por "abandonarem" a vila. A escolinha local vai só até a quarta série. O posto de saúde funciona apenas uma vez por semana. Não há sistema de esgoto.

Lelinho reconhece, porém, a importância do parque em frear a exploração imobiliária e a ocupação desenfreada da vila - um paraíso tranqüilo para turistas que querem fugir da badalação. "Sem o parque, isso aqui já tinha virado uma Rocinha, uma Angra dos Reis", diz.

QUESTÃO FUNDIÁRIA

Comunidades não tradicionais não terão o mesmo privilégio. Terão de sair do parque. Dos R$ 70 milhões previstos no Projeto Serra do Mar para implementação do PESM nos próximos quatro anos, cerca de 90% serão destinados para regularização fundiária. "Todas as áreas do parque que estão ocupadas serão desocupadas", garante Adriana. Mais da metade do parque ainda está nas mãos de particulares.

O Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) está fazendo o levantamento fundiário completo do parque para que sejam feitas as desapropriações.

O orçamento previsto para o parque em 2008 é de R$ 17 milhões, quase seis vezes maior do que o de 2006 (R$ 3 milhões). Outros R$ 55 milhões serão injetados no pagamento de compensações ambientais de grandes obras.

OESP, 30/12/2007, Vida, p. A16-A17

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