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Cada vez menos terras e direitos

Diário do Pará - http://www.diariodopara.com.br
11 de Mai de 2014

O Pará é o terceiro estado no número de comunidades quilombolas, mas a titulação de terras e os resultados desse processo ainda ínfimos. É o que revela pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA) que faz parte do projeto "Mapeamento Social como instrumento de Gestão Territorial contra o Desmatamento e a Devastação", que colhe informações sobre áreas degradadas e os impactos causados às populações tradicionais. Os estudos ligados ao Fundo Amazônia, ajudam o governo federal a tomar pé dos cenários dessas áreas para possíveis soluções.

A morosidade nos processos de titulação de terras é hoje a maior origem de uma série de conflitos registrados em várias áreas paraenses, atesta a professora da UFPA Rosa Elisabeth Acevedo Marinho. Vinculada ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e ao programa de Pós-Graduação em Antropologia, Rosa destaca: no Pará, os processos de titulação pode levar até cem anos, atesta a estudiosa, que já trabalhou com comunidades tradicionais, como quilombolas, ribeirinhos, pescadores e extrativistas - e desde 2005 trabalha no projeto "A Cartografia Social da Amazônia", coordenado pelo Professor Alfredo Vagner.

P: O projeto "A Cartografia Social da Amazônia" é recente?

R: Aprovamos o projeto Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estudar o mapeamento e realizar o estudo sobre desmatamento e devastação da Amazônia. Esse projeto é um instrumento de gestão territorial contra o desmatamento e a devastação, visando um processo de capacitação de povos tradicionais. Ele dá continuidade ao projeto "Numa Cartografia Social da Amazônia", iniciado em 2005, no qual os agentes sociais têm o controle e uma informação sobre o território que é desmatado.

P: A gente está vivendo uma situação bem complicada no Oeste do Pará, em Oriximiná. Comunidades quilombolas e indígenas reclamam pela demora para regularização de terras e, inclusive, a atual presidente da república é talvez a que menos tenha regulamentado terras indígenas e quilombolas...

R: No Trombetas, particularmente, em um trabalho conjunto com a professora Edna Castro sobre negros no Pará, houve situações em que eles estavam ameaçados com a mineração Rio do Norte, pela criação da Reserva biológica no Rio Trombetas. E aquela foi a primeira área titulada do Estado, em 1994.

Contudo, essas titulações não têm ocorrido de fato. Estão sendo negados direitos territoriais e sobre eles recai também uma enorme violência. Cada vez está menos acessível ter esses direitos. Há restrição e diminuição do uso dos recursos pesqueiros, há a luta pelas regiões onde predominam os açaizais, no Arquipélago do Marajó, há conflito de quilombolas com a expansão do agronegócio do dendê... No Pará, nós temos situações que se mostram na região do Marajó, no Sul e Sudeste do Estado, no Baixo Amazonas, na Região do Tocantins. De fato essas situações não são controladas porque esses povos tradicionais não possuem a garantia de seus territórios. O nosso papel é colher essa informação e repassá-la para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que ele possa fazer pressão sobre o Estado brasileiro para o controle ou a solução de algum desses problemas.

P: A ideia do governo federal não é uma ideia macro, de grandes projetos, que entra em conflito com a dos povos tradicionais? São duas maneiras de ver a Amazônia...

R: Sim, porque por um lado, o governo trabalha numa visão desenvolvimentista extremamente forte e o BNDES financia isto. E a nossa proposta é mostrar que há uma contradição nessa linha de pensamento. Não é possível que esse modelo de desenvolvimento continue anulando os volumes de comunidades tradicionais e apenas produzam a visão para a empresa, de um país desenvolvido, com amplas exportações, com tecnologia, mas que não consegue coproduzir uma abertura para o projeto que tem micro grupos. Um projeto de grupos que tenham autossuficiência alimentar, que têm alto índice de conservação, de recursos naturais.

P: Comunidades quilombolas e indígenas vivem os mesmos problemas?

R: Têm o mesmo desafio, porque ambas estão centradas na mesma questão que é o território. Acabamos de entregar ao Ministério Público um documento sobre a violência contra quilombolas porque são acusados do roubo de açaí, de destruir o ambiente, quando na verdade, a situação é de outra natureza. O Pará representa o terceiro estado no número de comunidades quilombolas e a titulação tem sido muito pífia e resultados muitos pífios. Isso se configura em ameaça a esse grupo.

