OESP, Nacional, p. A12
25 de Jan de 2004
Caiovás de Mato Grosso do Sul copiam MST
Semelhanças são evidentes nas invasões, nos confrontos e métodos de organização interna
JOSÉ MARIA TOMAZELA
Enviado especial
Os índios caiovás-guaranis estão copiando as táticas utilizadas pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) nas invasões de fazendas em Mato Grosso do Sul. A semelhança vai do estudo estratégico das áreas a serem atacadas à forma de enfrentamento nos conflitos com a polícia ou os fazendeiros. No confronto ocorrido na quarta-feira, crianças foram colocadas à frente da coluna que avançou na direção dos ruralistas. Um rapaz de 14 anos foi o único índio ferido.
A exemplo do MST, os caiovás usam máscaras para evitar sua identificação. Os líderes são trocados com freqüência e há coincidência no uso de bordões e cantos de luta. Vizinhos da Aldeia Porto Lindo, em Japorã, existem dois assentamentos do MST. Há ligações entre índios e assentados. No assentamento Indianópolis, na quinta-feira, segundo denúncia do criador José Maria Varago, foram abatidos três bois retirados da sua fazenda, invadida pelos índios.
Para o presidente da Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul), Leôncio de Souza Brito Filho, há forte correlação entre os movimentos: "Ambos são alimentados pela ala progressista da Igreja Católica e respaldados por órgãos do governo."
Como os sem-terra, os índios fazem cobranças e ameaças aos jornalistas. Lêem os jornais levados por funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e sempre refutam o uso da palavra invasão. Querem que suas ações sejam identificadas com o termo ocupação - como também quer o MST. "Índio não está invadindo, está retomando as terras deles", explicam os caciques. Eles imitam os sem-terra ainda quando limitam a circulação da imprensa nas áreas que controlam.
Conselhos - Ao invés de foices e enxadas, exibem para as câmeras arcos, flechas e bordunas - as armas de fogo não aparecem.
Para manter a disciplina interna, uma marca dos sem-terra, foram criados os chamados "conselhos indígenas".
Derrubada de cercas, abate de bois, depredação de instalações rurais e resistência às ordens judiciais são métodos que os índios parecem ter aprendido com o MST. Nas 14 fazendas invadidas entre Japorã e Iguatemi, móveis, eletrodomésticos, utensílios e alimentos foram tomados e as provisões de alimentos, saqueadas.
"Os índios levam vantagem sobre os sem-terra, pois estão praticamente fora do alcance da Justiça", diz o presidente do Sindicato Rural de Dourados, Gino José Ferreira. Para o administrador de fazendas Manuel Aparecido da Silva, os sem-terra mostram mais respeito pelas pessoas: "Os índios estão agindo de forma muito violenta." Ele já foi vítima dos dois grupos. Quando a Fazenda Agrolac foi tomada pelos caiovás, mal teve tempo de pegar a família e sair correndo. "Chegaram e foram destruindo tudo."
Na região, onde os índios tentam ampliar a área da Aldeia Porto Lindo, existem pelo menos cinco acampamentos de sem-terra.
'Eles acordaram. Não querem ser os bestas da história'
ROLDÃO ARRUDA
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o antropólogo Mércio Pereira Gomes, descarta a hipótese de que o Movimento dos Sem-Terra (MST) esteja orientando os índios em Mato Grosso do Sul. "Não temos nenhum indício nessa direção", disse.
Ele não negou, porém, a influência de outros grupos: "Os índios têm contato com outras pessoas, vêem as ações dos sem-terra, e isso acaba tendo alguma influência. Eles não querem mais ser os bestas da história."
Para o antropólogo, seria melhor analisar a situação sob outro ângulo, o da conscientização política: "Tudo está em efervescência. O MST, os fazendeiros, os índios. Há uma vontade de participação política em todos os lados. O processo cultural de ampliação da conscientização brasileira é amplo, profundo, e se ramifica em várias direções. Até os índios, que sempre se mantiveram muito humildes, parecem ter acordado."
O antropólogo diz também que é difícil para quem está de fora compreender a organização indígena: "A palavra cacique é a mais inadequada para os índios.
Eles têm vários representantes, precisam ouvir muita gente para tomar uma decisão, o que freqüentemente atrasa as negociações. Mas é assim que eles se organizam."
OESP, 25/01/2004, Nacional, p. A12
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