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Cadê os Yanomami? Onde estão os integrantes da aldeia onde vivia a menina morta por garimpeiros? Mobilização cobra providências das autoridades

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Autor: NENES, Mônica
04 de Mai de 2022

Cadê os Yanomami? Onde estão os integrantes da aldeia onde vivia a menina morta por garimpeiros? Mobilização cobra providências das autoridades

4 de maio de 2022
Mônica Nunes

Em 25 de abril, pouco antes da meia noite, Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek'wana (Condisi-YY) denunciou, em seu Twitter, o ataque de garimpeiros à aldeia Aracaçá, na região Waycás, onde uma menina de 12 anos foi raptada e violentada até a morte.

Ele havia recebido as informações via rádio e, no dia seguinte, comunicou o MPF - Ministério Público Federal, a Funai - Fundação Nacional do Índio e a Polícia Federal.

Os invasores atravessaram o Rio Uraricoera de barco e aproveitaram a ausência da maior parte dos integrantes da aldeia Aracaçá, que trabalhavam na roça, para levar a menina, sua tia e uma criança de 4 anos a. Na luta da mulher com os garimpeiros para tentar evitar a violência contra a menina, a criança foi arremessada ao rio e desapareceu.

A aldeia ficaca na região de Waikás, invadida por garimpeiros e que registrou o maior avanço da exploração ilegal, como denuncia relatório Yanomami sob Ataque, lançado pela Associação Hutukara (Hay) lançado em março, que denuncia o crescimento das invasões, além de ataques sexuais contra meninas e mulheres na TI Yanomami (contamos aqui).

O local é de difícil acesso: saindo de Boa Vista de avião até Waikás, leva-se cerca de 1h15 e, mais 30 minutos de helicóptero (ou cinco horas de barco pelo rio Uraricoera) até a comunidade Aracaçá.
Repercussão

O caso repercutiu fortemente e, dois deias depois, levou a ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, a pedir a palavra para o presidente Luiz Fux - antes do início de mais uma sessão do julgamento do Pacote Verde, iniciado em 30/3 - para relatar, indignada, o acontecimento e solicitar providências dos órgãos responsáveis que, até então, pouco tinham se manifestado (contamos aqui).

Junior planejava ir ao local com a Polícia Federal no dia seguinte ao crime, mas o mau tempo impediu. Em 27 de abril, numa aeronave da FAB - Forca Aérea Brasileira, uma comitiva formada por representantes da PF, Funai, MPF e Sesai, além de Júnior, viajou ao local e, além do acampamento dos garimpeiros abandonado (com documentos deixados para trás), encontrou a aldeia vazia e uma das casas queimada.
Fogo em parte da aldeia Aracaçá / Foto: reprodução de vídeo

Onde estariam os Yanomami? Fugiram com medo dos criminosos? Foram ameaçados por eles?

Junior contou que seis yanomami (3 adultos e 3 adolescentes) encontrados no acampamento - que pareciam orientados para despistar as investigações - revelaram pouco e disseram que não poderiam falar da violência contra a menina.

Do outro lado do rio Uraricoera, o presidente do Condisi-YY gravou vídeos para mostrar a cabana queimada, questionando o desaparecimento dos Yanomami. Em outra gravação, disse que uma liderança Sânoma (grupo ao qual pertence os indígenas da aldeia Aracaçá) contou que alguns grupos abandonam a aldeia, depois de uma tragédia para procurar um novo lugar pra viver. E que cremar o corpo dos mortos faz parte dos rituais fúnebres da etnia. Comentou também que a cabana queimada talvez tivesse sido utilizada com essa finalidade. Mas tudo ainda são conjecturas.

Naquele dia, a PF divulgou nota conjunta com Funai e Sesai na qual declarou que não havia encontrado indícios do crime, mas que daria continuidade às investigações. "As diligências demonstraram a necessidade de aprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos".

Circulam pelas redes sociais vídeos de garimpeiros pressionando indígenas ou declarando que a "paciência acabou" e que "vão responder igual" em relação às denúncias contra eles.

Em nota, o Condisi-YY ainda levanta mais uma suspeita: a de que os indígenas encontrados pela comitiva foram pagos para não falarem nada. "Após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 5 g de ouro dos garimpeiros para manter o silêncio".

Hoje, no final da tarde, a Defensoria Pública da União - órgão que presta atendimento jurídico integral e gratuito aos cidadãos necessitados - comunicou que também participará da investigação do caso Aracaçá.
Os Yanomami, muito além de Aracaçá
A aldeia Aracaçá antes da tragédia / Foto: divulgação Cosindi-YY

Levando em conta as diversas história pode ficar sem solução, também porque o corpo da menina certamente foi cremado e realmente não há indícios do crime. E, se a criança que caiu no rio não for encontrada, as investigações podem ser encerradas. O medo pode colar os Yanomami. E ainda há os que se vendem por ouro, como indicado acima.