P: De que forma esse mapeamento social pode ajudar a combater o desmatamento, a devastação ambiental?

R: A questão importante do desmatamento é saber quem é o sujeito dessa ação. Através do mapeamento, o grupo consegue identificar o que está acontecendo na cabeceira, que muitas vezes foram retiradas deles, a cabeceira dos rios. Então se a cabeceira está sendo contaminada pelos agrotóxicos que são utilizados para as plantações, isto vai para o território. Se uma estrada é construída, e uma intervenção será produzida a partir dela, isso está no território. Isto também será objeto do mapeamento.

Então, o mapeamento é um detalhamento muito cuidadoso feito por ele na oficina sobre aquilo que está acontecendo no território.

P: É comum escutarmos o discurso do governo sobre uma possível flexibilização das leis ambientais para que as obras governamentais não sejam prejudicadas. Como a senhora avalia este discurso?

R: O discurso dessa política ambiental para a flexibilização é para flexibilizar o que ele quer que esteja flexibilizado, normalmente para um grupo. Nós temos visto isto no campo da hidrelétrica. Como o licenciamento ambiental irá flexibilizar de outra forma, quando deveria ser bem mais rígido. Portanto, a ideia de flexibilidade é empregada para garantir que projetos de hidrelétricas e de dendê funcionem tranquilamente. Agora, todas essas leis ambientais se tornam muito mais rígidas em relação aos quilombolas, aos extrativistas, de certa forma que construíram uma casa para eles e eles têm que pedir autorização. Para retirar ou fazer a limpeza dos açaizais, o quilombola tem que pedir licença na Secretaria do Meio Ambiente, mas isto não é uma prática das grandes empresas. Elas, em contrapartida, burlam este regulamento. Da mesma forma que se flexibiliza, e essa é a grande discussão do código florestal, realmente se mostra para quem está servindo estas leis. São dois grandes pesos e duas medidas, a flexibilidade da política ambiental. A lei ambiental funciona muito bem. As hidrelétricas estão aí para isso. O projeto do agronegócio está aí para mostrar isso, que é necessário que o Ministério Público Federal intervenha para que o licenciamento ambiental seja feito conforme estabelece a lei e o governo produza do seu lado decisões que facilitem a não favorecer essas empresas e projetos.

P: A cartografia é utilizada na prática e seus objetivos são efetivados?

R: Quando os materiais que são impressos são para os povos quilombolas. Uma parte é distribuída em eventos. Os mapas são reproduzidos em tamanho grande, em lona e banner para que eles utilizem. A utilização da cartografia é muito diversa porque está sendo usada nas escolas, como instrumento de uma política ambiental para debater suas fronteiras e o que está acontecendo a redor do seu território. E agora estamos realizando parte desse projeto com a UFPA e movimentos sociais na Pan-Amazônia. Tem quilombolas, indígenas, grupos afro religiosos... Nós estamos dialogando bastante com universidades e movimentos para debater essa cartografia.

O cerne da cartografia são as identidades coletivas e os territórios e os direitos. É um tripé dos direitos territoriais, direitos culturais. Nesses direitos se contempla a questão dos territórios do direito ao usufruto desse recurso. Outra questão é que esse grupo tem o direito a produzir sua identidade. Tivemos problemas no Amazonas porque o exército entrou e queria saber porque estávamos fazendo oficinas de GPS. Mas isso é livre: o GPS é um instrumento corriqueiro, está disponível nos celulares, inclusive.

P: Estamos prestes a entrar em campanha para a Presidência e para o governo do Estado. A senhora acredita que esse assunto será pauta de discussão. Como a senhora pensa que será o debate?

R: Penso que, por uma questão de a arte da política ser de reconhecimento da sociedade, todos os que pretendem ser nossos governantes deveriam assumir um debate sobre essa questão. Porque a maioria das situações mais problemáticas dos estados da Amazônia estão vinculados ao presente e ao futuro dessas populações tradicionais.

Depois há uma série de questões que não foram cumpridas todos esses anos, que são dívidas da própria Constituição de 1988, fundamentais para o reconhecimento dos direitos desse povo e dessas comunidades tradicionais, indígenas, extrativistas, quilombolas. E agora se diz que irão passar mais cem anos para que essas terras sejam tituladas pelo ritmo que está indo a titulação das terras quilombolas. Então, todas as autoridades políticas que pretendem dirigir o país deveriam tomar conta desta questão. Isto não é uma questão menor.

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