VOLTAR

Caçadores matam guia do Ibama em tocaia

FSP, Cotidiano, p. C4
16 de Nov de 2006

Caçadores matam guia do Ibama em tocaia
Equipe foi atacada a tiros por traficantes de tartarugas quando navegava em rio de Roraima; 2 pessoas ficaram feridas
Criminosos fugiram com a lancha onde estava o corpo; PF investiga se o ataque foi uma reação ao aumento da fiscalização na região

Kátia Brasil
Da agência Folha, em Manaus

Uma equipe do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foi alvo de emboscada de caçadores ilegais de tartarugas anteontem em Roraima. Uma pessoa morreu e duas ficaram feridas. O grupo formado por dois servidores do instituto e três guias locais contratados como colaboradores navegava no rio Água Boa do Univini (afluente do rio Branco), área de difícil acesso em Caracaraí (RR), quando foi atacado a tiros.
A superintendente do Ibama em Roraima informou que a Polícia Federal investiga se o conflito foi uma reação contra a fiscalização na área.

Os funcionários atacados integram o projeto do Ibama Quelônios da Amazônia -de manejo e proteção dos principais quelônios da região. Quelônios são uma ordem (que inclui tartarugas, cágados e jabutis) dentro da classe dos répteis. O executor do projeto, o analista ambiental e veterinário do Ibama Raimundo Pereira Cruz, integrava o grupo e é um dos feridos -o outro baleado é o guia Josué Silva, que está em estado grave. O guia José Santos Cruz foi morto. A equipe estava na região desde segunda.

A superintendente do Ibama de Roraima, Nilva Baraúna, disse que a equipe sofreu a emboscada quando seguia, de lancha, para o acampamento.
"Eles estavam dentro do barco quando fizeram uma curva e foram atacados a tiros. Eles [caçadores] estavam de tocaia. O pessoal do Ibama não estava armado e não revidou."

Segundo Nilva, os sobreviventes relataram que foram obrigados a pular na água -inclusive os feridos-, enquanto os atacantes fugiam com a lancha, onde estava o corpo do guia José Santos Cruz.
Nesse momento, o grupo se separou. Raimundo Cruz nadou até uma praia fluvial, onde se escondeu. Ele foi encontrado ontem, ferido na perna.

O piloto da lancha e chefe substituto do escritório do Ibama em Caracaraí, José Silva Araújo, e dois guias -entre eles Josué Silva, que ficou ferido- conseguiram chegar, por volta das 6h de ontem, a um hotel de selva próximo ao local do conflito, na região do baixo rio Branco, onde foram socorridos. Um gerente do hotel acionou o Ibama via rádio.
O guia Josué Silva foi levado de avião até Boa Vista, onde foi internado em estado grave. Até a conclusão desta edição, a lancha e o corpo do guia José Santos Cruz não tinham sido encontrados.

Investigação
Dois aviões e um helicóptero do governo de Roraima partiram de Boa Vista na tarde de ontem para a região do conflito.
As aeronaves transportavam equipes das polícias Federal e Militar para a investigação do caso e busca dos caçadores, que seriam seis homens.

Uma das hipóteses é que o ataque tenha sido uma reação contra a fiscalização na área.
Há 15 dias, uma equipe da 15 fiscais da Femact (órgão ambiental de Roraima), acompanhada por cinco policiais militares, está na região do baixo rio Branco em ação de combate à captura de quelônios.

Na última sexta-feira, o Ibama apreendeu dez tartarugas no porto fluvial de Caracaraí. Chamados de tartarugueiros, os caçadores praticam comércio ilegal de quelônios para as cidades de Manaus (AM) e Belém (PA). Eles capturam as tartarugas -muitas delas filhotes- e as mantêm em criadouros clandestinos até que barcos façam o traslado.
A direção nacional do Ibama informou ontem que o crime em Roraima não foi o primeiro envolvendo funcionários do órgão. Como exemplo, a assessoria do Ibama citou o assassinato, em 2001, de João Dantas de Brito, então chefe da unidade de Floresta Nacional do Ibama em Nísia Floresta (RN).

As operações de combate ao tráfico de tartarugas na região amazônica são realizadas com freqüência pelas polícias Federal e Militar e pelo Ibama. Na região do baixo rio Branco, em Roraima, 680 tartarugas foram apreendidas em criadouros clandestinos durante operação em dezembro de 2005.
Naquela área, traficantes de tartarugas aproveitam a vazante (período em que um rio apresenta o menor volume de águas) do rio Branco para aprisionar os quelônios.
Colaboraram JOSÉ EDUARDO RONDON, da Agência Folha, e a Sucursal de Brasília

saiba mais

Réptil custa até R$ 1.000 no comércio ilegal

DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

A região do baixo rio Branco, em Roraima, onde houve o conflito, é um dos maiores celeiros de tartarugas da Amazônia, junto com as regiões do Abufari, de Eirunepé, Canutama e Manicoré, no Estado do Amazonas.
De setembro a dezembro, as tartarugas depositam seus ovos em praias que surgem ao longo dos rios e são alvo da ação predatória de caçadores.

Os "tartarugueiros" capturam os animais vivos nas praias ou com redes e arpões nos rios e lagos.
O destino é o comércio ilegal nas cidades de Manaus e Belém.
Uma tartaruga de 80 centímetros chega a custar R$ 1.000 no mercado negro. Da carne do animal é feita uma iguaria tradicional servida em banquetes e festas.

A carne, considerada saborosa, é usada em picadinhos e guisados. Um prato da iguaria pode custar mais de R$ 50.

Combate à caça
A caça predatória desses quelônios (tartarugas, cágados e jabutis) aquáticos é combatida pelo governo federal desde os anos 70.

Com a sanção da Lei de Crimes Ambientais, em 1998, além de serem multados, os caçadores ilegais passaram a ser processados pela Justiça.

Para evitar a caça predatória dos quelônios, equipes do Ibama desenvolvem pesquisas e projetos de educação ambiental em comunidades ribeirinhas. Muitos moradores apóiam as ações e denunciam crimes ambientais.
Colaborou a Reportagem Local

Projeto localiza e protege áreas de reprodução

DA REPORTAGEM LOCAL

Desde 1979, as tartarugas e os demais quelônios são o alvo do programa Quelônios da Amazônia, mantido pelo Ibama. Cerca de 25 mil deles foram protegidos e 600 mil devolvidos à natureza.

O projeto identifica e protege os locais de reprodução no período de desova e eclosão dos ovos, entre setembro e dezembro. São as etapas em que os quelônios ficam mais vulneráveis aos traficantes.
Segundo o Ibama, o trabalho dá condições para o aumento de tartarugas em desova e para o desenvolvimento da espécie.

No projeto, os filhotes são mantidos em tanques-redes, alimentados por cerca de 50 dias até serem devolvidos ao seu habitat -cerca de 30% dos quelônios são reservados para interessados em manter criadouros controlados com finalidade comercial.

O Ibama diz que as ações ambientais já conseguiram retirar a tartaruga-da-amazônia do status de animal em situação crítica de extinção para em situação vulnerável.

FSP, 16/11/2006, Cotidiano, p. C4

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.