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Caatinga no Sudeste

O Globo, Ciência, p. 31
21 de Mar de 2007

Caatinga no Sudeste
Novos sinais de aquecimento global ameaçam reduzir inverno e afetar agricultura

Roberta Jansen

Uma paisagem típica da caatinga nordestina pode se tornar mais comum no Sudeste do país até o fim do século em razão das mudanças climáticas em curso. A temperatura mínima tende a aumentar até 4 graus Celsius, levando praticamente ao fim do inverno tal como o conhecemos em várias áreas da região, segundo aponta um estudo realizado em Minas Gerais pelo Departamento de Agrometeorologia da Embrapa. O estudo foi feito na cidade de Sete Lagoas, onde a Embrapa mantém uma das mais antigas estações de medição de temperatura. Funcionando desde 1926, a estação é uma das poucas do país a ter séries históricas de temperatura por 80 anos ininterruptamente. Embora o estudo seja local, os pesquisadores envolvidos acreditam que seus resultados indicam uma tendência para o Sudeste do país.

Clima em mutação
Os cientistas estimam que a temperatura média da cidade deve aumentar em 1,9 grau Celsius até o fim do século. O aumento das temperaturas máximas é menor, 1 grau. Mas o que mais chamou a atenção foi a elevação da temperatura mínima em 4 graus Celsius.

- Isso quer dizer que o inverno é muito reduzido - afirma Daniel Pereira Guimarães, um dos autores do estudo, juntamente com Luiz Marcelo Aguiar Sans. - Já em 2020, o clima será parecido com o de Montes Claros, 300 quilômetros ao norte, no semi-árido. O clima hoje em Sete Lagoas é típico de cerrado.

Ou seja, o que o estudo mostra é uma expansão do semiaacute;rido, da caatinga.

Segundo o cientista, de forma geral, quase todas as cidades do Sudeste e do Sul do Brasil apresentam uma tendência de aumento das temperaturas. No Nordeste os dados não são conclusivos.

Alterações no inverno do Sudeste podem levar a graves conseqüências para a agricultura, principal foco das medições climáticas realizadas pela Embrapa. A evaporação maior de água e o ressecamento dos solos alteram consideravelmente os cultivos, favorecendo aqueles típicos de regiões mais secas do Nordeste.

- Pode haver queda e instabilidade da produção, o fim de determinados cultivos naquela região, e o aumento das pragas - enumera o cientista.

Segundo Guimarães, o inverno é considerado "profilático" pelos especialistas em agricultura porque o frio reduz muito a incidência de fungos, bactérias e insetos nos cultivos:
- O inverno funciona como uma barreira sanitária. Com o calor, aumenta a velocidade de proliferação de pragas agrícolas.

Guimarães afirma que efeitos dessas alterações climáticas na região poderão ser sentidos este ano, com uma estiagem atípica.
- O que tivemos este ano em toda a região Sudeste, com exceção de São Paulo, foi chuva em excesso em dezembro e janeiro, mas seca praticamente desde a segunda quinzena de fevereiro até hoje, enquanto o esperado era termos chuva até abril - aponta o pesquisador. - Em Sete Lagoas, esperava-se que chovesse 180 milímetros em fevereiro, mas o número registrado foi 80 milímetros.

Diante desse quadro, observa o pesquisador, a previsão é de um inverno muito seco e muito quente este ano.
- A expectativa é de termos uma estiagem parecida com a do Nordeste, oito meses de seca - diz. - Só deve voltar a chover significativamente em outubro.

Aumento das queimadas
No entanto, como choveu muito em dezembro e janeiro, a safra deste ano do Sudeste não será prejudicada. Pelo contrário, deverá bater recorde na produção de grãos.

- Mas com o prolongamento da seca, as pastagens vão sofrer muito e o período de queimadas será maior do que o normal. Em vez de começar em agosto, já deverá ter início em maio - afirma o cientista.

Para agravar ainda mais a situação, com a chuva do início do ano o capim cresceu muito e ainda se encontra parcialmente verde, o que tende a gerar mais fumaça.

- Para a poluição atmosférica é uma má notícia - alerta. - Precisamos evitar as queimadas a todo custo.

Para Guimarães, tais fenômenos estão relacionados a uma tendência de maior instabilidade climática gerada pelo aquecimento global.

O Globo, 21/03/2007, Ciência, p. 31

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