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Caiapós caem nas mãos de contrabandistas

O Liberal-Belém-PA
Autor: Carlos Mendes
08 de Mai de 2004

Índios vêm sofrendo assédio para vender mogno de suas terras a preços baixos com base em contratos sem valor legal

Não foi a primeira e nem será a última que alguns caciques caiapós de São Félix do Xingu, para tentar manter o padrão capitalista de suas aldeias implantado pelo falecido cacique Tutu Pombo, entregam a preço de banana o ouro e o mogno ainda abundantes em suas terras para comerciantes que os fazem assinar contratos de exploração sem nenhum valor legal. A fama de índios mais ricos do Brasil poderia dispensá-los dessa vinculação criminosa com os contrabandistas de minérios e predadores das florestas do sul do Pará.
Os caiapós já chegaram a movimentar por ano mais de U$$ 15 milhões, ou R$ 45 milhões, derrubando 20 árvores por dia de espécies nobres, como mogno e cedro, além de extrairem seis mil litros anuais de óleo de castanha-do-pará, vendidos para países europeus, especialmente a Inglaterra. Hoje, o comércio se sustenta apenas da venda do óleo de castanha, que rende menos de U$$ 2 milhões ao ano. O sucesso desses negócios lícitos ou por debaixo dos panos transformou alguns caciques em marajás, com padrões financeiros de fazer inveja à classe média alta de Belém. Na cidade de Redenção, no sul do Estado, novos ricos como Tutu Pombo, falecido em 1994, Raoni e Paulinho Paiakan passaram a ser invejados pela maioria da população de "brancos" ao transitar pelas ruas e avenidas em veículos modernos e possantes.

Proibido - Nada disso foi obtido sem lutas internas entre seus líderes. A expansão capitalista entre os chefes indígenas começou com Tutu Pombo, que chegou a enfrentar a resistência de Raoni e Paulinho Paiakan. Depois, eles acertaram seus ponteiros em nome do progresso e do desenvolvimento das aldeias espalhadas por mais de 3,3 milhões de hectares entre São Félix e Altamira.

As vacas magras das finanças começaram a desfilar no pasto das aldeias caiapós quando o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)s, a partir de 1998, proibiu a exploração, transporte e comercialização de mogno. Antes, em 1992, um episódio sexual atingiu como uma bomba o conceito que Paiakan.

Ganhador do Prêmio Global 500 da Organização das Nações Unidas (ONU), espécie de Oscar ecológico, admirado pelo príncipe Charles e por Jimmy Carter, Paiakan foi acusado do estupro de uma jovem estudante branca, em junho de 1992. A mulher era professora de seus filhos e foi atacada dentro da caminhonete do cacique, onde também estava sua mulher, a índia Irekran. Paiakan foi absolvido em novembro de 1994, numa sentença polêmica do juiz Helder Lisboa Ferreira da Costa. Em 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Pará, que reformou a sentença de Helder Lisboa, condenando o cacique a quatro anos de prisão em regime fechado. A partir dessa decisão, Paiakan sumiu de Redenção para não cumprir a pena, refugiando-se na aldeia Aukre, onde hoje vive numa bela casa à beira de um lago.

Crime - Paiakan perdeu poder entre os caiapós e negócios com empresas multinacionais. Foi um duro golpe para a tribo. Outros caciques também sofreram perdas econômicas com transações desfeitas em cima da hora. A repercussão negativa do episódio afastou investidores e parceiros dos caiapós. Os contrabandistas de ouro e os traficantes de mogno sentiram a oportunidade de se aproximar ainda mais dos índios.

Em 2002, dezenas de contratos para a exploração de mogno foram fechados entre os caiapós e prepostos de grandes madeireiros. Por cada metro cúbico de mogno, os caiapós recebiam R$ 25. O mesmo metro era vendido depois a R$ 2,4 mil no mercado internacional. Alguns caciques perceberam o tamanho da exploração financeira que estavam sofrendo e decidiram não liberar a madeira.

O resultado foi risível: um advogado, defensor dos madeireiros, decidiu processar os índios, alegando que eles haviam assinado um contrato registrado em cartório, permitindo a retirada de mogno em suas terras, mas não o cumpriram. O então juiz de Redenção, José Torquato de Alencar, nem perdeu tempo com a bobagem: determinou que a Polícia Federal apurasse o crime. Afinal, o contrato era uma confissão da exploração ilegal de madeira em terras da União. Na última quinta-feira, durante operação da PF para a retirada de garimpeiros, um novo contrato assinado entre índios e contrabandistas de ouro foi descoberto.

Até bebida e drogas já são fornecidas

Se em São Félix do Xingu o problema nas terras caiapós é com madeireiros e garimpeiros, na região do médio Iriri - onde ficam as áreas Kararaô e Arara, em Altamira -, a invasão de pescadores é um problema que vem desde a década de 80, quando o esgotamento do potencial pesqueiro nas regiões próximas a Altamira começou a fazer com que a atividade rumasse rio acima.
Em 1996, um conflito entre os caiapós de kararaô e pescadores resultou na morte de dois homens e na fuga de outros sete. Segundo um relatório da Funai de Altamira, para terem acesso a locais de boa pescaria no interior de áreas indígenas, os invasores fornecem produtos como bebida alcoólica e, mais recentemente, maconha aos índios. Em troca desses produtos, há informações de que os pescadores também estariam recebendo mulheres indígenas.

Madeira - Em Altamira, várias terras indígenas sofrem invasões de madeireiros. O caso mais grave é o da reserva Apyterewa, dos índios parakanã, conforme o Relatório de Vigilância e Proteção das Terras Indígenas, da Funai. Diz o relatório que, toda a extensão de Apyterewa está tomada por madeireiros, que freqüentam a aldeia e fornecem bebidas alcoólicas, armas e outras mercadorias aos índios. Alguns desses são coniventes com a presença dos invasores. Os pedidos de prisões preventivas de nove madeireiros, por parte da Procuradoria Regional da Republica de Marabá, não foram suficientes para alterar a situação.

No final de 1998, servidores do Ibama e Polícia Federal estiveram na região, com a "Operação Macauã", e decretaram a proibição da exploração, transporte e comercialização do mogno. (C. M.)

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