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Cada vez mais seco

CB, Brasil, p.15
23 de Jul de 2004

Cada vez mais secoEstudo realizado por pesquisador da USP mostra que o excesso de queimadas no Norte impede a formação de chuvas e põe em risco ecossistemas da região Amazônica. Este ano, seca deve durar até novembro

Ullisses CampbellDa equipe do Correio
Um ciclo vicioso recorrente na Amazônia está pondo em risco vários ecossistemas e estenderá a estação seca na região Norte por mais quatro semanas neste ano. O fenômeno, chamado pelos cientistas de supressão das chuvas, faz com que chova cada vez menos, o que aumenta o risco de queimadas na região brasileira mais suscetível a incêndios florestais. O alerta será feito pelo pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, na abertura da III Conferência Científica do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), que começa na semana que vem, na Universidade de Brasília. Há dois anos, Artaxo pesquisa a escassez de chuvas na floresta amazônica. Segundo o trabalho do professor, as queimadas na Amazônia, comuns nessa época do ano por conta da preparação do solo para plantações e pastagens, estão levando aos ares uma quantidade excessiva de fuligem. No ar, essas partículas, chamadas de ae rossóis, provocam um processo de saturação no mecanismo de formação de nuvens, impedindo a precipitação. Numa linguagem simples, as nuvens se formam, mas não formam chuvas, diz o pesquisador. Quando não, as nuvens chegam a formar umas chuvas de gotas muito pequenas que, de tão miúdas, caem e evaporam antes de chegar ao solo.
Impacto Como a pesquisa da USP ainda não foi toda concluída, ainda não é possível quantificar a redução de chuvas na Amazônia. Mas o professor P aulo Artaxo assegura que o fenômeno observado até agora já vem causando impacto por conta da estação seca, que vem durando cada vez mais tempo do que deveria. Principalmente em Rondônia e no Acre, estados que mais registram focos de incêndios florestais no país. Quanto menos chover na Amazônia, mais ocorrerão queimadas, alerta Artaxo. A estação seca no Norte é irregular, mas geralmente ocorre entre agosto e outubro. Desde o ano de 2000, ela aumenta a cada ano em uma semana. Neste ano, com o fenômeno da supressão das chuvas, a previsão é que se estenda até novembro. Só agora a ciência começa a ter elementos para ver que as queimadas perturbam o clima e a vegetação de forma cada vez mais sutil e perversa, observa o pesquisador. Segundo o mais recente balanço do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os focos de calor observados diariamente por satélites vêm aumentando na Amazônia. No levantamento feito na quarta-feira passada, foram detectados 63 focos no Pará e 12 no Tocantins. No boletim divulgado ontem, o Pará já tinha 135 focos e o Tocantins, 56. O Maranhão, que não tinha registro de foco de calor há mais de uma semana, surgiu ontem no boletim diário com 20. Sem licença Segundo o Ibama, os focos de calor no Pará ocorrem em áreas de florestas e em outras já devastadas, e também nas terras indígenas. No Tocantins, além de reservas indígenas e áreas já devastadas, os focos têm or igem em áreas de conservação. No Pará, por conta da iminência de incêndio, a Secretaria de Meio Ambiente suspendeu a concessão de licença ambiental para quem usa fogo no descampamento de áreas. As queimadas na Amazônia sempre representaram uma ameaça. Em Rio Branco e Porto Velho, por exemplo, os aeroportos chegam a ficar fechados por mais de 24 horas por conta da fumaça que compromete a visibilidade. No interior do Pará, cidades como Marabá e Itupiranga costumam ter os hospitais cong estionados nessa época por causa de internações de pacientes com doenças respiratórias. Tudo por causa da ação do homem, que usa o fogo, uma das formas mais primitivas e poluidoras, para limpar e preparar a terra para cultivo, observa Artaxo. A sombra gigante que a fumaça das queimadas faz sobre a floresta reduz ainda a radiação solar na superfície, puxando para baixo a taxa de fotossíntese das árvores. Isso altera ecossistemas vitais para a sobrevivência de uma infinidade de esp écies de animais e plantas.
A floresta ardeO mais recente levantamento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, feito na quarta-feira, detectou... 63 focos de calor no Pará 20 no Maranhão 12 no Tocantins
O tempo fechou Na Amazônia, a cena é conhecida: nuvens de fumaça tingem o céu de cinza entre agosto e outubro. O fenômeno é provocado pelas queimadas, que ocorrem com mais intensidade na região Norte justamente na estação mais seca do ano.

No período mais crítico, o céu da Amazônia costuma ficar tão escuro durante o dia que, na grandes cidades, as luzes dos postes de rua são ligadas. Em algumas horas, a fuligem decorrente das queimadas turva o firmamento de forma tão marcante, que os aeroportos de cidades como Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO) fecham para pouso e decolagem por falta de visibilidade. Muitas vezes, por conta das queimadas, o sol começa a se pôr ao meio-dia.
O curioso é que, quanto mais se fazem queimadas na região Amazônica, menos chove na região e mais se prolonga a estação seca. Esse descompasso propicia mais focos de calor, já que as partículas de fuligem não são eficientes para a formação de gotas de chuvas. Geralmente, as q ueimadas são feitas pelo homem para preparar o solo de forma primitiva para plantação ou pasto.
As nuvens mais comuns na Amazônia são as cúmulos nimbus (escuras). Elas são conhecidas por se movimentarem rapidamente, relativamente próximas do solo e por conterem milhares de litros de água. Algumas são tão densas que chegam a levar até três horas para despejar toda a água acumulada.
O sistema de chuvas da Amazônia é o mais vigoroso do planeta, justamente por ser eficient e e dinâmico. Isso faz com que a Região Norte seja muito importante como fonte de água para a atmosfera global. Para se ter uma noção, a vazão de água que sai do rio Amazonas é o maior fluxo de água doce do mundo. E a maior parte desse volume de água vem das chuvas que caem na região.

Recorde de trabalhos
Cerca de 700 estudos sobre a Amazônia serão apresentados na III Conferência Científica do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera (LBA) por cerca de 800 cientistas. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fará a abertura da conferência. Os estudos apresentados mostrarão que o desflorestamento e as queimadas não só aceleram o efeito-estufa, como estão diretamente ligados às mudanças climáticas, assim como na formação das nuvens. Um d os trabalhos vai mostrar que as dificuldades de replantio em áreas já degradadas da Amazônia ocorrem por falta de nitrogênio, e não de fósforo, como os cientistas pensavam até o momento. Essa descoberta é considerada importante porque, a partir dela, será possível fabricar uma espécie de adubo nitrogenado. Segundo o coordenador da III Conferência do LBA, cientista Paulo Artaxo, nunca foi apresentada tanta pesquisa sobre a Amazônia. Neste ano, a conferência bateu recorde, ressalta . Um outro trabalho vai revelar que as nuvens que se formam misturadas com fumaça de determinadas queimadas despejam uma chuva quimicamente modificada. Segundo um estudo da Universidade de São Paulo, trata-se de uma chuva ácida que cai misturada com amônia, um elemento químico que causa danos ao meio ambiente. Tais efeitos negativos só serão percebidos daqui a duas décadas. (UC)

CB, 23/07/2004, Brasil, p.15.

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