O crime repugnante contra a menina de 12 anos e o 'desaparecimento' dos integrantes de sua aldeia repercutiram em todo o país e têm mobilizado lideranças indígenas, organizações, políticos, artistas e influencers como as organizações ISA - Instituto Socioambiental, Sinal de Fumaça, Observatório do Clima, as indígenas Thyara, Alice Pataxó, Sonia Guajajara, Célia Xakriaba, o DJ Alok, as cantoras Anitta, IZA e Ná Ozzetti, a filósofa Marcia Tiburi, o comediante Whindersson Nunes, a influencer Juliete, o político Guilherme Boulos e o escritor Daniel Munduruku, entre outros.

A pergunta 'Cadê os Yanomami?' ecoa em posts ilustrados com fotos de yanomami, imagens impactantes como a ilustração de Cris Vector (no destaque deste post) ou links com notícias referentes ao caso, com a hashtag #cadeosyanomami. E rapidamente conquistou as trending topics do Twitter.

Os integrantes da comunidade Aracaçá pertencem ao subgrupo dos Yanomami Sanöma, que, há um bom tempo, deixaram de plantar com constância e faziam serviços para os garimpeiros - como carregar combustível e fazer pequenos fretes de canoa - em troca de comida. Por isso, a aldeia já estava condenada e corria o risco de desaparecer como indica o relatório Yanomami sob Ataque, já comentado neste post.

Dois dias depois do crime, a Hay divulgou nota assinada por Dario Kopenawa Yanomami, seu vice-presidente, para comunicar que está acompanhando o caso e exigia que os invasores fossem retirados do território.

Mas o paradeiro dos yanomami é apenas um dos casos que precisam ser investigados e resolvidos. A luta de todos nós deve ir além dessa comunidade. Devemos cobrar providências das autoridades para que impeçam o avanço do garimpo ilegal em todas as comunidades da Terra Indígena Yanomami.

Com a repercussão do caso da comunidade Aracaçá, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal decidiu criar um grupo para acompanhar e cobrar medidas efetivas nesse sentido, não só no que se refere a região de Waikás, mas em toda a Terra Indígena Yanomami.

O requerimento, de autoria do senador Humberto Costa, indica que é a Comissao da qual ele faz parte tem "obrigação" de tomar providências contra esta "mazela que está matando os Yanomami", e que o "Estado brasileiro ainda é omisso e está deixando a comunidade Yanomami desaparecer".
Davi Kopenawa em foto de Victor Moriyama

O relatório da Hay escancara o genocídio e a exploração dessa etnia. E, recentemente, o líder e xamã Davi Kopenawa, que sempre circulou pelo país e no exterior para falar da causa yanomami, declarou, em entrevista ao jornal O Globo, que tem "medo de morrer de bala".

Ele destacou que este é o pior momento para os mais de 30 mil Yanomami que vivem hoje na TI.. "Dentro e fora de nossas terras há mais de 100 mil garimpeiros" e completa: "Estamos sempre denunciando para que as autoridades nos escutem, mas estão nos ignorando. Ano passado já pedimos várias vezes. Falei com delegado da PF e outros agentes e todos me falaram que é muito difícil para tirar os garimpeiros porque nossa terra é muito grande. Eles já estão acostumados a se esconder e a fugir na floresta".

Por tudo isso, Kopenawa tem razão quando diz que não vê nenhum motivo para celebrar os 30 anos da homologação da terra dos Yanomami, no final deste mês. Foi em 1992 que, com a ajuda do antropólogo Sydnei Possuelo, a maior terra indígena do país foi demarcada e homologada. Mas, desde os anos 70, os Yanomami sofrem com o garimpo ilegal, mas, desde o dia 1o de janeiro de 2019, a situação tem piorado de maneira dramática, chegando à realidade deplorável de hoje
Foto da campanha dos Yanomami e Ykewana, com apoio do Instituto Socioambiental, para extrusão de suas terras em 2019 / Foto: Victor Moriyama

Para compreender melhor a situação dos Yanomami, leia os textos dos links listados no final deste post. A seguir, assista ao vídeo publicado por Júnior Hekurari Yanomami, em 30 de abril, em seu Twitter pra mostrar a devastação ambiental da Terra Yanomami. A devastação social a gente não vê num sobrevôo, mas ela está presente em todos os acampamentos de garimpeiros e em todas as invasões, e nos relatórios da Hay e nos relatos contundentes dos indígenas. Até quando?

Leia também:
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Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.

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